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Aprovação da PEC da Transição em favor do governo Lula teve participação decisiva do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Aprovação da PEC da Transição em favor do governo Lula teve participação decisiva do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).| Foto: Joédson Alves/EFE

Um grupo de parlamentares liderados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), está fazendo articulações políticas para controlar uma verba de R$ 9,4 bilhões do orçamento público do Brasil, que está destinada a gastos do Poder Executivo. Se concretizada, essa manobra deve esvaziar ainda mais o poder de barganha que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta exercer sobre deputados e senadores para aprovar projetos de interesse do governo.

Os recursos em questão fazem parte de uma verba de R$ 19,4 bilhões que estava reservada para o chamado orçamento secreto a ser executado neste ano. Este mecanismo, que servia originalmente para fazer pequenos ajustes na lei orçamentária, acabou sendo extinto no fim de 2022 por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte o considerou inconstitucional por contrariar os princípios da transparência e da equidade entre os parlamentares.

O orçamento secreto serviu nos últimos anos para beneficiar aliados dos presidentes da Câmara e do Senado com recursos endereçados aos redutos eleitorais deles. Com a extinção pelo STF, o Congresso firmou um acordo com o governo eleito para redistribuir seus R$ 19,4 bilhões em outras rubricas do Orçamento deste ano. A primeira medida foi turbinar as emendas individuais de todos os parlamentares e destinar uma parcela significativa para uma única comissão temática do Senado.

Dos R$ 19,4 bilhões do então orçamento secreto, R$ 6,5 bilhões foram parar na Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR) do Senado. Do restante, R$ 3,5 bilhões serviram para engordar as emendas individuais e R$ 9,4 bilhões ficaram à disposição do Executivo para gastos discricionários - ou seja, livres para o governo gastar como quiser, sem interferência dos parlamentares. É sobre este último valor que Lira e seus aliados buscam dar novo destino, pressionando o governo a ceder mais.

Segundo técnicos de Orçamento no Senado, o poder de convencimento do Planalto já havia perdido espaço. Isso porque a maior parte dos R$ 46 bilhões em verbas dos congressistas sob a forma de emendas individuais ao Orçamento já é impositiva. Ou seja, ela precisa ser obrigatoriamente paga pelo governo.

Para reforçar esse esvaziamento de poder do Executivo sobre os recursos orçamentários, Arthur Lira tem ampliado sua influência na Câmara, onde tramitam os principais projetos de interesse de Lula. Não por acaso, ele tem criado dificuldades para tramitações e feito alertas sobre os riscos para a governabilidade.

Na prática, esse avanço dos parlamentares sobre a verba que seria do Executivo federal, logo nos primeiros meses de gestão, já resultou em uma importante perda de "munição" do governo Lula para barganhar com o Congresso e para garantir base mínima de apoio nas duas Casas. Por outro lado, cresce a dependência do Planalto de entendimentos com Lira. Ele é responsável pelo trânsito de projetos como Medidas Provisórias, a Reforma Tributária e o texto com a definição de um novo arcabouço fiscal.

Lira quer bloco com poderes ampliados no Legislativo

Lira é o principal articulador da negociação entre o PP (47 deputados) e o União Brasil (59) para a formação de uma federação, interrompida por conta de conflitos regionais. Se houver a aliança dos partidos, o presidente da Câmara estará à frente da maior forca política na Casa, com 106 deputados, superando PL (99) e a federação governista de esquerda PT-PC do B-PV (81). O blocão consolida um poder poucas vezes visto no Legislativo.

Segundo assessores de orçamento do Senado ouvidos pela Gazeta do Povo, uma prova desse avanço do grupo de Lira sobre os R$ 9,4 bilhões à disposição do governo se refere a um dos destinos que o presidente da Câmara já definiu para parte dos recursos do Executivo. Lira quer alocar R$ 2 bilhões para garantir ao menos R$ 10 milhões em emendas a cada um dos 202 deputados de primeiro mandato eleitos em 2022 e que não ajudaram na lei orçamentária deste ano.

Essa parcela menor do orçamento secreto que retornou à alçada do governo poderia também ser usada para atender às demandas dos parlamentares, incluindo as promessas feitas por Arthur Lira para garantir votos da chamada PEC da Transição (PEC 32/2022).

A PEC da Transição foi a responsável pelo estouro de R$ 145 bilhões no Orçamento de 2023. Ela objetiva financiar programas sociais como o Bolsa Família, Auxílio Gás, Farmácia Popular e outras políticas públicas. Também foi estabelecido um mecanismo de gatilho para permitir investimentos adicionais pelo governo, mas somente se a arrecadação fiscal superar as previsões.

Um dos efeitos da redistribuição do orçamento secreto foi o aumento no valor das emendas parlamentares do percentual de 1,2% da receita corrente líquida da União para 2%, um recorde. A Câmara ficou com 77,5% do valor global das emendas individuais e o Senado, com 22,5%. Assim, a verba garante R$ 60 milhões por senador e R$ 34 milhões por deputado.

Técnicos do Senado explicam que, na prática, a disputa pelas verbas do orçamento secreto entre parlamentares e o Executivo começou no governo Lula. Isso porque o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) confiava todo o processo ao Congresso. A gestão petista ainda precisa honrar convênios já firmados entre ministérios com estados e municípios nos anos anteriores e só consegue abrir espaços de barganha impondo morosidades burocráticas.

Comissão do Senado turbinada com verbas do Orçamento está sob a batuta do relator-geral

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) foi o relator do Orçamento de 2023 e fazia as indicações do chamado orçamento secreto. Mesmo com a mudança de legislatura e de governo, ele continuou comandando uma grande parte dessas verbas.

Isso porque Castro assumiu, no último dia 8, a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) do Senado, colegiado responsável pelo destino de R$ 6,5 bilhões em emendas. No ano passado, essa mesma comissão operava com uma quantidade de recursos relativamente mais baixa: R$ 90 milhões. Em 2021, sequer houve verba para emendas do tipo. Mais um contraste é que as outras comissões de Câmara e Senado ficaram com R$ 1,1 bilhão em emendas do tipo.

Para fechar totalmente a porta da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo aos oposicionistas, foi também eleito para a vice-presidência da comissão Cid Gomes (PDT-CE), representante de uma legenda que tem só três cadeiras na Casa. O senador cearense acumula a vice da Comissão de Educação.

Castro não detalha qualquer uma das destinações das verbas bilionárias sob a responsabilidade da comissão temática que preside e resume seus planos ao cumprimento da missão da própria CDR: reduzir desigualdades sociais e regionais. “Sem correções de rota e projetos de futuro, essas desigualdades tendem a se aprofundar”, disse. Ele prometeu aprofundar debates em audiências públicas sobre agendas como investimentos em serviços de saneamento básico e da estrutura viária.

A expectativa do Planalto é de que a boa relação de Castro com os petistas, tendo sido ministro da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ajude na negociação para viabilizar obras consideradas estratégicas pelo Executivo e que ajudem na construção da insuficiente base governista, dentro do alerta feito por Arthur Lira feito à gestão petista na semana passada.

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