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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai ao Japão com a intenção de pressionar o país asiático a avançar em um acordo com o Mercosul. Com um histórico de economia fechada a mercados externos e altas taxas para a importação, Lula espera destravar as negociações com o governo japonês. Por outro lado, pesa para a viabilidade desse acordo a influência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tem pressionado Tóquio. O Japão teme entrar na mira da política tarifária do republicano e pode evitar a compra de produtos agrícolas de países que não sejam os Estados Unidos.
O grupo formado por Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai discute há alguns anos a possibilidade de fazer um acordo comercial com o Japão. A intenção é reduzir tarifas de importação e expandir o comércio. As perspectivas quanto a isso, contudo, parecem remotas neste momento. Além do que os analistas chamam de "baixo interesse" dos japoneses em fechar tal acordo, Tóquio não pretende se indispor com um parceiro histórico: os Estados Unidos.
Na avaliação de Josemar Franco, coordenador de comércio internacional da BMJ Consultores Associados, as ameaças tarifárias de Donald Trump podem fazer com que o Japão evite mercados de outros países. "O Japão não quer desgaste com o Trump e vale lembrar que os Estados Unidos são o principal fornecedor de produtos agrícolas ao Japão", avalia. O especialista cita que seria justamente esse o mercado que o Mercosul gostaria de abrir negociações com os asiáticos.
No último mês, o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, se reuniu com Trump na Casa Branca para discutir a relação entre os dois países. Na ocasião, Ishiba parece ter saído ileso das ameaças de tarifas do republicano. Ele também causou uma boa impressão em Trump, que chegou a fazer elogios ao premiê do Japão durante uma coletiva de imprensa.
Apesar disso, o presidente dos Estados Unidos declarou que pretende, durante sua gestão, equilibrar a balança comercial entre os dois países, que é deficitária para o país norte-americano. Ou seja, os EUA importam mais do que exportam para o Japão. "Queremos trabalhar no déficit. Temos cerca de US$ 100 bilhões de déficit com o Japão, o que não me surpreende, porque vocês são muito bons negociadores", disse.
De acordo com um estudo feito para o Congresso dos Estados Unidos, o país registrou um déficit de US$ 72 bilhões (R$ 348,5 bilhões na cotação da época) no comércio de mercadorias com o Japão em 2023. Historicamente, o Japão importa commodities agrícolas e carne bovina dos EUA, além de peças para aviação e aeronaves. Por outro lado, os japoneses costumam exportar carros e equipamentos tecnológicos aos EUA.
Nesse sentido, analistas avaliam que, caso deixe de comprar produtos americanos para priorizar um possível mercado aberto com o Mercosul, isso poderia criar desconforto com Trump. Além disso, um movimento nesse sentido pode aumentar o superávit japonês em relação ao comércio com os EUA, o que poderia render tarifas direcionadas ao país asiático.
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Acordo do Mercosul com o Japão está mais travado do que negociações com a União Europeia
Assim como com a União Europeia, os países membros do Mercado Comum do Sul (Mercosul) buscam há alguns anos viabilizar um acordo comercial com o Japão. No caso do país asiático, contudo, as negociações nunca passaram das conversas ou do simples desejo de produzir um tratado. Durante passagem pelo país na próxima semana, Lula pretende avançar com essas negociações - o que é pouco provável de ocorrer.
“A gente quer saber se vamos ficar nessa conversa ou vai ter uma negociação. Essa é a grande questão”, declarou o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, durante coletiva de imprensa na última semana.
Para analistas, contudo, chegar a uma "próxima fase" dessas negociações pode levar anos e, ainda assim, pode ser que um acordo não chegue a ser fechado.
Conforme pontua Josemar Franco, da BMJ Consultores Associados, as conversas sobre um possível acordo não avançam, pois há "baixo interesse" dos japoneses em negociar com o bloco sul-americano. "Nos últimos 20 anos, houve demonstrações de síntese comercial e econômica entre os países, com organizações brasileiras e japoneses demonstrando interesse em estreitar os laços, mas sem muito êxito", afirma.
