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O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, durante p lançamento das Seleções do Novo PAC
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, durante p lançamento das Seleções do Novo PAC| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem demonstrado resistência em substituir os titulares do primeiro escalão Flávio Dino, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), e Juscelino Filho, do Ministério das Comunicações, ambos envolvidos em escândalos recentes. Parlamentares e analistas se dividem entre as avaliações de que a postura do governo demonstra fraqueza e falta de consolidação política e, por outro lado, barganha partidária, a fim de manter o apoio tanto na Câmara quanto no Senado.

O deputado federal Alberto Fraga (PL-DF) afirma que a postura do governo em ambas as situações é desastrosa, ao tentar blindar ministros envolvidos em escândalos de grande monta. Vice-líder do PL na Câmara e primeiro vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO), Fraga afirma que acusações de tamanha gravidade precisam ser enfrentadas. "Se fosse um governo consolidado ou popular, como eles dizem, ele [Lula] não teria medo de trocar os ministros envolvidos em escândalos", critica.

O cientista e analista político Valdir Pucci avalia que o governo joga de forma política, apesar da gravidade das situações. Para ele, Lula faz o jogo político e não pensa apenas na opinião pública, mas olha também para dentro, para a necessidade de se manter e ter apoio dentro do Congresso Nacional. "Então, não vejo como descaso, falta de habilidade ou fraqueza política. É uma negociação política: manter o Dino é interessante para fazer frente à oposição, pois ele é um defensor do governo; manter o Juscelino é mais desgastante, mas é uma forma de garantir o União Brasil dentro do governo”, afirma Pucci.

Por outro lado, a prática de Lula ao lidar com escândalos em suas gestões anteriores, como no caso do mensalão, mostra que a leniência do presidente esbarra nos limites da manutenção de sua autoimagem e na autopreservação.

Segundo Antônio Testa, doutor em Sociologia e consultor político independente, Lula sempre buscou blindar em seus discursos e em suas práticas políticas os ministros envolvidos em ilícitos. “Foi assim no mensalão, mas quando ele percebeu que poderia ser enredado na trama política, ele deixou de defender a todos que estavam ao seu redor”.

Além disso, Pucci afirma que qualquer governo que supostamente tivesse a ética como bandeira, diante dessas acusações, deveria afastar os ministros de seus cargos. Para ele, isso deveria ocorrer principalmente em uma gestão do PT, que tanto nos governos anteriores de Lula quanto nos da ex-presidente Dilma Rousseff passou por vários escândalos de corrupção.

No entanto, o cientista político explica que a situação de Juscelino Filho e de Dino são distintas uma da outra. “No caso de Dino, não é uma questão de corrupção, a priori ele está sendo acusado pelo que houve dentro do Ministério da Justiça - a recepção da esposa de um traficante. Agora, a situação do Juscelino é diferente, pois há indícios claros de corrupção. Ele é mais insustentável no cargo do que o Flávio Dino”, avalia.

Ministério falhou em não detectar entrada de mulheres ligadas ao Comando Vermelho

No caso mais recente, Flávio Dino está sendo acusado pela oposição de incompetência e ineficiência, já que seu ministério permitiu que duas mulheres ligadas ao Comando Vermelho (CV) no Amazonas não só adentrassem as dependências do Palácio da Justiça, como também mantivessem reuniões com seus assessores em duas ocasiões.

Luciane Barbosa Farias é conhecida como "dama do tráfico amazonense". Casada com o traficante Clemilson dos Santos Farias, o "Tio Patinhas", que cumpre pena de 31 anos no presídio de Tefé, ela própria foi condenada a 10 anos de prisão por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa, mas aguarda o recurso em liberdade.

Luciane acompanhou a ex-deputada do PSOL-RJ Janira Rocha na ida ao ministério. A ex-parlamentar chegou a ser condenada, em 2021, pela Justiça do Rio de Janeiro após ser investigada pela prática da “rachadinha”, quando era deputada estadual na Assembleia Legislativa (Alerj), entre 2011 e 2015. A sentença, no entanto, foi anulada posteriormente. Janira foi a responsável pela marcação de ambas as reuniões nas quais Luciane estava presente.

