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R$ 50 bilhões

Lula sancionará Orçamento com emendas bilionárias, mas disputa entre poderes por verbas continuará

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Plenário do Congresso durante abertura do ano Legislativo de 2025: segue avanço das emendas sobre Orçamento. (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve sancionar nos próximos dias o Orçamento Geral da União de 2025, aprovado semana passada com três meses de atraso. Mas o embate institucional sobre o comando do Orçamento deve continuar no centro das disputas entre Legislativo e Executivo pelo eleitorado neste ano.

O presidente da República tem duas semanas para sancionar o texto. A tendência, segundo o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), é de o chefe do Executivo aprovar tudo como está, sem vetos. Mas espera-se que a equipe econômica faça um pente fino antes de liberar a chancela.

Embora não esteja satisfeito em dividir com o Congresso o poder sobre o Orçamento, Lula deve aprovar o projeto que destina R$ 50,4 bilhões a emendas parlamentares - que são usadas por deputados e senadores para destinar recursos financeiros para investimentos em seus redutos eleitorais.

Enquanto a Lei Orçamentária Anual (LOA) não é sancionada, o governo teve que limitar, por decreto, o uso mensal de recursos a 1/18 do orçamento até novembro. Embora a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) permita 1/12, a medida visa adequar os gastos à gestão fiscal. Após a sanção, o Executivo terá 30 dias para publicar o Decreto de Programação Orçamentária e Financeira (DPOF), que organiza a execução orçamentária do ano e assim destravar os gastos públicos.

Em meio a tensões entre os três poderes e críticas crescentes sobre a falta de transparência em torno das emendas parlamentares, a aprovação do Orçamento Geral da União de 2025 irá consagrar um período de 10 anos seguidos em que o Legislativo avança sobre verbas federais por meio das emendas parlamentares.

A cifra de R$ 50,4 bilhões destinada às emendas neste ano, embora ligeiramente menor que o recorde de R$ 53 bilhões em 2024, reforça o protagonismo do Congresso na definição dos rumos do Orçamento. Desde o estabelecimento das emendas impositivas em 2015, o Legislativo vem ampliando o seu poder sobre a destinação de verbas, em detrimento do planejamento do Executivo.

Do montante aprovado, R$ 39 bilhões são de execução obrigatória. As emendas individuais, que somam R$ 24,7 bilhões, são igualmente divididas entre os parlamentares. Já as emendas de bancada estadual chegam a R$ 14,3 bilhões. A liberação das demais modalidades — como as emendas de comissão (R$ 11,5 bilhões) —dependem de negociação com o governo.

Como precaução, o relator do Orçamento, senador Angelo Coronel (PSD-BA), incorporou um dispositivo que impede o Executivo de cancelar emendas sem o aval do autor, o que limita a margem de manobra da equipe econômica para remanejamentos. Em parceria com o STF, o governo seguirá brigando por recursos com o Congresso.

O relator também estimou superávit de R$ 15 bilhões para o Orçamento, quatro vezes mais que a previsão inicial do Executivo. Com isso, o texto mantém a meta de déficit zero, com margem de tolerância de R$ 31 bilhões, e libera recursos dos parlamentares retidos desde 2024 em meio ao impasse com o Supremo Tribunal Federal (STF). A previsão de superávit é vista com ceticismo por analistas econômicos.

Para especialistas, avanço das emendas amplia distorções no Orçamento

A alocação crescente de emendas reflete a lógica de certo parlamentarismo embutido na Constituição presidencialista de 1988. Mas a forma como esse avanço vem se consolidando, com deputados e senadores distribuindo recursos aos seus redutos eleitorais sem responsabilidade direta sobre os resultados, cria distorções políticas, avaliam especialistas.

Segundo eles, a ascensão das emendas culminou com as extintas emendas de relator, que sobrevivem como emendas de comissão, numa continuidade do chamado “orçamento secreto”. Por esses mecanismos, bilhões de reais foram distribuídos sem transparência, até serem canceladas pelo STF em 2022. A Corte voltou à carga em 2024 via bloqueios do ministro Flávio Dino, que barrou o pagamento das emendas com decisões judiciais.

Parlamentares e analistas políticos acreditam que a ação do ministro não visa apenas dar mais transparência ao processo, mas também ajudar o Executivo a reaver o controle sobre o Orçamento. Dino determinou, por exemplo, que parte das emendas seja destinada a programas de criação de infraestrutura que têm o selo de propaganda do governo federal.

Mas o Congresso rapidamente encontrou meios alternativos. Emendas de comissão e indicações de líderes mantiveram o controle político sobre os recursos, ainda com baixa rastreabilidade. Resolução aprovada em março, logo após os poderes terem anunciado acordo, permite que emendas coletivas sejam assinadas genericamente por líderes, ocultando autores.

Essa medida, que reacende a disputa com o Judiciário, foi criticada por entidades da sociedade civil. O PSOL promete questionar a manobra do Congresso novamente junto ao STF. O ministro Flávio Dino deu 10 dias para Câmara, Senado e Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestarem sobre as novas regras, que têm potencial para reabilitar práticas semelhantes às do orçamento secreto.

