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Embate entre poderes

Governo Lula quer adiar votações-chave por medo de retaliação no Congresso após crise do IOF

Hugo Motta IOF governo Lula
Presidente da Câmara, Hugo Motta, durante reunião de líderes (Foto: Douglas Gomes / Presidência da Câmara)

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Parlamentares da base de apoio do governo estão tentando adiar a tramitação de projetos importantes para a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso com medo de retaliação após a judicialização do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A reportagem apurou que a ideia é esperar passar a atual crise política e analisar só no segundo semestre projetos como a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil e a PEC da Segurança.

O governo sofreu sua pior derrota no Congresso no último dia 25, quando deputados e senadores derrubaram um decreto do Executivo que aumentava o IOF. A Advocacia-Geral da União recorreu ao Supremo Tribunal Federal na semana passada e tanto o decreto como sua derrubada foram suspensos pelo ministro Alexandre de Moraes até uma audiência de conciliação marcada para o próximo dia 15.

Nas redes sociais, diversos parlamentares envolvidos na derrubada do decreto do IOF começaram a sofrer ataques políticos, especialmente com vídeos gerados por inteligência artificial.

A decisão dos governistas de tentar proteger projetos importantes do governo tentando suspender temporariamente sua tramitação ocorreu depois que eles participaram na terça-feira (9) da primeira reunião de líderes partidários após a judicialização do IOF.

No encontro, governistas e integrantes da oposição travaram um embate sobre quais medidas serão tomadas na relação política do Congresso com o Palácio do Planalto a partir de agora.

A reunião de líderes, convocada pelo presidente da Câmara Hugo Motta (Republicanos - PB), foi a primeira oportunidade do governo tentar mensurar o tamanho da animosidade entre partidos de sua própria base de apoio após uma decisão importante do Legislativo contra o Executivo ter sido suspensa pelo Judiciário.

A oposição, por sua vez, quer aproveitar o desgaste de Lula para tentar retomar pautas como o projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023 e a indicação de um nome da direita para relatoria da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fraudes do INSS.

Líderes ouvidos pela reportagem disseram, por exemplo, que Motta se mostrou "irritado e incomodado" com os ataques que tem sofrido nas redes sociais ao longo dos últimos dias. O presidente da Câmara virou o alvo de diversos vídeos publicados nas redes sociais pela militância petista desde que o Congresso derrubou o decreto de Lula sobre o aumento do IOF. Os termos “Hugo Motta traidor” e “Congresso da mamata” ficaram entre os mais comentados no X na semana passada.

"O governo não patrocinou e não encaminhou qualquer gasto oficial sobre essas mentiras. Deixo claro que tanto eu quanto a ministra Gleisi Hoffmann somos contrários a qualquer estratégia de responsabilizar o Congresso [pela crise do IOF]", tentou minimizar o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

Para evitar derrotas prematuras, os governistas querem segurar seus principais projetos para esperar os ânimos baixarem durante o recesso parlamentar, que começa na próxima sexta-feira (17).

Há uma dúvida se o projeto de isenção do Imposto de Renda avançará ou não na comissão especial antes do recesso parlamentar. Mas líderes do Centrão dizem que tudo deve ficar para o mês de agosto.

O relator da proposta, Arthur Lira (PP-AL), já indicou aos seus pares que ainda não há consenso sobre as regras para compensar a isenção para quem ganha até R$ 5 mil. Mas ele não descarta a possibilidade de que o projeto seja aprovado na comissão especial ainda neste semestre e vá ao plenário em agosto. Sua ideia é atrelar a negociação ao debate sobre o IOF.

A isenção do IR deve gerar uma renúncia fiscal de receitas de R$ 27 bilhões para a União. O texto do governo estabelece como forma de compensação a taxação de dividendos dos mais ricos, que ganhem acima de R$ 600 mil por ano.  

No caso da PEC da Segurança, o relatório será apresentado nesta quarta-feira (9) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas o governo deve fazer um pedido de vista para ter mais tempo para análise. O texto, entregue ao Congresso em 23 de abril de 2025, teria o objetivo de padronizar e modernizar a atuação dos órgãos de segurança pública em todo o país. Mas é vista por críticos do governo como uma forma de Lula tentar influir na questão da segurança pública, diminuir o poder dos governadores na área e dizer na próxima campanha presidencial que trabalhou para reduzir a violência.

"Não vai dar tempo de votar neste primeiro semestre. A PEC da Segurança vai ter o parecer apresentado na CCJ e vamos pedir vista coletiva", disse José Guimarães, líder do governo.

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Oposição cobra reação após ataques contra Motta nas redes sociais

Entre os parlamentares da oposição houve uma cobrança para que Motta reagisse de forma contundente aos ataques supostamente promovidos pelo governo Lula. Por outro lado, os governistas negaram qualquer envolvimento nos vídeos feitos por inteligência artificial que faziam ataques diretos ao presidente da Câmara.

