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Em meio à queda de popularidade do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou a adotar um novo discurso sobre segurança pública, como forma de tentar atrair parte do eleitorado. Além de uma nova ofensiva para avançar com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia os poderes da União nessa área, uma das apostas do governo visa turbinar um aplicativo para tentar reduzir os crimes de roubos de celular.
“A gente não vai permitir que os bandidos tomem conta do nosso país. A gente não vai permitir que a "república de ladrão de celular" comece a assustar as pessoas nas ruas desse país”, disse Lula há duas semanas durante um evento em Fortaleza, no Ceará.
Integrantes do Palácio do Planalto ouvidos pela reportagem admitem que o discurso de Lula tem como pano de fundo pesquisas internas que apontam que a segurança pública figura entre as maiores preocupações dos eleitores. Levantamento Ipec, divulgado neste mês de março, apontou, por exemplo, que 50% dos entrevistados avaliam negativamente a atuação do petista neste segmento.
O levantamento do Ipec foi realizado entre os dias 7 e 11 de março, com 2 mil entrevistados em 131 municípios das cinco regiões do país. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%.
Para tentar reverter esse cenário, uma das estratégias desenhadas pelo ministro Sidônio Palmeira, da Secretaria de Comunicação (Secom), é de que Lula deixe o discurso adotado pela esquerda, que costuma abordar o tema por questões sociais, e invista em discursos sobre repressão ao crime.
"Nós vamos ter que enfrentar a violência, sabendo que nós temos que enfrentar o crime organizado. E não é o estado sozinho, é o estado, é o município e é o governo federal. Porque a gente não vai permitir que os bandidos tomem conta do nosso país", disse Lula na capital cearense.
A fala recente marca uma mudança em relação ao tom adotado, por exemplo, em 2022, quando o petista disse que "não se pode permitir que jovens continuem tendo como razão de vida roubar celular para sobreviver". Já no ano seguinte, em julho de 2023, o presidente fez críticas à atuação das polícias e declarou que a "cadeia está cheia de gente inocente", ao defender o desencarceramento, uma das principais bandeiras da esquerda no campo da segurança pública.
Para o senador Sergio Moro (União-PR), a gestão do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Lula "é marcada apenas por um discurso de leniência com a criminalidade". "É evidente que uma política de desencarceramento em massa em nada contribuirá para o fim da impunidade, em nada contribuirá para o enfrentamento da criminalidade organizada. Antes, mandará o recado contrário, de que o crime compensa", argumentou o parlamentar.
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PEC da Segurança vai ao Congresso em meio ao desgaste com governadores
Na gaveta da Casa Civil, comandada pelo ministro Rui Costa, há mais de nove meses, a chamada PEC da Segurança será apresentada ao Congresso ainda em abril. A sinalização foi dada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, após tratar sobre o tema com o próprio Lula.
Pela Constituição, é competência dos governos estaduais a gestão da segurança pública. Se a PEC for aprovada, vai ampliar os poderes da União, incluindo, por exemplo, competência da Polícia Federal para atuar contra milícias e facções criminosas.
"Nós estamos apresentando uma PEC da Segurança para que a gente possa, junto com os governadores de estado e com os prefeitos, a gente definitivamente dizer que o Estado é mais forte do que os bandidos. E o lugar de bandido não é na rua assaltando e assustando as pessoas, e matando pessoas. É esse país que nós vamos construir", indicou Lula.
A PEC deve seguir o modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), coordenando e ditando o papel de cada ente federativo no combate à violência e estabelecendo uma integração entre União, estados e municípios. Atualmente, a legislação já prevê a criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Porém, segundo Lewandowski, ela não foi implementada por ter passado no Congresso como lei ordinária, sem força constitucional.
“Entendemos que chegou a hora de fazer a integração das forças de segurança. Chegou a hora de criarmos um sistema único de segurança pública à moda do SUS”, disse o ministro durante seminário do promovido pelo jornal Valor Econômico.
O chefe da pasta afirmou ainda que a proposta vai permitir que a polícia “prenda melhor” e fará superar a ideia de que a corporação “prende e a Justiça solta”. A fala vem na esteira da declaração dada pelo ministro na semana passada de que a “polícia prenderia mal”. A afirmação foi criticada por governadores e parlamentares.