Assim, o debate sobre a transparência das emendas deve continuar depois que os gastos públicos para o ano sejam destravados. Mas eventuais novas investidas do Executivo e do STF contra as emendas parlamentares encontrarão um cenário político mais desfavorável, marcado pela queda de popularidade de Lula e pela dificuldade de seu governo em aprovar projetos no Congresso.

Gastos para fins eleitorais podem se sobrepor a disputas sobre controle do Orçamento

João Henrique Hummel Vieira, diretor da Action Relações Governamentais, discorda da percepção de que o volume das emendas parlamentares no Orçamento tenha recuado ou sequer se estabilizado. Para ele, a tendência ainda é de alta, especialmente quando se consideram os repasses represados pelo STF no ano passado e outras formas indiretas de recomposição, como o acesso a verbas inicialmente canceladas.

Hummel também não acredita que o Judiciário volte a prejudicar, neste ano, a execução das emendas com base na falta de transparência. Em sua avaliação, “todos os lados perceberam que saíram perdendo” no embate anterior, o que deve levar a uma postura mais pragmática por parte dos tribunais. Outros analistas ainda veem o peso do calendário eleitoral.

Governo e Congresso buscaram definir os gastos de 2025 já de olho nos efeitos sobre o ano seguinte, de eleições gerais. Seus líderes sabem que decisões tomadas agora — como liberação de verbas, obras e programas — precisam de tempo para gerar impacto político. Além disso, haverá restrições legais impostas pelo calendário eleitoral, o que limita a execução de novas iniciativas a partir do segundo semestre de 2026.

A trajetória recente das emendas ilustra, segundo ele, a consolidação de um novo protagonismo do Parlamento sobre o Orçamento. Desde 2015, quando totalizavam R$ 9,1 bilhões, as emendas parlamentares cresceram de forma contínua, saltando para R$ 36,2 bilhões em 2021 e chegando ao recorde de R$ 53 bilhões em 2024.

As emendas, embora justificadas por muitos parlamentares como forma de aproximar o orçamento da “vida real” das regiões, também vêm sendo criticadas por desviar recursos de políticas estruturantes e fomentar práticas clientelistas. Há denúncias de que os valores servem para alimentar caixa dois eleitoral ou favorecer aliados políticos com obras e projetos locais — muitos sem licitação ou critérios técnicos.

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Emendas ainda são foco de disputa entre governo e Congresso pelo eleitor

Para 2025, o governo precisará executar 77% das indicações feitas pelo Congresso, mesmo diante de restrições fiscais. O restante continuará sujeito a negociações políticas, especialmente as emendas de comissão — alvo de questionamento pelo STF e cuja transparência ainda é limitada.

O relator Angelo Coronel, em sua justificativa, saiu em defesa do papel do Congresso na alocação de recursos e criticou a decisão do STF que extinguiu as emendas de relator. Segundo ele, o modelo permitia maior capilaridade no atendimento às demandas locais.

A fala reacendeu o embate institucional sobre o comando do Orçamento, tema que promete continuar no centro das disputas entre Legislativo e Executivo pelo eleitorado. Desde o ano passado, a Polícia Federal (PF) investiga, a pedido do ministro Flávio Dino, várias operações suspeitas envolvendo emendas parlamentares.

Em uma delas foi identificado esquema envolvendo os deputados do PL Josimar Maranhãozinho (MA), Pastor Gil (MA) e Bosco Costa (SE), que vendiam emendas parlamentares com divisão de tarefas e uso de ameaças armadas contra gestores municipais. Segundo a PF, o grupo exigia 25% de "pedágio" sobre verbas destinadas à saúde em São José de Ribamar (MA), para quitar empréstimos feitos com um agiota.

Enquanto isso, o avanço das emendas reflete, ao mesmo tempo, a perda de protagonismo do Executivo e a falta de um redesenho institucional claro que atribua responsabilidades e garanta transparência.

Para professor, semipresidencialismo pode ser a solução para impasse

Professor de Direito Constitucional e advogado especializado em Direito Eleitoral, Matheus Pimenta de Freitas destaca que o Congresso tem adquirido crescente influência sobre a pauta orçamentária nos últimos anos. "Isso se reflete na definição de prioridades e na imposição ao Executivo da obrigação de executar políticas públicas que, tradicionalmente, estavam sob seu comando", sublinha.

No entanto, segundo Freitas, esse aumento do protagonismo do Congresso dentro do modelo presidencialista atual vem desacompanhado de um correspondente aumento de responsabilidade, o que pode comprometer a saúde financeira dos cofres públicos. Em sua visão, uma possível reforma no sistema de governo poderia trazer benefícios.

“A adoção de um sistema semipresidencialista, mais convergente com a realidade concreta que o Brasil vivencia hoje, poderia estabelecer no país uma lógica de corresponsabilidade entre parlamento e governo, para acompanhar, com segurança, a tendência de aumento dos poderes do Legislativo, já verificada na prática", finaliza.

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