Apesar disso, o Planalto tem aproveitado para capitalizar o discurso nas redes de que o Congresso teria favorecido apenas os ricos em detrimento dos pobres ao derrubar o decreto sobre o IOF. Nas plataformas do governo, a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República divulgou uma campanha com um cabo de guerra entre "super-ricos e classes média e baixa".

Mas a narrativa é falsa porque o imposto que incide sobre todos os segmentos da sociedade.

"Queremos saber sobre essa multidão de gastos públicos em torno do ataque à democracia e à Câmara, inclusive na pessoa do presidente Hugo Motta. Fica aqui nosso desagravo. Queremos respostas e falaremos com o ministro mais importante do governo, Sidônio Palmeira (Secom), para explicar os possíveis gastos públicos nesse ataque contra a Câmara", disse Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição. 

A ministra das relações institucionais, Gleisi Hoffmann, tem atuado diretamente junto aos interlocutores de Motta para tentar restabelecer um diálogo com o presidente da Câmara. Apesar disso, ainda não há previsão de um encontro entre o deputado e o próprio Lula para a retomada do diálogo. 

No encontro de líderes desta terça, o secretário especial de Assuntos Parlamentares, André Ceciliano (PT), disse que foi visitar os parlamentares com “uma bandeira branca”. O assessor da pasta de Gleisi Hoffmann ficou reunido com os líderes por cerca de 15 minutos e, ao sair, disse que foi cumprimentar os líderes e “buscar a paz”.  

Já Hugo Motta, apesar da sinalização de incômodo com os ataques nas redes, não comentou nada, nem para a oposição, nem para os governistas sobre a escalada da crise com o Planalto. Ao deixar o encontro, o deputado disse apenas que estava disposto ao "diálogo" para tratar sobre o IOF.

Oposição tenta retomar debate da anistia e emplacar relator na CPMI do INSS 

Dentro da oposição, a estratégia é de tentar aproveitar o desgaste que o governo enfrenta com Motta e o Centrão neste momento para tentar destravar suas pautas. No caso da anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023, a bancada do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, defendeu que o tema já está maduro e que teria votos suficientes para ser aprovado, com apoio, inclusive, de parlamentares de siglas que fazem parte da base governista, como PSD, MDB e Republicanos.

A bancada da oposição espera ter nos próximos dias um encontro reservado com Motta para que o pedido de urgência entre na pauta da Câmara antes do recesso parlamentar a partir de 18 de julho. A expectativa é de que os deputados façam um esforço concentrado na próxima semana, mas ainda não há consenso sobre quais temas serão ou não pautados. A próxima reunião de líderes está prevista para quinta-feira (17). 

"A anistia é a nossa prioridade, vamos trabalhar para apresentar um texto ao presidente Hugo Motta e colocar ele em votação antes do recesso", disse Luciano Zucco.  

Em abril, o partido de Zucco protocolou um requerimento de urgência para o projeto de lei com mais de 250 assinaturas dos parlamentares. Apesar disso, Motta acabou articulando para que o pedido não fosse levado ao plenário naquela ocasião. A proposta inicial prevê uma anistia ampla a irrestrita aos condenados pelos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes e poderia beneficiar o ex-presidente Bolsonaro, réu no Supremo Tribunal Federal (STF) no caso da suposta tentativa de golpe de Estado.

Em maio, em uma nova tentativa de convencer o presidente da Câmara a dar andamento ao projeto da anistia, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), apresentou uma nova versão do texto. A nova proposta diz que ficam anistiados dos crimes contra o Estado Democrático de Direito “as pessoas físicas que tenham participado diretamente de manifestações ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, que resultaram depredação de patrimônio público e privado”. 

Nos bastidores, parlamentares do partido de Bolsonaro avaliam que esse momento de desgaste do governo Lula pode ser justamente uma "janela de oportunidade" para convencer o presidente da Câmara destravar o projeto da anistia. O Palácio do Planalto é um dos principais articuladores para que Motta não leve o tema para votação na Casa. 

Em outra frente, a oposição também quer aproveitar o momento para emplacar um nome da direita como relator da CPMI sobre as fraudes no INSS. O colegiado só vai entrar em funcionamento no mês de agosto, mas os partidos já negociam os nomes dos deputados e senadores que serão indicados. 

O governo teme justamente que uma maioria da oposição dentro da CPMI acabe ampliando o desgaste de Lula no escândalo sobre os descontos irregulares dos aposentados e pensionistas do INSS. O esquema, segundo investigações da Polícia Federal (PF), teria resultado em desvios de mais de R$ 6,3 bilhões ao longo dos últimos anos.

Neste cenário, a indicação sobre o deputado que será o relator entrou na mesa de disputa entre o governo e a oposição. O nome será escolhido por Motta e, até o momento, o presidente da Câmara não bateu o martelo sobre sua posição. Entre os cotados da oposição estão nomes como Caroline de Toni (PL-SC), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Coronel Fernanda (PL-MT). A presidência será de Omar Aziz (PSD-AM), um senador próximo ao Planalto.

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