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Dados do governo federal apontam que somente 45% dos indígenas brasileiros têm acesso a água potável.
Dados do governo federal apontam que somente 45% dos indígenas brasileiros têm acesso à água potável| Foto: Fernando Bizerra Jr./Agência EFE

A dificuldade de acesso à água potável em terras indígenas no Pará é mais um problema com o qual o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá que lidar. Além da crise indígena na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, que acomete indígenas por desnutrição, malária e outras doenças, a detecção de bactérias na água das aldeias do Pará, tem colocado mais essa necessidade dentre as pautas relacionadas às questões indígenas durante a gestão petista.

O tema ganhou destaque com uma decisão da Justiça Federal em Marabá (PA), que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), concedendo liminar para o fornecimento de água para uma aldeia localizada na Terra Indígena Mãe Maria, próxima ao município de Bom Jesus do Tocantins (PA). Na liminar, divulgada no dia 9 de janeiro, a Justiça determinou que a União forneça, em até 48 horas, água potável para a aldeia Tokurykti Jõkrikatêjê.

No caso que originou a liminar concedida para a aldeia na Terra Indígena Mãe Maria, o MPF apontou que, segundo análises técnicas, a água disponível é imprópria para o consumo, apresentando mau cheiro e ocasionando problemas de saúde entre os moradores do local. Além disso, apontou que a água disponível era insuficiente para atender toda a aldeia.

O problema, no entanto, não é uma exclusividade da aldeia mencionada, e ocorre em 31 da região - todas elas integrantes da Terra Indígena Mãe Maria.

A cacique Katia Silene Akrãtikatêjê, da aldeia Akrãtikatêjê, relata que o problema também afeta a sua aldeia e que já faz denúncias sobre a qualidade da água desde o ano de 2011. “A gente compra água mineral há muito tempo. Faço pedido para que furem poço artesiano aqui há anos. Há poucas semanas enviei documento para a Sesai [Secretaria de Saúde Indígena]”, afirmou a liderança.

A liminar, concedida em favor da aldeia da Terra Indígena Mãe Maria, ainda não teve efeitos, pois o MPF aguarda a intimação da União para que se cumpra a ordem judicial. Sendo assim, os indígenas seguem submetidos ao consumo de água que pode ocasionar infecções urinárias, diarreias e problemas intestinais.

Desde a campanha, Lula fez promessas relacionadas às causas indígenas. Para tentar atender às reivindicações, criou um ministério exclusivamente para tratar do tema, o Ministério dos Povos Indígenas. Além disso, nomeou uma série de indígenas para cargos no governo. É o caso da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e da presidente da Funai, Joenia Wapichana, além de outros nomes que estão no segundo escalão em diante. “Botaram indígenas no governo, mas mesmo assim não anda”, declarou a cacique Katia sobre as demandas que ainda não foram atendidas.

Lula também chegou a afirmar que demarcaria “o maior número de terras indígenas possível”, mas das 14 anunciadas para 2023, somente oito foram demarcadas.

Justiça determinou fornecimento de água e criação de sistema de abastecimento em aldeia indígena

Como foi mencionado, o MPF apontou que a água na aldeia Tokurykti Jõkrikatêjê, que faz parte da Terra Indígena Mãe Maria, está imprópria para consumo e que a água disponível era insuficiente para atender toda a aldeia.

De acordo com o MPF, o acesso à água na aldeia é feito por meio de um poço semiartesiano perfurado pelos próprios indígenas, com 12 metros de profundidade, e por um poço artesiano com 46 metros de profundidade, perfurado em parceria com a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). “Não há limpeza regular ou qualquer outro tipo de monitoramento por parte do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) nos poços. Com isso, a água consumida tem ocasionado problemas como dores de barriga na população que se intensificam no período de inverno”, afirmou o MPF em nota.

Uma visita técnica realizada na aldeia em novembro de 2023 atestou a má qualidade da água. “Em relatório produzido com amostras coletadas nos poços que atendem à comunidade, verificou-se que a água consumida pelos indígenas apresenta concentração bacteriana em níveis acima dos aceitos para potabilidade. Foi detectada a presença da bactéria E. coli em proporção 25/100, o que pode ocasionar infecções urinárias, diarreias e problemas intestinais”, apontou o MPF.

