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Após a volta de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reabriu a temporada de invasões de propriedades rurais privadas pelo país. Ainda não houve nenhum pronunciamento público por parte de Lula sobre os episódios. O silêncio do presidente da República pode ampliar o desgaste do governo junto aos integrantes da bancada do agronegócio no Congresso Nacional.
Deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também criticam o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), por minimizar as invasões de terra e fazer acenos ao movimento. Em outra frente, parlamentares pretendem cobrar do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino (PSB), a adoção de medidas para impedir que as ocupações de terra por parte do MST prossigam.
Além da retomada das invasões de terra com pouco mais de dois meses do governo Lula, integrantes do MST já pressionam o presidente por mais espaço dentro do Executivo. Nos últimos dias, por exemplo, o movimento fez chegar ao Planalto a insatisfação com a ausência de um indicado para a presidência do Incra, órgão subordinado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado pelo petista Paulo Teixeira.
Com relação às ações do MST, o episódio mais recente ocorreu no início desta semana. Cerca de 1,7 mil integrantes do grupo anunciaram a invasão de pelo menos quatro fazendas no sul da Bahia. Três destas fazendas são de cultivo de eucalipto da empresa Suzano Papel e Celulose. Segundo o MST, as invasões são uma denúncia contra a monocultura de eucalipto na região, que vem crescendo nas últimas décadas.
Em nota enviada à Gazeta do do Povo, a empresa afirmou que os atos violam o direito à propriedade privada e estão sujeitas à adoção de medidas judiciais para reintegrar à posse dessas áreas. "Especificamente no sul da Bahia, a empresa gera aproximadamente 7 mil empregos diretos, mais de 20 mil postos de trabalho indiretos e beneficia cerca de 37 mil pessoas pelo efeito renda", destacou a Suzano. A empresa já conseguiu na Justiça uma liminar para reintegração de posse de uma de suas fazendas.
Antes disso, ao menos dez fazendas no interior de São Paulo já haviam sido invadidas por militantes da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL). Esse grupo é uma dissidência MST e conta com um histórico de proximidade com o PT.
MST pressiona Lula por volta de influência dentro do governo federal
Integrantes do MST afirmavam que uma das consequências da falta de indicação para o Incra era a permanência de nomeados pela gestão anterior no comando de superintendências regionais. Após a pressão por parte do MST, a pasta resolveu indicar o servidor de carreira César Aldrighi para o comando do órgão.
"Sem nomeação, não temos diálogo com o governo. O ministério cuida dos temas gerais da agricultura familiar, mas a questão da terra é com o Incra. Precisamos da indicação da direção para retomar o programa de reforma agrária", defendeu João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST.
O movimento chegou a indicar para o comando do Incra o ex-procurador-geral do governo do Paraná Carlos Frederico Marés. Mas, o nome acabou sendo vetado pelo Palácio do Planalto.
Como funcionário de carreira, Aldrighi manteve boa relação com o MST, segundo um integrante do movimento. A indicação, porém, não foi vista com grande entusiasmo por parte dos militantes. Agora, a expectativa do grupo é ampliar a influência nas superintendências estaduais do Incra, por meio das indicações de aliados.
Questionado sobre as recentes invasões de terra pelo grupo, o Incra disse em nota que não faz parte de suas atribuições a fiscalização ou ações para desocupação. "O Incra está aberto ao diálogo com as organizações sociais. No entanto, não há negociação acerca do caso ocorrido na Bahia", disse em nota.
Invasões geram críticas ao ministro da Agricultura de Lula no Congresso
Paralelamente, a retomada de invasões de terras pelo MST pode ampliar o desgaste do governo junto aos integrantes da bancada do agronegócio no Congresso Nacional. O grupo conta com aproximadamente 240 deputados na Câmara e pelo menos 40 senadores no Senado.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se reuniu recentemente no intuito de criar pontes com o governo para evitar que o setor sofra danos ao logo dos próximos anos. De acordo com o grupo, temas com direito de propriedade, demarcação de terras indígenas e reforma tributária são assuntos sensíveis no momento.
Vice-presidente da região Nordeste da FPA, o deputado José Rocha (União-BA), avaliou que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), precisa se atentar aos episódios de invasão, pois eles criam insegurança jurídica. O chefe da pasta, no entanto, minimizou, até o momento, os casos que já foram registrados pelo país.
"Eu acho que o ministro tem que se atentar muito para isso. Ele tem dado declarações favoráveis a esse posicionamento do MST. [Isso] vai na contramão do que se pretende da segurança jurídica, de mais investimentos e da melhoria da economia do nosso país", disse o deputado.
Ainda de acordo com ele, é preciso cobrar do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino (PSB), uma ação efetiva por parte da Polícia Federal para acabar com as invasões de terras privadas no país. O parlamentar também não descartou outras medidas a serem tomadas pela bancada no Congresso, como por exemplo, uma convocação de Fávaro.
Para o líder da bancada, deputado Pedro Lupion (PP-PR), há leniência por parte do poder público com relação aos invasores do MST. "A quem interessa essa perda de oportunidade, renda e empregos rurais? A quem interessa a volta dos conflitos de terra, uma nova guerra no campo? Invadir propriedade produtiva é crime, mas temos visto uma leniência com quem comete esses atos. Por quê?", questionou.
Na mesma linha, o deputado federal Luiz Ovando (PP-MS) afirmou que o “Carnaval Vermelho”, nome que foi dado ao novo ciclo de invasões coordenadas pelo FNL no interior de São Paulo, foi apenas o início. Segundo ele, “a volta dos sem-terra era certa com a vitória de Lula”.
