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Articuladores políticos e a equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) intensificaram nos últimos dias negociações com o Congresso para financiar um pacote bilionário de gastos extras e eleitoreiros.
Desafiando o arcabouço fiscal e driblando regimentos, a pressão para obter o aval a ações populistas ocorre em meio à corrida para aprovar, com atraso, o Orçamento de 2025 e alertas sobre novos riscos para o quadro econômico.
O relatório final da proposta orçamentária (PLN 26/2024) foi lido na Comissão Mista de Orçamento (CMO) na manhã desta quinta-feira (20) e acabou aprovado pelo Congresso no período da tarde.
Os recursos buscados pelo Planalto servem basicamente para viabilizar o programa de transferência de renda Vale-Gás (R$ 3,6 bilhões), que subsidia milhões de famílias pobres. O governo negociou incluir também o programa Pé de Meia que prevê depósitos mensais de R$ 200 para estudantes do ensino médio, mas o programa não entrou no relatório.
Relator do Orçamento diz ter acertado os novos gastos com o governo
Escolhidos como marcas do Lula 3, os programas serão explorados na campanha pela reeleição de Lula junto com a renúncia de ao menos R$ 27 bilhões para isentar de Imposto de Renda quem tem salário de até R$ 5 mil.
A ofensiva com afagos ao eleitorado reflete o esforço de Lula para reverter a impopularidade recorde. Mas analistas temem que ela dificulte o controle da inflação, que aflige justamente as camadas de mais baixa renda.
A difícil conciliação entre previsões de gastos e iniciativas eleitoreiras de última hora está levando mais tempo que o desejado por Lula.
O relator do Orçamento de 2025, senador Angelo Coronel (PSD-BA), chegou a dizer que pendências referentes ao Vale-Gás e ao Pé-de-Meia tinham sido sanadas. Mas o impasse continuou.
O Orçamento não garantiu recursos suficientes e específicos para o programa Pé-de-Meia, que tem um custo estimado de R$ 13 bilhões em 2025. Segundo o relator, o valor restante poderá ser complementado ao longo do ano com o envio de projetos de lei ao Congresso para abertura de créditos adicionais.
A solução de última hora apresentada pelo governo foi fazer um corte no programa Bolsa Família de R$ 7,7 bilhões. A redução se basearia em um pente-fino que identificou e cancelou fraudes no programa.
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Alterações propostas pelo governo no Orçamento chegaram fora do prazo
A mensagem enviada ao Congresso pelo líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), no início de fevereiro, pedindo alterações na destinação de recursos do Orçamento, se soma às manobras para ampliar os gastos.
Segundo técnicos legislativos, as propostas chegaram fora do prazo para a tramitação da lei orçamentária anual. Segundo Resolução do Congresso, as mudanças só seriam apreciadas se recebidas até o início da votação do relatório preliminar na CMO.
Como a votação ocorreu em dezembro, não caberia alterações sugeridas pelo Palácio do Planalto.
O governo trabalha ainda com uma proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, apresentada nesta semana. Ela deve ser discutida somente após a aprovação do Orçamento de 2025 e pode valer para 2026. A forma de compensar a perda de receita seria a criação de um imposto mínimo sobre a alta renda.
Analistas consideram lembram que se o Congresso aprovar só a isenção, a compensação teria de vir de cortes.
Acordo para liberar emendas destravou negociação de despesas eleitoreiras
A discussão do Orçamento só voltou após o Congresso aprovar na semana passada, de forma acelerada, a resolução que mantém sigilo sobre emendas de comissão, ignorando acordo com o Executivo mediado pelo Judiciário.
Desde 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) pressiona o Legislativo para dar transparência ao Orçamento, mas uma série de manobras têm contornado decisões judiciais. Se provocada, a Corte pode, de novo, bloquear repasses.
O cientista político João Henrique Hummel, da consultoria Action, duvida dessa chance de nova judicialização do impasse em torno de emendas, pois “o Judiciário e o Executivo provaram ter muito a perder com essa briga”.
Hummel afirma que o Orçamento será aprovado “no último minuto”, para pressionar o governo ao máximo para pagar emendas. “Com a popularidade de Lula caindo, “será preciso muito em troca para as coisas acontecerem”, diz.
Nessa toada, o Senado aprovou quarta-feira (19) mudanças da Câmara ao projeto que prorroga o pagamento de recursos do Orçamento cancelados, incluindo emendas parlamentares, conta que pode chegar a R$ 4,6 bilhões.
Governo também se preocupa em evitar cortes na execução do Orçamento
Antes de aprovar o Orçamento de 2025, o Planalto já buscava reforçar o caixa com R$ 10 bilhões de fundos constitucionais e aumento de gastos com a Previdência previstos apenas para cobrir o reajuste do salário-mínimo.
O risco de bloqueios e cortes no Orçamento afeta obras e investimentos, que o governo vê como trunfo para 2026. A ideia é ampliar esses gastos em R$ 12 bilhões mediante correção inflacionária prevista no marco fiscal.
Para analistas, as medidas adotadas pelo governo para liberar despesas e manobrar receitas não resolvem o desafio estrutural das contas públicas. Um ajuste nos gastos é algo que segue descartado pela Administração Federal.
Na quarta-feira (11), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cobrou equilíbrio fiscal, defendeu a reforma administrativa e pediu mais apoio do próprio governo ao ministro Fernando Haddad (Fazenda).
A ministra Simone Tebet (Planejamento) chamou Haddad de “herói” e reconheceu que o arcabouço fiscal estará esgotado já em 2027. Ela sugeriu, contudo, que ajustes só deverão ser debatidos após as eleições de 2026.
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Para economista, programas populistas poderão ser anulados pela inflação alta
A ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, listou como prioridades do governo no Congresso nos próximos meses a isenção ampliada do IR e o programa de crédito consignado para trabalhadores da iniciativa privada.
Para o economista Vandyck Silveira, tal postura mostra “desespero de Lula com sua brutal queda de popularidade”, fruto do patamar inflacionário alto e do crescimento econômico induzido pelo avanço da dívida pública.
“O PT e a esquerda apostam em uma agenda obsoleta para ganhar apoio do eleitorado mediante distribuição de renda e toda sorte de populismo, com distribuição de renda improvisada, sem busca de resultados concretos”, diz.
Silveira prevê conta até três vezes maior que as estimativas para os novos programas e não vê potencial de eles melhorarem indicadores sociais. “Diante de uma economia instável, o Pé de Meia é só uma forma de conquistar eleitores de 16 e 17 anos”, aposta.
Da mesma forma, o também consultor financeiro vê um Vale-Gás populista e que pode sucumbir com a persistência da inflação alta, fator que pode tornar o insucesso de Lula nas urnas de 2026 ainda maior.