Na decisão da Justiça sobre o caso, a União ficou obrigada a fornecer a água no prazo de 48h para a aldeia. No entanto, até o dia 24 de janeiro a União não havia sido formalmente intimada sobre a decisão. Após a entrega da intimação, o fornecimento de água poderá ser feito por meio de caminhão-pipa ou com fornecimento de produtos e apoio técnico para tornar a água potável. Caso a União descumpra a decisão, haverá pena de multa diária.

A decisão determina ainda que a qualidade da água fornecida seja atestada por análise técnica. As medidas têm caráter emergencial e devem ser adotadas até que seja implementado o sistema de abastecimento de água na comunidade.

Acesso à água potável é problema em outras aldeias no Pará 

A cacique Kátia Silene Akrãtikatêjê, de uma das aldeias vizinhas a que originou a ação, afirmou que boa parte das aldeias da Terra Indígena Mãe Maria sofrem com o mesmo problema. “A nossa água está contaminada. O doutor [médico que atende a aldeia] disse que não devemos tomar essa água e a gente não toma. A gente compra água pra beber”, afirmou a liderança da aldeia Akrãtikatêjê, onde vivem cerca de 85 indígenas.

Katia destacou que a aldeia que conseguiu a liminar fica a 10 quilômetros da sua. “Nós temos problemas parecidos. Nosso igarapé [pequeno rio] está poluído por causa da mineração. Tem também as fazendas que colocam banheiro nas margens do igarapé e fica tudo poluído. Além disso, as nossas nascentes têm problemas por causa dos animais da mata”, explicou Katia.

Atualmente, a aldeia liderada por Katia tem um poço artesiano, que teria sido perfurado pelos próprios indígenas, com apoio de políticos locais. “Eu estou pedindo mais poço aqui desde 2011, muito antes da aldeia da Tuxati [cacique da aldeia que gerou a ação no MPF] existir, em 2019. Este ano mesmo já reforcei o pedido na Sesai e a promessa é de que vão construiu esse ano”, disse a indígena.

Outras terras indígenas, como a do povo Parakanã, que vive em São Félix do Xingu, também no Pará, tem enfrentado os mesmos problemas no acesso à água potável. Um dos casos foi externado em diligência promovida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não Governamentais (ONGs) em novembro de 2023. Na oportunidade, o cacique Karê Parakanã, da comunidade Parakanã, entregou uma garrafa de água barrenta ao presidente da CPI, senador Plínio Valério (PSDB-AM), como prova de que os indígenas não têm água potável e vivem "abandonados". "Nós precisamos de estrutura dentro da nossa comunidade, precisamos de água potável, escola para as nossas crianças, saúde para todos nós. Estou aqui para falar da nossa realidade", disse o indígena durante uma audiência pública.

A Gazeta do Povo buscou contato com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) que informou que a pasta “acompanha as questões relacionadas ao saneamento em terras indígenas”. No entanto, o fornecimento de água potável é uma atribuição da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde.  Procurado, o Ministério da Saúde não retornou até o fechamento desta matéria.

Preocupação com o abastecimento de água em terras indígenas não é recente 

Em novembro de 2022, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), assinou uma portaria que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Água Potável em Terras Indígenas (PNATI), no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. O programa foi lançado com o objetivo de universalizar o acesso à água potável em comunidades indígenas de modo a fornecer água em quantidade e qualidade adequadas e contribuir para a melhoria da saúde da população indígena. Até então, não havia nenhum programa semelhante, que tratasse da garantia de fornecimento de água potável para as terras indígenas.

A meta, de acordo com o governo passado, era alcançar 78% da população indígena brasileira em quatro anos. De acordo com informações divulgadas pelo Ministério da Saúde no lançamento do PNATI, em 2022, a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) atendia cerca de 762 mil indígenas. Desse total, em torno de 45% recebem água potável proveniente de infraestrutura com tratamento de água adequado.

A título de comparação, dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2022 mostram que, em média, 84,9% da população brasileira, em geral, têm acesso à água potável no Brasil.

A Gazeta do Povo tentou contato com o Ministério da Saúde para saber se o PNATI tem sido observado e de que forma as ações propostas são colocadas em prática, no entanto, não houve retorno da pasta até o fechamento da matéria.

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