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Gleisi Hoffmann
Gleise Hoffman não quer amarras para gastar dinheiro do fundão e defende fim da justiça eleitoral| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Ao pedir o fim da Justiça Eleitoral, durante discussão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que anistia partidos políticos que não cumprem as regras de cotas para mulheres e negros, a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, demonstrou que não quer amarra para gastar o dinheiro do fundão para bancar a legenda que comanda.

O Fundo Especial de Financiamento de Campanhas foi implementado em 2018, como mecanismo de compensação ao fim das doações empresariais para as campanhas. Em 2022, o “fundão” distribuiu R$ 4,9 bilhões entre os partidos, sendo que R$ 503,4 milhões foram destinados ao PT.

A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) tem criticado as multas impostas aos partidos políticos pela Justiça Eleitoral desde que a "PEC da Anistia" foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em maio deste ano, pontuando que as multas aplicadas às legendas eram milionárias e inviabilizariam o funcionamento dos partidos.

Desta vez, na Comissão Especial que trata da proposta, a presidente do PT demonstrou mais uma vez corporativismo ao apontar que quase nenhum país do mundo tem Justiça Eleitoral.  “Um dos únicos lugares do mundo que tem Justiça Eleitoral é no Brasil. O que já é um absurdo e custa três vezes mais do que o financiamento de campanha para disputa eleitoral”, afirmou a presidente do PT, que defende sanções para os partidos no lugar de pagamento de multas.

Mas especialistas ouvidos pela reportagem reforçam que a mesma Justiça Eleitoral que agora condena foi a que beneficiou o Partido dos Trabalhadores em diversas decisões que marcaram a disputa das eleições presidenciais de 2022, quando Lula e Jair Bolsonaro disputavam a Presidência da República.

Moraes rebate crítica e oposição diz que presidente do PT age por conveniência

A presidente do PT até tentou “consertar” o estrago das declarações ao afirmar nas redes sociais que a Justiça Eleitoral é “relevante”, mas pode ser criticada. Isso ocorreu após a nota divulgada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes.

Moraes afirmou que as falas da presidente do PT representam "total desconhecimento sobre a importância" da Justiça Eleitoral, e que foram feitas "no intuito de tentar impedir ou diminuir o necessário controle dos gastos de recursos públicos realizados pelos partidos políticos".

Para o deputado Alberto Fraga (PL-DF), um dos vice líderes do PL na Câmara dos Deputados, “quando a justiça os ajuda, concordam, batem palmas. Quando é contra, aí o mundo cai.  Então desse povo da esquerda se espera tudo”.

Fraga lembra que o PT defende a proposta que anistia os partidos de multas por descumprimento de cotas de gênero e raça, que deverá ser apreciada em breve pela Comissão Especial, e depois será votada no Plenário da Casa. “Veja se o PT vota contra a anistia aos partidos nas dívidas e multas. Veja como o PT vota ou votou”.

Já o deputado Kim Kataguiri (União-SP) diz que a fala da presidente do Partido dos Trabalhadores não passa de hipocrisia. “É hipocrisia petista, né? Sempre que algum órgão da justiça beneficia o PT, esse órgão é democrático, esse órgão está defendendo a lei, esse órgão é do bem, é da democracia. Agora, sempre que há uma decisão contra o PT, aí é perseguição política, ou seja, nunca existe nada de ruim, de material contra eles”.

Kataguiri acrescenta que toda vez que se fala em erro do PT, o partido alega que está sendo perseguido politicamente. “O PT é incapaz, na narrativa petista, de cometer qualquer crime, de cometer qualquer erro, e qualquer um que ouse apontar, fazer qualquer crítica nesse sentido, é porque é um inimigo do partido”, conclui.

O deputado Maurício Marcon (PL-RS) relembra as decisões da Justiça Eleitoral que teriam sido benéficas ao PT na época da campanha, como a derrubada de contas que foram consideradas disseminadoras de fake news, e o impedimento da ligação da imagem de Lula a ditadores, por exemplo.

"Várias decisões beneficiaram o PT [no pleito de 2022] e, numa eleição parelha como foi, a Justiça Eleitoral, no meu ponto de vista, teve um papel importante na parcialidade que teve em suas decisões".

Marcon afirmou ainda que “quando alguma decisão eventualmente não é do agrado dela, do PT, eles - que se dizem democratas - atacam o sistema, para que o sistema na próxima oportunidade não queira lutar contra esse partido e essa forma de governo”, critica.

