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O ministro da Economia, Paulo Guedes
O ministro da Economia, Paulo Guedes| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME

Os brasileiros vão precisar de muita cooperação e fraternidade para que o país supere a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus, acredita o ministro da Economia, Paulo Guedes. A avaliação foi feita na quarta-feira (17), durante a participação de Guedes no Acton University, evento realizado pelo instituto norte-americano Acton. A entrevista foi conduzida pelo deputado federal Marcel van Hattem (NOVO-RS), que também participou como palestrante do evento. Apesar de ambos estarem no Brasil, a entrevista foi realizada toda em inglês e transmitida pela internet para os inscritos no evento.

Guedes avalia a crise vindo em duas grandes ondas: a primeira impactando na saúde, e a segunda na economia. Para ele, é importante que o governo volte a tratar das reformas estruturais para que os danos sejam os menores possíveis. “Quando eu vejo essa grande onda que precisamos combater, essa doença terrível, nós vamos passar por isso por meio da cooperação, da fraternidade, de preservação das vidas humanas. E então virá a segunda onda, os restos dessa primeira onda, que pode paralisar a economia e provocar uma depressão se nós não a combatermos adequadamente”, afirmou.

“Nós paramos nosso programa de reformas estruturais, mas já estamos investindo mais que o dobro dos países emergentes em ajuda aos mais vulneráveis, os mais pobres. Estamos investindo 10% a mais do que a média dos países mais avançados nesses programas emergenciais. Terminando esses programas emergenciais, voltaremos ao programa de reformas. E nos próximos 60, 90 dias, vamos acelerar essas reformas com a ajuda do congresso em uma direção liberal. E assim vamos passar pela segunda onda”.

Democracia brasileira faz barulho, aponta Guedes

O ministro ainda falou da imagem do Brasil no exterior, como a de um país que, em plena pandemia, enfrenta conflitos internos. Para ele, essa imagem não está correta.

“Nós não sabemos, por exemplo, quantas pessoas estão contaminadas com o coronavírus na Coreia do Norte. Não sabemos exatamente nem o que está acontecendo na China. Não sabemos como está a situação na Venezuela, quantos estão contaminados, quantos morreram. Mas se ouve muito barulho a respeito do Brasil, sobre os poderes brigando uns contra os outros. Só que isso tudo está acontecendo sob as regras da democracia. Há muito ruído, muito barulho. E nós preferimos esse ruído da democracia, que é o que está sendo ouvido em todo o país, do que o silêncio de uma ditadura”, finalizou.

Guedes ainda se disse otimista com o atual governo, e afirmou que o país está no caminho de ter uma sociedade aberta. Diferente das últimas três décadas, quando os governos eram, na avaliação do ministro, de espectro totalmente de esquerda, Brasília agora comporta uma coalizão de liberais e conservadores no comando.

Defesa da fraternidade como valor liberal

Além de questões referentes ao enfrentamento da pandemia da Covid-19, Guedes também falou sobre ativos que deveriam ser mais valorizados pelos liberais, e destacou a fraternidade – que também aponta como essencial para sair dessa crise. Para Guedes, a bandeira da fraternidade foi “roubada” pelo socialismo, mas, pelo menos no Brasil, as coisas estão “voltando aos trilhos.”

“Eles mataram Deus e roubaram a bandeira da fraternidade. A fraternidade sempre esteve conosco, é tão ou mais antiga que o mercado. Nós ainda caminhávamos sobre as savanas africanas e já tínhamos a cooperação humana, a fraternidade. E só então descobrimos o mercado como ferramenta de liberdade, de conquistas humanas. Descobrimos o mercado depois da fraternidade. E nós, liberais, nos esquecemos disso. E os bárbaros mataram as religiões, roubaram para si essa bandeira da fraternidade e controlaram o espectro político por 100 anos”, avaliou.