“Elas [invasões] geram conflitos entre proprietários rurais e movimentos sem-terra, o que pode levar a episódios de violência e prejuízos financeiros. Esses conflitos também podem ter impactos negativos na economia local, afetando a produção agropecuária e a geração de empregos”, destacou.
Fávaro faz aceno ao MST durante ato em acampamento no Paraná
Apesar disso, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tem minimizado os episódios de invasões de terras por parte do MST até aqui. No último final de semana, durante um evento em um acampamento no norte do Paraná, o chefe da pasta afirmou que existe um "preconceito infundado contra os MST e isso precisa mudar".
"É preciso cumprir um papel importante, que é acabar com o preconceito que existe neste país contra o MST. O MST é um movimento legítimo de sonho pela terra. Estamos aqui para trazer a mensagem do presidente Lula de que a agricultura familiar será muito valorizada neste governo", defendeu.
Fávaro estava no acampamento Fidel Castro acompanhado do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira (PT), e da presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann.
"A agricultura familiar é tão competitiva quanto à agricultura empresarial. A diferença é que ela precisa mais da mão amiga do Estado. O papel do governo federal é viabilizar isso através de financiamento e pesquisa, para que nós possamos incentivar esse nicho de mercado que é muito importante para a agricultura familiar. Eu serei sempre um grande defensor de vocês", declarou Fávaro na ocasião.
A Gazeta do Povo procurou o Ministério da Agricultura para questionar sobre as invasões de fazendas no sul da Bahia. A pasta, no entanto, não se manifestou até o fechamento desta matéria.
Já o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, afirmou que participa das negociações para que o MST saia das propriedades da Suzano. Em um evento no Planalto, o ministro ressaltou que o governo vai tentar resolver a situação “pelo diálogo".
“Temos o propósito de uma reunião com a Suzano e o MST na semana que vem. Este é o encaminhamento que fizemos já no dia de hoje em relação a este conflito no sul da Bahia. Conflito que vamos tentar resolver pelo diálogo, pela conversa e restabelecer uma negociação que, segundo eles, foi interrompida 10 anos atrás", afirmou. A declaração foi publicada pelo jornal O Globo.
Número de invasões do MST cresceu nos governos Lula e Dilma
Durante a campanha, Lula acenou para o Movimento Sem Terra, e disse em uma das ocasiões que o MST já "não é mais o mesmo de 30 anos atrás". "O MST está fazendo uma coisa extraordinária, está cuidando de produzir. Não sei se você sabe, mas o MST hoje tem várias cooperativas. O MST é maior produtor de arroz orgânico do Brasil. Você tem que visitar uma cooperativa do MST. Aquele MST de 30 anos atrás não existe mais", disse Lula durante sabatina do Jornal Nacional.
O petista afirmou ainda que o movimento "só invadiu terras improdutivas" e que os integrantes do grupo estariam fazendo um "favor" para os fazendeiros ao acelerar o processo de desapropriação. A declaração, no entanto, contradiz com os números das invasões do MST em terras produtivas durante os governos Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff.
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, o número de invasões de propriedades por sem-terra disparou no Brasil. Naquele ano, de janeiro a julho, foram ao menos 171 invasões de terra e pelo menos 18 assassinatos resultantes de conflitos agrários, segundo dados do então Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Ao todo, foram 75 registros no Nordeste, seguidos das regiões Sul (34) e Sudeste (34), Centro-Oeste (23) e Norte (5). Apenas nos sete primeiros meses de 2004, os 18 assassinatos no campo já superavam em 80% o total registrado em 2000 (10). Em relação a 2001, foram 14 assassinatos, um avanço de 28%. Em todo o ano de 2002, ocorreram 20 mortes ligadas a conflitos fundiários.
Ao final do primeiro mandato de Lula, em 2006, um balanço da Ouvidoria Agrária Nacional mostrou que nos três primeiros anos do governo Lula o número de invasões de terras superou em 55% o registrado nos 36 meses da gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). No mesmo intervalo, a quantidade de assassinatos por causa de conflitos agrários avançou 63%.
Em 2009, já no segundo mandato Lula, o movimento foi responsável por invadir uma fazenda no interior de São Paulo e destruir cerca de mil pés de laranja. À época, a empresa Cutrale, responsável pela fazenda, emitiu uma nota afirmando que a propriedade era extremamente produtiva e gerava centenas de empregos. Além disso, afirmou também que algumas famílias de funcionários, inclusive com crianças, foram expulsas de forma intimidatória pelos invasores, o que prejudicou o acesso dos menores à escola.
Ao todo, foram 1.968 invasões de terra durante os dois mandatos do ex-presidente Lula. Na gestão Dilma, o número caiu para 969. Em 2013, durante o governo da petista, militantes que participavam da Marcha pela Reforma Agrária chegaram a destruir laboratórios da Universidade Federal de Alagoas.
Já em 2015, integrantes do MST ocuparam um centro de pesquisa de uma empresa no interior de São Paulo e destruíram cerca de mil mudas de árvores transgênicas que eram objeto de pesquisa. Sobre esse episódio, o MST justificou a ação como uma denúncia dos supostos “males dos transgênicos” ao meio ambiente e em defesa “da segurança alimentar e de alimentos saudáveis”.
Eles argumentaram, por exemplo, que a espécie de eucalipto em desenvolvimento no centro de pesquisa aumentaria o gasto de água em até 30 litros por dia para cada muda.
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