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Blindados Guarani – Ucrânia
Ucrânia solicita compra de blindados ao Brasil| Foto: Divulgação

A decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de impedir a venda de blindados ambulância Guarani para a Ucrânia, em um negócio que geraria R$ 3,5 bilhões, impediu o desenvolvimento de novos projetos no Exército e pode comprometer o futuro da Base Industrial de Defesa do Brasil, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Lula abriu mão disso com medo de desagradar o líder autocrático da Rússia, Vladimir Putin.

O governo brasileiro havia recebido uma proposta da Ucrânia para produzir e vender 450 blindados leves Guarani, convertidos em ambulâncias sem armamentos. Eles seriam pintados nas cores dos serviços de emergência e resgate ucranianos e usados para retirar civis e feridos das zonas de combate.

A venda teria um impacto muito positivo para a indústria brasileira de aço, para o Exército e para a empresa multinacional Iveco, que produz o carro de combate em Minas Gerais. Isso porque, desde que a produção começou em 2006, a demanda limitada pelo produto permitiu que pouco mais de 600 Guaranis fossem entregues para as Forças Armadas até o momento. A fábrica, que trabalha com cerca de metade de sua capacidade produtiva, poderia gerar mais empregos e riquezas.

A Iveco não pode fechar o negócio à revelia de Lula porque o projeto do blindado também pertence ao Exército. A decisão de vetar o negócio que poderia aquecer o setor no Brasil pode agora gerar um efeito contrário: desestimular outras empresas a investirem no segmento bélico brasileiro, enfraquecendo tanto esse setor da economia como a capacidade de defesa do Brasil contra pressões externas.

Exército receberia R$ 180 milhões só em royalties

A recusa da venda dos blindados leves para a Ucrânia, com base na decisão do Ministério das Relações Exteriores, é também mais um lance na disputa entre Itamaraty e Forças Armadas. Com os royalties que receberia pelo negócio, entre 2% e 5% do valor da venda, cerca de R$ 180 milhões, o Exército planejava investimentos em novas versões, mais modernas, do blindado.

O veto do Departamento de Assuntos Estratégicos, de Defesa e de Desarmamento do ministério das Relações Exteriores foi revelado à Iveco Defense Vehicles (IDV), que se restringiu a dizer que a proibição era “uma questão entre os países”.

Para o professor da Universidade Federal Fluminense, capitão-de-mar-e-guerra reformado da Marinha, Eduardo Brick, o Brasil é hoje altamente vulnerável porque não tem uma Base Industrial de Defesa sólida. Ou seja, depende da boa vontade de outros países comprar equipamentos militares ao invés de desenvolver sua própria indústria bélica.

Se Lula tivesse autorizado o negócio, indústrias brasileiras teriam se beneficiado de parte da verba bilionária que os Estados Unidos estão injetando na indústria armamentista privada para garantir a sobrevivência da Ucrânia. Até agora, os investimentos americanos na área chegam ao equivalente a R$ 240 bilhões mundialmente.

De acordo com ele, as indústrias de defesa como a Iveco dependem das compras do governo para sobreviver. "Nesse mercado só tem um cliente que é governo. Produtos complexos como tanques, submarinos, carros de combate, esses são produtos que só governos compram e preferencialmente de empresas de seu próprio país", disse Brick.

Assim, o governo Lula não compra blindados suficientes para as Forças Armadas brasileiras, mas também impede que outros países comprem.

De acordo com Brick, para fins de defesa nacional não adianta o Brasil ter militares bem treinados se não tiver empresas produzindo armas para esses militares. Segundo ele, a indústria nacional deve ser estimulada não por uma questão financeira ou de geração de empregos, mas para suprir as necessidades de defesa do país. Isso porque todas as outras nações colocam barreiras para o comércio de equipamentos estratégicos.

Ele afirmou que não há atualmente nenhum órgão público pensando de forma inteligente quais armamentos devem ser comprados no exterior e quais devem ser produzidos no Brasil para suprir de forma integrada Exército, Marinha e Aeronáutica.

"Hoje a situação é que não tem uma única pessoa ou órgão responsável por isso, é um sistema redundante, cada força tenta fazer isso para si mesma", disse.

Dependência internacional

Ainda de acordo com Eduardo Brick, o Brasil depende hoje quase que totalmente de insumos de outros países para fabricação de seus produtos bélicos, e principalmente de peças produzidas pelas nações da aliança militar ocidental.

A Otan é uma aliança formada por 31 países, entre eles Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Alemanha e a França. Ela foi criada para conter a expansão da União Soviética no século passado e praticamente renasceu no ano passado para conter o imperialismo russo, que se materializou na invasão da Ucrânia.

Críticos do Ocidente afirmam que teria sido o fortalecimento da Otan que teria motivado a invasão russa.

Nesse contexto, antes mesmo de assumir a Presidência, Lula vem dando demonstrações de apoio ao líder russo Vladimir Putin. Ele disse, de forma equivocada, em diversas ocasiões que a Ucrânia teria tanta culpa quanto a Rússia pelo início da guerra. A Ucrânia foi o país invadido.

A bajulação a Putin rendeu a Lula descontos de US$ 25 a US$ 35 por barril de óleo diesel importado da Rússia neste ano. Mas no campo da indústria bélica colocou o Brasil em uma situação que "não tem lógica", segundo Brick.

“Qual é a intenção? Ele [Brasil] é totalmente dependente de um lado [a Otan] e está ‘namorando’ o outro lado [Rússia]?".

"Essa é a ponta do iceberg, temos um problema mais complexo que esse caso particular. O problema é a postura do Brasil no cenário internacional, onde quer estar? Onde quer ficar? todas decisões são dependentes dessas considerações."

Já o major da reserva do Exército e analista de riscos Nelson Ricardo Fernandes, da consultoria ARP, considera que a venda não concretizada dos blindados atrapalha os esforços da indústria de defesa nacional, mas não é determinante. Segundo ele, o maior causador da falta de desenvolvimento da indústria de defesa brasileira é o próprio ministério da Defesa, que não se programa, não tem um cronograma de compras sistemático.

“Os investimentos ocorrem por espasmos, esse é o maior problema que eu vejo”, disse Fernandes. “Óbvio que o Brasil tá perdendo uma venda significante, para uma indústria que está, digamos assim quebrada, perde uma grande oportunidade”.

“Por outro lado, não imagino que o governo atual, com o viés ideológico que tem, vá tomar qualquer postura pró-Ucrânia, que desagrade a Rússia". Mas o analista lembra que o Brasil tem grande dependência da Rússia no setor de fertilizantes, insumos para o agronegócio. Essa seria uma das explicações para a recusa da venda dos blindados para a Ucrânia.

Outro fator a ser considerado, além da ligação ideológico entre o governo petista e a autocracia russa, seria o bloco econômico dos Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, segundo Fernandes.

“Se você notar, nenhum dos membros originários dos Brics tá tomando qualquer decisão mais enfática contra a Rússia. A China não tá fazendo isso, a Índia não tá fazendo isso. Acho que o Brasil tem uma característica diplomática de eternamente ficar em cima do muro, e acho que vai continuar ou em cima do muro ou pendendo para a Rússia”, disse o analista de riscos da ARP.

O Brasil, em outros tempos, mesmo adotando uma postura neutra em relação a conflitos, vendeu armas na guerra Irã-Iraque. A indústria nacional aguarda.

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