Os japoneses, tradicionalmente, têm um mercado mais fechado para as nações latino-americanas, sobretudo no que diz respeito à importação de commodities agrícolas. Além de tarifas elevadas para esse tipo de mercado - o que causa desinteresse ao exportador sul-americano -, há ainda uma série de restrições sanitárias que dificultam a entrada do produto brasileiro e de outros países do Mercosul em terras nipônicas.
Nessa viagem a Tóquio, Lula também espera destravar as barreiras contra a carne bovina brasileira. Conforme informou o Ministério das Relações Exteriores, o governo petista pretende solicitar às autoridades japonesas uma visita técnica sanitária ao Brasil para liberar a entrada de carne bovina in natura lá no Japão. Não há, porém, uma previsão de quando essa inspeção possa acontecer.
Apesar dos impedimentos, há grande desejo do bloco em expandir o mercado com os japoneses. Em 2023, por exemplo, o comércio entre o Mercosul e o país asiático superou os US$ 14 bilhões e com superávit para os sul-americanos de US$ 758 milhões. Os principais produtos exportados foram minério de ferro, milho e miúdos de frango; os mais exportados foram caixas de câmbio de veículos, automóveis e produtos imunológicos.
Nos últimos anos, membros do Mercosul e do governo japonês se encontraram anualmente para discutir o tema, além dos encontros na Cúpula de Líderes do bloco, que ocorre duas vezes a cada ano. Os diálogos tratam do comércio e das restrições japonesas ao mercado sul-americano, além das expectativas de chegarem a um acordo sobre a política tarifária do governo japonês.

Apesar da incerteza, governo vê "oportunidade" em meio a políticas tarifárias de Trump
Lula vai embarcar para uma viagem com viés comercial para a Ásia. Além do Japão, o petista também irá ao Vietnã acompanhado de empresários, ministros e parlamentares. Durante o roteiro, Lula espera destravar acordos comerciais e buscar novas parcerias com as nações asiáticas.
Enquanto analistas veem pouca viabilidade em avançar com o acordo Mercosul-Japão em meio às ameaças de tarifas de Trump, o governo Lula vê uma janela de oportunidade para buscar novas negociações. Apesar de não ter sido alvo de tarifas direcionadas de Trump, como o Canadá, o Japão também pode ser afetado pelas taxas de 25% sobre aço e alumínio, o que pode impactar a economia do país.
O cálculo feito por Lula e sua equipe é de que a política tarifária do republicano poderá pressionar os países a buscarem mercados com taxas mais baixas e, durante essa e as próximas viagens, ele pretende posicionar o Brasil como essa possibilidade. Os especialistas consultados pela Gazeta do Povo avaliam ainda que essa já tem sido a estratégia adotada pelo governo brasileiro.
"É bem claro que agora o país vai começar a se movimentar para buscar novos mercados. Me parece que nesse momento seja importante buscar o relacionamento com nações emergentes, como a Índia e a Arábia Saudita, mas também vai ser fundamental investir naqueles países que compõem o G7. Já temos visto um avanço com a União Europeia e com o Japão, com quem temos uma ótima relação, mas também há outras possibilidades, como o Canadá", avalia Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais e CEO da Amero Consulting.
O Brasil foi um dos atingidos pelas tarifas de Trump ao aço e alumínio, produtos que a indústria nacional exporta para os Estados Unidos. Além disso, Lucena avalia que o país ainda pode se tornar alvo de sanções de empresas americanas, devido ao impasse enfrentado com o Supremo Tribunal Federal (STF). "O Brasil está correndo um risco muito grande, não só pelas tarifas, mas devido a um desafio diplomático e geopolítico", diz.
"O Brasil vai ser taxado não só pelo Donald Trump, mas há o risco de que a situação do STF contra as empresas americanas possa gerar novas tarifas ou sanções para o Brasil. Isso não é descartável. Isto está muito claro nas ações do governo americano contra o STF e isso pode impactar o comércio interno", avalia Lucena.
Levando isso em consideração, o analista avalia que faz sentido a estratégia do governo em buscar novos comércios. Para os próximos meses, o petista também pretende voltar à China, maior parceiro comercial do Brasil. Ministros de Lula também realizaram, nas últimas semanas, visitas a outros países como a intenção de viabilizar novas frentes de comércio. Em um desses exemplos, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, fez um tour por países árabes a fim de explorar novas possibilidades de mercado.