Apesar da ofensiva, a PEC do governo já enfrenta resistência por parte dos integrantes da oposição, que comanda a Comissão de Segurança Pública na Câmara, com o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), e no Senado, como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Segundo Bilynskyj, o texto da proposta ainda é um "mistério" e espera poder analisá-lo no colegiado que preside, onde vai ser debatido por parlamentares "das mais diversas áreas da segurança".
"O texto inicial foi tão ruim que o próprio governo Lula enterrou e o novo eles estão com tanto receio que ninguém sabe como é, apenas poucos detalhes. Nos preocupa muito e não admitiremos a centralização da segurança pública pela União, será um erro do governo em manter essa ideia. Centralização do poder de polícia é prática de governos autoritários e não deve ser admitido. É responsabilidade dos estados que devem ser ouvidos e respeitados", defendeu Bilynskyj.
Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adebol-BR), o delegado Rodolfo Laterza afirma que a busca por uma PEC por parte do governo é apenas uma tentativa de "marcar uma posição de viés político". "Uma Proposta de Emenda à Constituição tem uma tramitação altamente complexa e que acaba gerando conflitos e divisões classistas. Não vejo como a melhor forma de você estabelecer uma melhoria da governança da segurança pública", explicou.
Governo quer "turbinar" aplicativo para conter roubos de celulares
Em outra frente para tentar ampliar a popularidade de Lula na área da segurança, o governo pretende "turbinar" as campanhas em relação ao aplicativo "Celular Seguro". A plataforma foi lançada em 2023, após a saída de Flávio Dino do Ministério da Justiça, e tem atualmente cerca de 2,5 milhões de usuários cadastrados.
Agora, a expectativa do governo é retomar campanhas de promoção do aplicativo que, entre outras funções promete fazer o bloqueio das linhas, dos dispositivos e dos aplicativos digitais (incluindo os de banco) após casos de furtos ou roubos. Entre as novidades, que devem ser lançadas ainda neste semestre, existe a possibilidade de consulta a bancos de dados de aparelhos com restrição, disponível para o cidadão antes da compra de um celular.
A expectativa do Ministério da Justiça é de que o novo software cruze dados de boletins de ocorrência com informações das operadoras para identificar novas linhas em aparelhos roubados. A atualização permite que a pasta envie notificações, pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, quando esses telefones forem reabilitados por possíveis compradores no mercado irregular.
O discurso do governo é o de que o app vai informar ao usuário que, se não devolver o aparelho imediatamente na delegacia de Polícia Civil mais próxima, poderá ser alvo de um inquérito por furto, roubo, receptação ou associação criminosa. Mas isso leva em conta apenas casos em que a pessoa comprou um telefone sem saber que era roubado.
O governo não diz diretamente que, se o aparelho estiver na mão de um criminoso (ladrão ou receptador), a mensagem não surtirá efeito e que não há uma política nacional sobre o que a polícia vai fazer se o criminoso resolver não devolver. Uma das hipóteses é que a polícia tente rastrear o aparelho e chegar até ele, mas não está claro se haverá policiais, recursos e disposição dos agentes para se fazer isso.
Além de investir na publicidade sobre o aplicativo, o Planalto também encomendou que o Ministério da Justiça apresente um projeto de lei que amplia a pena para roubos de celulares. Atualmente, a punição para o crime de roubo de celular pode chegar a até quatro anos de prisão. Mas o governo pretende elevar essa pena para até seis ou oito anos.
Em fevereiro deste ano, o senador Flávio Bolsonaro apresentou um projeto na mesma linha, estabelecendo pena de reclusão de 4 a 8 anos, e multa, em caso de furto de aparelho celular móvel.
Uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Datafolha apontou que um em cada dez brasileiros teve o seu telefone celular roubado ou furtado entre julho de 2023 e junho de 2024.
''Hoje em dia, o aparelho de celular é onde está a vida de todo mundo, é muito mais valioso, às vezes, do que uma joia. Então eu acho importante apresentar esse projeto, para permitir que essas pessoas que roubam o celular e não têm nenhuma pena de matar uma pessoa para ter êxito nessa sua iniciativa, elas tenham penas mais duras e os juízes possam ter amparo legal para deixar esses marginais mais tempo presos'', defendeu o senador.