Esse fato, em parte, foi creditado por Guedes à presença em massa do pensamento socialista em diversos setores da sociedade brasileira, principalmente nas universidades. Ele disse que hoje os liberais têm um espaço, ainda que pequeno, coisa que não havia quando ele era estudante. “Essa coisa toda das universidades tomadas pelo pensamento socialista não é uma coisa nova. A notícia boa é que agora nós liberais temos espaços de 10%, 15% até 20%. O espaço antes era zero. Não se sintam ameaçados ou amedrontados ou desencorajados. Quando eu tinha meus 30 anos esse espaço era zero, nada”, comentou Guedes.

Perestroika à brasileira

Para o ministro, o Brasil segue hoje um caminho parecido com o da extinta União Soviética no fim do século passado. Ambos os países, avaliou Guedes, fizeram o processo de abertura política – a Glasnost do ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev – mas faltou a abertura econômica, a Perestroika. Para ele, apesar de o Brasil já estar há décadas vivendo sob um regime democrático, ainda é preciso completar a transição do modelo antigo.

“Quando os militares assumiram o poder, eles construíram muito da nossa infraestrutura. São muitas estatais, Telebrás, Eletrobrás, Nuclebrás, todas estatais que nos proveram de infraestrutura. E enquanto você está construindo barragens, estradas, plantas de energia, dá para sustentar 3%, 5%, 5,5% em taxas decrescimento. Mas com a democracia aconteceu no Brasil o mesmo que na União soviética. Nós enfrentamos uma hiperinflação, moratória das dívidas. Nosso trabalho é completar esse trabalho, completar essa transição do sistema democrático. Na essência, é descentralizar os recursos financeiros, o poder econômico, o poder político, e promover uma abertura da economia e da competição”, pontuou o ministro.

Modelo britânico x modelo francês

Questionado sobre qual o maior obstáculo para o crescimento do Brasil, o ministro Paulo Guedes buscou referências no iluminismo. Guedes destacou que os ideais do movimento em sua origem se dividiram em duas grandes vertentes.

Uma delas, adotada pela Inglaterra, prioriza a liberdade. A outra, arraigada em solo francês, dá conta da importância primordial da igualdade – e que teria sido a base do pensamento socialista. A primeira foi adotada pelos colonizadores britânicos nos Estados Unidos, e na visão do ministro explica a prosperidade do modelo norte-americano. Já a segunda foi a predominante no pensamento dos colonizadores do Brasil.

“Os Estados Unidos herdaram aspectos do constitucionalismo, dos mercados, de toda a democracia britânica. Eles foram colonizados pelos britânicos, os pais fundadores eram de uma geração magnífica, muito bem estruturados em história, em legislação, em uma constituição, nos direitos e liberdades das pessoas. Enquanto isso nós brasileiros, e os sul-americanos em geral, herdamos a outra variação do Iluminismo, a continental, aquela que inspirou a Revolução Francesa e, mais tarde o socialismo e a Revolução Russa. Estas pessoas deram uma ênfase pretensamente maior na igualdade, na fraternidade, que deveriam ser estes os alvos. Nós tivemos experimentos socialistas ao redor do mundo, na Rússia, na China, e são verdadeiros desastres humanos de enormes proporções”, disse.

Segundo Guedes, o pensador francês Alexis de Tocqueville já havia identificado, à época da Revolução Francesa, uma guinada que levou os nobres ideais revolucionários a caminhos tortuosos. “Durante o antigo regime, ele identificou o estado do dirigismo, com centralização de poder, poder econômico e político, centralização de recursos. Foi isso que tirou da rota os nobres ideais que guiaram o povo francês e os transformou em batalhas sangrentas, em guerras. Era muita centralização, muito dirigismo, muita força, no lugar de uma visão mais evolutiva. Eu diria que o problema com essa tradição foi a visão revolucionária em vez de uma visão de evolução. Liberais não gostam de revolução, mas sim de evolução, evolução institucional, poderes independentes”, avaliou.

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