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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi recebido no Japão nesta semana com pompa e chegou a ser condecorado com a mais alta honraria do país, o Grão-Cordão da Ordem do Crisântemo. Entre os objetivos do petista na passagem pelo país, estavam destravar a venda de carne bovina no mercado japonês e negociar um acordo com o Mercosul. Lula, contudo, teve poucos avanços sobre os dois temas.
Por outro lado, o ponto positivo da visita à ilha asiática foi o fechamento de um contrato entre a Embraer e a empresa japonesa All Nippon Airways (ANA). Foram negociados jatos E-190 por cerca de R$ 10 bilhões. O contrato foi celebrado pelo governo brasileiro e pelo governo japonês.
Após encontros com o imperador, empresários e o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, Lula chegou a assinar 10 acordos e memorandos com o país. Dos termos assinados, porém, nenhum traz avanços concretos ao que diz respeito ao acordo com o Mercosul ou à exportação de carne bovina brasileira para o Japão, que o Brasil tenta destravar há anos. Uma visita sanitária de técnicos japoneses a regiões de produção pecuária foi debatida, mas nenhuma data foi acertada.
"Os acordos firmados até abrangem áreas importantes, como conservação ambiental, recuperação de pastagens, ensino de tecnologias de informação, inteligência artificial, financiamento para iniciativas de sustentabilidade e projetos para desenvolvimento.
Mas, embora essas alternativas sejam relevantes, elas não representam nenhum avanço mais substancial ou concreto da relação bilateral do Brasil com o Japão", avalia o professor Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Lula ficou cerca de quatro dias em Tóquio e manteve agendas com representantes do governo e empresários japoneses. Foi ainda a primeira vez em seis anos que o imperador Naruhito abriu as portas do Palácio Imperial para receber um chefe de Estado. O líder do trono japonês não recebia ninguém desde 2019, quando Donald Trump foi recebido por Naruhito e sua esposa, a imperatriz Masako.
"Essa foi a visita mais importante das que cinco que já fiz ao Japão. Essa foi importante porque temos uma relação histórica com o Japão, são 130 anos de relação diplomática, mas nós temos um problema para resolver. Em 2008 tínhamos [Brasil e Japão] um fluxo comercial da ordem de US$ 17 bilhões e caiu para US$ 11 bilhões. Então nós queremos saber para onde que foi esse valor de US$ 6 bilhões, porque nossa economia é forte e a do Japão também", declarou Lula em coletiva de imprensa antes de deixar o país.
O brasileiro foi recebido no país pela família imperial e participou de um banquete oferecido pelo imperador. Lula ainda foi condecorado com a mais alta honraria japonesa, concedida a chefes de Estados devido à contribuição para a relação dos dois países. O recebimento dessa honraria também se explica no fato do Brasil abrigar a maior população de japoneses e seus descendentes fora do Japão, com cerca de 2 milhões de pessoas.
Além disso, segundo a mídia japonesa, o país tem interesse em competir com a China em relações comerciais com o Brasil. O analista Gomes avalia que os acordos fechados ficaram aquém do que Lula havia se proposto a realizar.
Japão se compromete em negociações mas sem definições concretas
A expectativa era que Lula conseguisse destravar a entrada de carne bovina in natura em território japonês ainda durante esta visita –negociação que há anos não sai do papel, apesar das tentativas do governo brasileiro. O Brasil já é um grande fornecedor de frango ao Japão, mas há uma série de restrições sanitárias à proteína bovina. O mercado japonês consome principalmente carne bovina fornecida pelos Estados Unidos e até agora tem conseguido escapar de taxações específicas determinadas pelo presidente Donald Trump.
No pouco avanço que tiveram as negociações, o Brasil recebeu novas promessas dos japoneses. No chamado Plano de Ação da Parceria Estratégica e Global Brasil-Japão, assinado pelos dois países nesta semana, o Japão se comprometeu a realizar "imediatamente" uma "inspeção técnica no Brasil pelas autoridades competentes japonesas". De acordo com Lula, após a fiscalização, os dois países passam a negociar os termos deste comércio.
"O Brasil está pronto. Até disse que se as pessoas quiserem ir no meu avião, estarão convidadas para irem no meu avião fazer a fiscalização que quiser e no estado que quiserem, para a gente mostrar a qualidade daquilo que nós estamos oferecendo ao Japão. Obviamente que temos que respeitar a decisão japonesa, cada país tem um critério e nós esperamos [o tempo para negociar]", declarou Lula.
Ainda não há, contudo, uma previsão de quando tal visita deve ocorrer ou quem deve fazê-la. A expectativa anterior era de que a inspeção ocorresse ainda no primeiro semestre deste ano, em maio, quando o Brasil deve ser certificado pela Organização Mundial da Saúde Animal como livre da febre aftosa. A visita, conforme já informou o Ministério das Relações Exteriores, seria o passo inicial para as negociações desse tema.
No mesmo plano de ação, o governo japonês também se comprometeu a "estender o acesso ao mercado para outros estados brasileiros no caso da carne suína", mas também sem determinações concretas. O Japão já importa carne suína brasileira, mas apenas daqueles estados considerados livres da febre aftosa sem vacinação.
Até mesmo a carne de frango, que está no foco das importações japonesas de proteína animal com origem no Brasil, pode enfrentar restrições. A legislação do país diz que pode haver suspensão da importação do produto em regiões inteiras em caso de surtos da gripe aviária.