Especialistas criticam declaração de Gleisi Hoffmann

Especialista em Direito Eleitoral, Adriano Soares da Costa afirma que se as críticas da presidente do PT à Justiça Eleitoral fossem praticadas pelo governo anterior, então, elas seriam consideradas antidemocráticas, por criticar o sistema ao dizer que seria desnecessária e muito cara.

“É muito interessante que o PT se solidariza com a Justiça Eleitoral quando é oportuno, como foi o caso nas ações de inelegibilidade utilizadas contra o ex-presidente [Jair] Bolsonaro. No entanto, quando lhe convém, critica a mesma instituição como cara e desnecessária. É uma visão, portanto, que se adequa às necessidades do próprio partido, e não a questões objetivas e fundamentadas”.

Para o advogado, o debate sobre a Justiça Eleitoral é necessário, no entanto, “não pode o mesmo partido que elogia criticar quando lhe convém e não por princípios sérios, princípios justificados, tanto do ponto de vista jurídico quanto do ponto de vista administrativo e da democracia brasileira”.

O jurista Fabrício Rebelo é outro que discorda das falas de Gleisi Hoffmann. “Ela revela a essência contraditória do PT, que parece só se incomodar com as decisões, sejam quais forem, [quando] atingem seus interesses", afirmou.

Ele lembrou que o TSE determinou a inelegibilidade de Bolsonaro, e que reverteu "o entendimento do próprio Tribunal sobre a admissão de provas novas, não contidas na denúncia”. E nesse caso, segundo o jurista, além de ficar em silêncio, o PT comemorou o resultado do julgamento, o que mostra a “hipocrisia” do partido.

A advogada Kátia Magalhães, que também faz parte do movimento "Olho no Congresso", diz que mais uma vez a fala da deputada indica uma relativização de valores, "o conhecido duplo padrão da esquerda". Kátia lembra que quando o PL foi condenado ao pagamento de R$ 22 milhões devido à mera propositura de uma ação de questionamento à regularidade da votação, Gleisi usou suas redes para aplaudir a decisão, que chamou de “julgado pedagógico”.

O cientista político Adriano Cerqueira, da Universidade Federal de Ouro Preto, faz coro às críticas. “Quando são ações que beneficiam o partido, fica calada, faz a defesa da justiça. Agora, quando envolve uma questão de bolso, e o PT volta e meia enfrenta problemas sérios com relação a multas, junto a processos eleitorais, aí, claro, ela se levanta e faz um ataque à Justiça Eleitoral. Não há muita coerência, é mais uma ação corporativa mesmo”.

Decisões da Justiça Eleitoral beneficiaram PT em 2022

Desde o início da campanha de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atendeu a 60 pedidos feitos pelo Partido dos Trabalhadores para tirar da internet e da propaganda eleitoral conteúdos que faziam referência a uma possível ligação do então candidato do PT à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, a escândalos de corrupção, ao crime organizado, à ditadura na Nicarágua e a outros temas levantados pela esquerda, embora condenados pelo eleitor mais conservador, como aborto e drogas.

Em outra decisão que beneficiou o Partido dos Trabalhadores, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, impediu a exibição do documentário “Quem mandou matar Jair Bolsonaro?”, produzido pela Brasil Paralelo, numa sentença que também determinou a retirada de postagens das redes sociais e o bloqueio de perfis ligados à direita.

Em 2022, o comando da campanha de Lula fez aproximadamente 90 representações à Justiça Eleitoral para retirar do ar programas, inserções e postagens críticas a Lula. As 60 decisões favoráveis representaram uma taxa de sucesso de 64,5%, considerando o período analisado.

A maioria delas tratava de posts e vídeos publicados pelo próprio então presidente Jair Bolsonaro, que foi candidato à reeleição, e seus apoiadores no Twitter, Facebook, Instagram, YouTube, TikTok, Kwai, Gettr e Telegram. Outras nove ações levaram os ministros do TSE a vetar mensagens divulgadas na propaganda oficial de Bolsonaro ou patrocinadas por sua campanha.

Em outro caso, a justiça proibiu a divulgação de pesquisa que mostrava Bolsonaro à frente de Lula no estado de Minas Gerais. Em todos esses casos, além de remover aquele conteúdo, o TSE determinou multa pelo descumprimento das ordens e para quem insistisse na publicação de material considerado inverídico.

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