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Um grupo de indígenas da etnia Guarani bloqueou a rodovia dos Bandeirantes, na zona norte de São Paulo, no final da madrugada desta terça-feira (30), em protesto contra a votação do marco temporal na Câmara dos Deputados, prevista para a tarde. O congestionamento na rodovia chegou a 6 quilômetros de extensão por volta das 8h30, e a manifestação foi dispersada pouco depois pela tropa de choque da Polícia Militar. Atos de indígenas contra o projeto também ocorrem em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, nesta terça.
Em São Paulo, os indígenas, que moram em comunidades da região e da Baixada Santista, fizeram uma barricada de pneus queimados e empunharam faixas contra o projeto, que estabelece o ano de 1988 como marco temporal para a demarcação de terras dos povos.
O projeto do marco temporal determina que serão demarcadas as terras indígenas comprovadamente ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988 – ano de promulgação da Constituição. A votação da proposta nesta terça (30) foi marcada após os deputados aprovarem o requerimento de urgência na semana passada.
A bancada do agro acredita que o projeto dará segurança jurídica aos agricultores e promoverá a paz no campo, estabelecendo critérios mais claros para a demarcação de terras indígenas.
O texto apresentado pelo relator do PL 490, deputado Arthur Maia (União-BA), reforça a aplicação das 19 condicionantes que foram apresentadas pelo STF em 2009 durante o julgamento sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol (PET 3388/RR), confrontando a ideia de que o marco temporal resultaria em prejuízo ou retirada de direitos conquistados pelos povos indígenas.
Na percepção da bancada do agro, o STF, naquela ocasião, declarou o balizamento do procedimento de demarcação de terra indígena considerando o marco temporal de 05/10/1988 e as 19 condicionantes.
Dentre essas condicionantes estão pontos como a proibição da ampliação das áreas já demarcadas e a possibilidade de a União decidir sobre o uso das riquezas sempre que houver interesse público. Consta ainda que a União pode instalar entradas, redes de comunicação e serviços para saúde e educação nas áreas demarcadas.
Além disso, há a previsão de que as terras indígenas não possam ser arrendadas e a proibição da realização de negócios que restrinjam os direitos indígenas. Todos estes pontos foram considerados no substitutivo apresentado pelo relator do PL do marco temporal, deputado Arthur Maia.
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Entidades criticam projeto
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se pronunciou contrária a aprovação do projeto, e afirmou, em uma nota nesta segunda (29), que a proposta “representa ameaça ao direito das populações originárias ao seu território” (veja na íntegra).
“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca a nota.
A PGR analisa, ainda, um dos artigos do projeto de lei que pode permitir o contato forçado com populações em isolamento voluntário para a realização de “ação estatal de utilidade pública”. Segundo a Procuradoria, essa medida também se mostra inconstitucional, uma vez que a Constituição “reconhece expressamente o dever de respeitar a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos indígenas”.
Além da PGR, a Defensoria Pública da União (DPU) também defendeu a rejeição integral do projeto alegando que a aprovação do marco temporal “representaria grave violação de direitos humanos, contraria os deveres do Estado brasileiro explícitos na Convenção da ONU” e outros dispositivos internacionais.
“Seria um contrassenso admitir que o mesmo texto constitucional tivesse estabelecido qualquer marco temporal para o reconhecimento das terras indígenas”, destacam os defensores na nota.







