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Presidente Jair Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Isac Nobrega/Presidência da República

A medida provisória 928, assinada na noite de segunda-feira (23) pelo presidente Jair Bolsonaro, revogou a possibilidade (aberta pela MP 927, da véspera) de suspensão do contrato de trabalho por quatro meses, sem pagamento de salário. Mas trouxe junto uma surpresa: suspendeu parte da Lei de Acesso à Informação (LAI).

A MP prevê que “ficarão suspensos os prazos de resposta a pedidos de acesso à informação nos órgãos ou nas entidades da administração pública cujos servidores estejam sujeitos a regime de quarentena, teletrabalho ou equivalentes”. A medida, por outro lado, prioriza os pedidos de acesso à informação relacionados a medidas de enfrentamento da pandemia do coronavírus.

A MP assinada por Bolsonaro também determina que não serão reconhecidos recursos contra negativas de resposta a pedidos de informação negados por não terem relação com o enfrentamento à Covid-19. Quando acabar a vigência do estado de calamidade pública, em 31 de dezembro, quem tiver feito pedidos de acesso à informação que não tenham relação com o enfrentamento ao coronavírus deverá reiterar o pedido no prazo de dez dias para ser atendido.

A LAI determina que todo órgão público é obrigado a responder, em até 20 dias, prorrogáveis por mais dez, pedido feito por qualquer cidadão que envolva dados, informações e documentos públicos.

Caso o cidadão tenha o pedido negado, a LAI traz a possibilidade de recurso em até duas instâncias dentro do órgão responsável pela informação. O cidadão também pode entrar com recurso na Controladoria-Geral da União (CGU) e na Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI). A MP de Bolsonaro suspende a possibilidade de recurso durante a vigência do estado de calamidade pública.

Para a advogada especialista em Direito Constitucional Natália Brotto, a utilização de uma MP para limitar o acesso à informação é discutível do ponto de vista formal. “A utilização de medidas provisórias no Brasil por si só, a maneira que se utiliza, constitucionalmente falando, é discutível. A questão do acesso à informação é uma questão constitucional, então é mais discutível ainda a gente poder colocar uma limitação nesse acesso via medida provisória”, explica.

Para Fabiano Angélico, fundador da Transparência Hacker, a medida do governo federal é equivocada. “Acho essa decisão absurda. Ela é inconstitucional, ilegal, desnecessária, completamente equivocada. Vai na direção contrária daquilo que a gente precisa nos tempos atuais. A gente precisa construir uma cultura de confiança mútua, de entendimento, as pessoas precisam confiar no poder público e esse tipo de medida vai na contramão, levanta desconfiança, levanta dúvidas”, afirmou.

Para Brotto, é natural que haja flexibilização no prazo para respostas à LAI no período em que os servidores trabalhem de casa, mas não é razoável suspender a lei de maneira ampla, como foi feito pelo presidente.

“Diante do contexto que a gente está, inclusive de dificuldade de alguns órgãos públicos de acesso presencial de agentes públicos e obtenção mesmo dessas informações, me parece que a gente tem que ter um pouco mais de razoabilidade com eventuais atrasos devidamente justificados. Mas suspender de maneira ampla, geral, como foi feito pela MP me parece algo até um pouco oportunista”, avalia.

Angélico afirma que a LAI já prevê situações em que pedidos de acesso à informação podem deixar de ser respondidos. “É uma justificativa que não pára em pé. A LAI e o decreto 7.724, que a regulamentou no âmbito do Executivo Federal, já preveem algumas situações em que o Estado fica desobrigado de responder pedidos de informação quando há alguma circunstância extraordinária. Então é completamente desarrazoado, desnecessário e preocupante porque esse governo já deu mostras reiteradas vezes de que não suporta críticas e não convive bem com a cultura democrática, com a pluralidade de opiniões”, disse.

Em entrevista à agência Estadão Conteúdo, o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, afirmou considerar "um absurdo" a decisão de limitar a LAI. "Se ele [o governo] estivesse preocupado em adaptar a necessidade da transparência à emergência, ele colocaria alguma restrição de acesso e algumas obrigatoriedades de transparência. O que ele faz é o contrário das boas práticas que estão sendo feitas no restante do mundo: que é fechar informações, dificultar acesso à informação, mais ainda, porque a transparência já está baixa", disse.

Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública disse que "a medida [de limitar o acesso a informações] não se justifica na prática, uma vez que a grande parte desses dados pode ser acessada pelos servidores por meios eletrônicos largamente estabelecidos e em funcionamento na administração pública".

"É no mínimo contraditório que a edição dessa MP ocorra em meio a uma crise de saúde global, em que governos preparam-se para fazer uso ilimitado de um grande volume de recursos públicos", afirma o Fórum. "No caso da Segurança Pública, a transparência de dados faz-se ainda mais urgente, uma vez que só a divulgação dos dados nos permitirá compreender questões decorrentes da crise de saúde, que envolvem a ação das forças de segurança, os gastos com operações e até o aumento da violência contra mulheres, que já vem sendo noticiado em alguns países como China e EUA", prossegue a nota.

Para o líder da minoria na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), Bolsonaro busca sonegar informação com a medida provisória. “O que ele quer é impedir o acesso à informação. É um direito constitucional de qualquer cidadão brasileiro, seja ele político, empresário, funcionário, qualquer cidadão brasileiro tem o direito de receber todas as informações da administração pública. Por isso a LAI é ancorada no princípio da transparência pública. Portanto essa medida provisória é mais um absurdo que vamos ter que derrotar e devolver ao presidente da República”, disse.

Governo já tentou alterar Lei de Acesso à Informação

Essa não é a primeira vez que o governo federal tenta limitar os efeitos da Lei de Acesso à Informação. Em janeiro do ano passado, o governo ampliou o número de autoridades que podem tornar informações protegidas pelo período de até 25 anos.

O decreto foi assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), que estava no exercício da presidência. Depois da polêmica, o presidente Jair Bolsonaro revogou a medida.

Revogação da suspensão de contratos de trabalho

A MP que suspende a Lei de Acesso à Informação foi assinada na noite de segunda-feira (23) depois da polêmica envolvendo a autorização do governo federal para que empregadores suspendessem contratos de trabalho por até quatro meses, sem a necessidade de pagamento de salários aos funcionários nesse período.

A MP também trazia uma série de medidas para regulamentar o home office no período de quarentena causada pelo coronavírus, antecipação de férias, concessão de férias coletivas, pagamento de FGTS e adiantamento de abono salarial.

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