Documentos da Polícia Civil do Amazonas demonstram que tanto Janira quanto a ONG de Luciane, Associação Instituto Liberdade do Amazonas, receberam depósitos de aproximadamente R$ 20 mil nos meses de fevereiro e maio deste ano do contador do CV no estado.

No Ministério da Justiça, elas mantiveram reuniões com Elias Vaz, secretário Nacional de Assuntos Legislativos de Flávio Dino, no dia 19 de março. Pouco tempo depois, em 2 de maio, se encontraram com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Apurações junto ao MJSP mostraram que houve encaminhamento das demandas tratadas durante as reuniões.

Ao criticar o ocorrido, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-ministro da Justiça na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou em seu perfil no X (antigo Twitter) que, na sua época à frente da pasta, “até recebíamos criminosos em Brasília, mas eles iam direto para o presídio federal". Moro ainda disse que o mais chamativo em toda a situação é que uma pessoa como Luciane, “com esse nível de envolvimento criminal, se sinta à vontade para ir ao Ministério da Justiça tratar de suas demandas”.

Lula se solidariza com Dino para contra-atacar as críticas da oposição

Diante da pronta reação da oposição, que pediu a abertura de CPI sobre o caso (com 1/3 das assinaturas provenientes da base aliada do governo), dentre outras ações, Dino alegou nas redes sociais que não estava presente às reuniões e que as acusações se tratavam de "vil politicagem".

Na quarta-feira (15), Lula liderou uma série de manifestações em solidariedade e defesa do ministro. O petista tentou tirar o foco da inabilidade do Ministério da Justiça em identificar a entrada de pessoas ligadas ao crime em suas dependências e salientou que algumas notícias citavam que o ministro teria se encontrado com Luciane - o que não ocorreu, as reportagens falam sobre as reuniões dos assessores com as mulheres.

“Minha solidariedade ao ministro Flávio Dino, que vem sendo alvo de absurdos ataques artificialmente plantados. Ele já disse e reiterou que jamais encontrou com esposa de líder de facção criminosa. Não há uma foto sequer, mas há vários dias insistem na disparatada mentira”, afirmou o presidente.

Na visão de Lula, essas notícias seriam uma represália diante das "eficazes ações do MJSP no combate ao crime", ao tráfico e às milícias – embora a área de segurança pública tenha a pior avaliação do governo -- péssima (47%), ruim (9%) e regular (9%).

Postura de Dino causa mal-estar até entre petistas

Pucci avalia que o ministro está sofrendo uma "fritura" interna. “O Dino está passando por um processo de fritura, visto que ele não é do PT, mas ganhou destaque nesses primeiros meses de governo Lula como um possível nome à presidência da República no pós-Lula. Para o PT, isso não é interessante, que haja nomes que se destaquem dessa forma”.

Mas, no Congresso, a postura do ministro é vista como arrogante, desrespeitosa e agressiva, já que teria criado muitas arestas junto a parlamentares não só de oposição, mas também da base aliada do governo, incluindo petistas influentes e até mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de acordo com uma fonte ouvida pela reportagem e que pediu para não ter o nome revelado. A inoperância à frente da segurança pública e a busca constante por holofotes somam-se aos pontos citados anteriormente.

Dessa forma, a jogada política do presidente em se solidarizar com Dino seria em razão da defesa contundente que o ministro faz da atual gestão. Segundo Pucci, Dino é aquele homem que faz frente à oposição, para responder às acusações contrárias ao governo, principalmente porque gera engajamento em redes sociais – o que acaba sendo positivo para Lula.

Desse modo, segundo o especialista, o governo trabalha para que seja possível manter Dino no cargo ao mostrar que não haveria relação direta dele no caso, e para isso também usa as redes sociais. Não por acaso, Dino e seus aliados têm postado resultados de ações do ministério, como apreensões pontuais de drogas e armas nas operações da Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

De acordo a narrativa do governo, organizações criminosas teriam "plantado" as matérias sobre os encontros com membros de facções para desmoralizar Dino em represália as ações da pasta para asfixiá-las financeiramente. Mas, contradizendo essas alegações, especialistas afirmam que a gestão do ministro ainda não teve resultados concretos para a segurança pública no país.

Adriano Cerqueira, cientista político e professor do Ibmec, avalia que Dino foi importante no início do governo para combater a direita e o próprio Bolsonaro, o que é muito bem-visto por Lula e tem ajudado a garantir a manutenção dele no cargo. No entanto, os desgastes à imagem de Dino respingam no governo.

