• Carregando...
Ives Gandra
O jurista Ives Gandra da Silva Martins.| Foto: divulgação/Advocacia Gandra Martins

O advogado Ives Gandra, conhecido por teses críticas à condução dos trabalhos no Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a Corte vem agindo com uma “invasão de competência” sobre o Poder Legislativo, algo que vai de encontro ao que diz a Constituição de 1988 que estabelece a plena e independente separação dos Poderes.

A tese do jurista é a mesma alegada pelos congressistas brasileiros, com quem os ministros do STF entraram em rota de colisão a partir do momento em que passaram a julgar temas considerados sensíveis para a sociedade, como o aborto, o marco temporal para a demarcação das terras indígenas, a descriminalização do porte de maconha, entre outros.

Esta suposta invasão de competências foi respondida pelo Congresso com a proposição de limites aos ministros da Corte, como as restrições às decisões monocráticas – já aprovadas pelo Senado e aguardando análise da Câmara dos Deputados –, a imposição de um tempo específico de mandato e o aumento da idade mínima para indicação. Estas propostas levaram a uma dura reação dos magistrados, o que o ministro Luís Roberto Barroso (atual presidente) e o futuro magistrado Flávio Dino dizem querer colocar panos quentes.

Mas, para Ives Gandra, o STF tem agido com plena “invasão de competência” dos ministros sobre o Poder Legislativo. De acordo com ele, a raiz da discordância reside na interpretação da Constituição brasileira, especialmente no que diz respeito às competências dos Poderes.

Ele enfatizou que o texto constitucional, elaborado durante a Constituinte, delineou claramente as funções de cada Poder, visando evitar invasões de competência. Ao Supremo, diz, caberia apenas apontar a omissão e encaminhar para o Congresso legislar, e não fazer isso por conta própria.

“Quando o Supremo esquece o que eles disseram [constituintes] e passa a interpretar um princípio de acordo com a interpretação de 11 cidadãos eleitos por um homem só e não por 140 milhões de brasileiros [na época da Congresso Constituinte], nós estamos tendo uma intervenção no Poder Legislativo da parte do Poder Judiciário”, disse em entrevista ao Poder 360 publicada nesta terça (26).

Segundo o jurista, a realidade política brasileira é bem diferente a de países como Portugal, Itália e Alemanha, onde tribunais constitucionais têm funções mais próximas às legislativas. No entanto, ele ressaltou que o sistema brasileiro é presidencialista, com uma nítida separação de Poderes, o que, em sua visão, reforça a importância do Legislativo.

Embora se tenha a impressão de que o Judiciário brasileiro começou a atuar além do seu papel constitucional mais recentemente, Ives Gandra vê que começou muito antes, ainda durante o início do primeiro governo Lula, em 2003, com as aposentadorias simultâneas de três ministros do STF. Ele argumentou que, desde então, houve uma tendência crescente de interferência do Judiciário em questões legislativas.

“Normalmente, quando entrava o ministro, em seis meses ele passava a raciocinar como a Corte raciocinava. Ele se adaptava àquele estilo próprio do Supremo Tribunal Federal. Mas aquilo [aposentadorias próximas] descompassou. A adaptação não se fez como se faria no passado”, disse citando as aposentadorias dos ministros Moreira Alves, Ilmar Galvão e Sydney Sanches.

Para ele, o “protagonismo” do STF se acentuou especialmente entre 2022 e 2023, “no fim do governo Bolsonaro e neste governo do presidente Lula” de que o Supremo passou a “decidir o que é a democracia, quem pode ser preso, por opiniões políticas”.

Constituição é específica, diz jurista

Quanto à alegação do ministro Luís Roberto Barroso de que a Constituição brasileira é ampla e requer interpretações mais abrangentes, Gandra rebateu, afirmando que a amplitude da Constituição a torna mais específica. Ele expressou discordância em relação à interpretação de princípios constitucionais de maneira genérica, destacando que isso poderia levar a interpretações diversas e conflitantes.

“No caso do aborto existe o artigo 124 do Código Penal. Tem que ser mudado pelo Congresso. Quando o Supremo diz ‘eu vou discutir o aborto fazer uma nova lei’, é ele que está legislando, não é o Legislativo. Se for fazer para princípio, eles podem fazer tudo, não precisamos mais do Poder Legislativo. Eles pegam o princípio e fazem a lei que quiserem”, disparou.

Neste caso específico do aborto, que começou a ser julgado pela então presidente do STF, ministra Rosa Weber, o atual presidente já adiantou que não deve pautar no curto prazo, por ser um tema sensível que, diz, a sociedade não está madura o suficiente para discuti-lo.

Sobre a proposta em discussão no Congresso que limita decisões monocráticas do STF, Gandra expressou apoio, enfatizando a importância de decisões colegiadas para a segurança dos cidadãos. Ele ressaltou que a Constituição estabelece o STF como um colegiado, e decisões monocráticas que perduram no tempo vão contra esse princípio.

“Exigir o colegiado é uma segurança para o cidadão. Não fica na dependência da interpretação de um homem só. É isso que está na Constituição, no artigo 102. Então [é necessário] eliminar a possibilidade de decisões monocráticas que prevalecem durante muito tempo, como se o Supremo tivesse decidido”, completou.

Por fim, Ives Gandra compartilhou o sonho de ver o STF recuperar seu papel original como guardião da Constituição, sem se tornar um Poder Legislativo complementar ou corretivo do Executivo. Com respeito aos ministros atuais, ele expressou a esperança de que o Supremo possa retornar ao prestígio que desfrutou no passado, sob a liderança de figuras como José Carlos Moreira Alves.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]