Ou seja, caso ocorra um surto da doença na região Sul, a Norte, por exemplo, também poderia ter as exportações ao Japão interrompidas. O governo brasileiro tenta chegar a um modelo de negociação menos restritivo aos mercados de carne suína e de frango. Negociações também são bem-vistas pelos produtores nacionais, que esperam expandir o comércio com os japoneses.
Mercosul é citado em memorando, mas também sem avanço em negociação
A passagem de Lula pelo Japão também foi marcada pela expectativa de tentar destravar as negociações do país com o Mercado Comum do Sul (Mercosul). O grupo formado por Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai discute há alguns anos a possibilidade de fazer um acordo comercial com país, através da redução de tarifas de importação por parte do governo japonês.
Mais uma vez, contudo, não houve grandes avanços. No mesmo plano de ação que trata da importação da proteína animal brasileira, os dois governos citam apenas o desejo de "promover e aprofundar" as negociações com o Mercosul. "O Japão e o Brasil reafirmam seu compromisso de promover e aprofundar as relações comerciais bilaterais e ressaltam a importância de fortalecer os laços econômicos entre o Japão e o Mercosul", diz o documento.
Os dois governos "confirmaram que buscariam avançar as discussões sobre um plano de trabalho viável para aprofundar o relacionamento comercial sob o Quadro de Parceria Estratégica Japão-Mercosul, levando em conta as comemorações do 130º aniversário das relações diplomáticas Japão-Brasil em 2025 e o fato de que o Brasil ocupa a presidência do Mercosul no segundo semestre do ano atual", finaliza o trecho que cita o acordo.
Para Lula, a expectativa é avançar com tal negociação no segundo semestre deste ano, quando o Brasil assume a presidência temporária do Mercosul. "Espero lançar negociações de um acordo com o Japão durante a presidência brasileira do Mercosul no próximo semestre. A compra de aeronaves da Embraer por empresas japonesas demonstra a capacidade de nossa indústria", declarou Lula após encontro com empresários no Japão.
Os japoneses, tradicionalmente, têm um mercado mais fechado para as nações latino-americanas, sobretudo no que diz respeito à importação de commodities agrícolas. Além de tarifas elevadas para esse tipo de mercado - o que causa desinteresse ao exportador sul-americano -, há ainda uma série de restrições sanitárias que dificultam a entrada dos produtos brasileiros e de outros países do Mercosul em terras nipônicas.
Nos últimos anos, as negociações entre o bloco e o Japão nunca passaram da conversa ou do simples desejo de produzir um tratado. Antes de embarcar para Tóquio, o governo brasileiro destacou o interesse em pressionar os japoneses em deixar de lado a conversa e discutir a negociação através de termos.
Embraer fecha acordo com o Japão e governo vê viagem como positiva
A Embraer, por outro lado, teve um saldo positivo nesta viagem de Lula ao Japão. A empresa brasileira fechou um contrato para venda de 15 jatos E-190 para a japonesa All Nippon Airways (ANA). O contrato fechado em R$ 10 bilhões ainda prevê a possibilidade de expandir a venda para mais cinco aeronaves.
O acordo foi comemorado por Lula e pelo ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. “Significa o equivalente a quase R$ 10 bilhões em investimentos que a companhia aérea japonesa está fazendo na Embraer. Esse trabalho comercial que está sendo feito hoje, do governo do presidente Lula com a Embraer, tem sido importante e estratégico para o desenvolvimento da aviação brasileira”, disse Filho.
"A Embraer tornou-se a terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo e tem mercado importante aqui no Japão. Posso dizer ao primeiro-ministro Ishiba que são de muita qualidade os aviões da Embraer. Quem compra 20 pode comprar um pouco mais e quem sabe todas as empresas japonesas podem voar de avião da Embraer", declarou Lula sobre a negociação.
Ainda que Lula não volte para casa com os acordos que gostaria, o balanço do petista sobre a viagem é positivo. Em declaração à imprensa, o mandatário exaltou os compromissos que realizou no país e falou do desejo de expandir o comércio com o Japão. "Concordamos que o comércio bilateral de US$ 11 bilhões não corresponde ao tamanho de nossas economias. Nossa meta é superar os US$ 17 bilhões registrados em 2011", disse Lula.
De acordo com o petista, os dois países concordaram em avançar no comércio bilateral e superar a marca de R$ 17 bilhões na balança comercial entre os dois países. Após deixar o Japão, Lula seguiu para o Vietnã, onde também cumpre agendas com autoridades do país e espera avançar em acordos comerciais.
Lula fecha acordo de carne bovina no Vietnã
Diferente do Japão, o presidente Lula negociou com o governo vietnamita a abertura do mercado para o comércio de carne bovina brasileira. Em anúncio realizado pelo petista nesta sexta-feira (28), o mandatário declarou que o Brasil agora vai passar a exportar o produto para o Vietnã.
“Depois de muitos anos de tentativa, o primeiro-ministro anunciou que finalmente vai comprar carne brasileira para o mercado do Vietnã. É uma notícia extraordinária e acho que é muito importante para o Vietnã e para o Brasil”, declarou Lula.
De acordo com o mandatário, ele retornará "feliz" ao país após o sucesso da negociação. Lula está em um tour pela Ásia nesta semana em busca de novos acordos e parcerias comerciais. A medida é vista por analistas como uma tentativa de diversificar o mercado brasileiro em meio à política tarifária de Donald Trump.