Já para Testa, Dino dificilmente se sustentará no governo, pois Lula teria que barganhar alto para segurá-lo. “Nunca um ministro foi tão descuidado com as instituições e a sociedade. Ele parece se colocar acima da lei”, afirma o sociólogo. Segundo ele, Lula pode simplesmente estar aguardando que Dino perca sua sustentação por si só. “O próprio PT já está indisposto com ele”, destaca.

Juscelino Filho: indicações de corrupção e barganha partidária

O caso de Juscelino Filho é distinto. O ministro está sendo investigado pela Polícia Federal (PF) por uma suposta relação criminosa com o empresário Eduardo José Barros Costa, conhecido como ‘Eduardo DP’ ou ‘Imperador’. Ele é um dos proprietários da Construservice, empreiteira suspeita de desvios na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

No início de setembro, relatório de investigação da PF foi encaminhado para o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Luís Roberto Barroso solicitou o bloqueio dos bens de Juscelino Filho, assim como o afastamento de sua irmã, Luanna Resende, do cargo de prefeita do município de Vitorino Freire, no Maranhão. À época, a PF cumpriu 12 mandados de busca e apreensão nas cidades de São Luís, Vitorino Freire e Bacabal, todas no estado. A PF teria pedido a Barroso para realizar buscas no apartamento de Juscelino Filho, mas teve o pedido negado.

Na ocasião, o partido de Juscelino, o União Brasil, declarou apoio ao ministro e à irmã dele, em nota assinada pelo deputado Elmar Nascimento, líder do partido na Câmara, e pelo senador Efraim Filho, líder no Senado. Eles afirmaram que a investigação estava em fase de inquérito, “com denúncias e indícios que ainda não foram devidamente apurados, e cuja falta de evidências serviram [sic] de embasamento para que se negasse, por exemplo, mandados de busca e apreensão contra a pessoa do ministro Juscelino”.

Mesmo diante da investigação da PF, Lula disse que não afastaria o ministro. E essa não foi a primeira vez que Lula fez vista grossa para alegações de desvios de conduta de Juscelino Filho. O ministro já foi acusado de ficar com parte de diárias de viagens domésticas e internacionais ao cumprir funções oficiais, e de esticar agendas ao marcar compromissos próximos ao fim de semana.

Além disso, enquanto era deputado federal, foi acusado de ter utilizado dinheiro público para asfaltar uma estrada que dá acesso à sua fazenda, de não ter declarado parte de seu patrimônio à Justiça Eleitoral e de ter usado sua influência para empregar funcionários de seu haras na Câmara dos Deputados.

De acordo com Pucci, a investigação da PF sobre Juscelino Filhos traz claros indícios de corrupção, ainda que seja preciso passar pelo devido processo e julgamento para apurar a responsabilidade do ministro. Mesmo assim, sua manutenção no governo se dá em troca do apoio do União Brasil. Desse modo, para que Lula conseguisse substituir o ministro das Comunicações, necessitaria da aprovação do partido.

“Para a opinião pública, trocar o ministro daria menos desgaste do que mantê-lo no cargo, pois o caso do Juscelino é pior para a opinião pública do que o caso do Dino”, afirma o advogado, em razão da vinculação da imagem do PT a casos de corrupção.

Testa avalia que o ministro é uma figura política menos relevante que Dino e que cumpre seu papel com o partido em troca do apoio ao governo. Ainda assim, ele diz que Juscelino Filho não é imprescindível para o governo, o qual poderia, inclusive, trocá-lo por apoio para preservar Dino.

Na visão de Cerqueira, o PSB e o União Brasil, partidos de Dino e de Juscelino Filho, respectivamente, são legendas que estão alinhadas ao governo e que, portanto, a troca dos ministros por outros pares partidários não seria desgastante para nenhum dos lados.

Entretanto, ele afirma que a manutenção de ambos pode gerar um desgaste mais acentuado junto a partidos que não são aliados ideologicamente ao PT e a Lula, mas que têm, de certa forma, apoiado o governo principalmente em pautas econômicas. Por essa razão, do ponto de vista político, o ideal é que Lula fizesse a troca dos dois ministros, o que ele não parece disposto a fazer.

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