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O presidente Lula comparou a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto. Os evangélicos se somaram ao coro de repúdio.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Após a manifestação que reuniu centenas de milhares de pessoas em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no último dia 25, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca fortalecer a relação com os evangélicos por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 05/2023. Esta proposta visa conceder isenção fiscal a igrejas e templos religiosos, marcando um possível reinício nas interações entre esse grupo e o Executivo.

No entanto, parlamentares entrevistados pela Gazeta do Povo questionam a eficácia dessa iniciativa, negando perspectivas de uma melhoria significativa na relação. Além disso, os evangélicos tendem a continuar divergindo do governo em pautas de costumes. Uma nova mobilização já deve acontecer na próxima semana porque o STF (Supremo Tribunal Federal) marcou nova sessão na qual o porte de maconha pode ser descriminalizado.

O senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Senado, é um dos parlamentares que compartilham da ideia de que a isenção fiscal para igrejas não vai garantir apoio de evangélicos ao governo Lula. Ao ser questionado sobre o assunto, afirmou que a aprovação da PEC é uma questão previamente acordada entre o Legislativo e o Executivo.

“A meu ver, não muda em nada a relação entre as Frentes Evangélicas, o povo evangélico e o presidente Lula. Nós não estamos defendendo nenhum privilégio que nós queremos, é o que está na lei. As igrejas já têm uma isenção tributária constitucional”, disse o senador.

Ele acrescentou que a bancada foi surpreendida pela decisão do governo Lula em revogar a isenção. “Nós acreditávamos que a questão já teria sido resolvida durante o governo Bolsonaro. Fomos surpreendidos com a decisão do governo de reabrir as discussões, mas nós estamos aqui dispostos a trabalhar, colaborar com transparência, porque nós queremos uma solução final para um direito”.

Na visão do senador Magno Malta (PL-ES), a gesto do governo é uma “armadilha” para o público evangélico. "PT é capaz de tudo e apoiar uma proposta que garanta a ampliação da isenção tributária das igrejas: qual é o propósito? Que nos posicionemos para que eles próprios construam a narrativa. A armadilha está muito mal elaborada. Se alguém deseja saber se os evangélicos querem se aproximar do PT, basta observar as imagens do dia 25/02”, disse o parlamentar.

A declaração do petista acerca de Israel, que comparou os ataques israelenses ao grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza ao Holocausto, acabou abrindo duas frentes de protesto contra o governo: nas ruas e no Congresso Nacional. De modo discreto, o governo tenta reverter o desgaste junto aos parlamentares e a PEC 05/2023 é vista pelos congressistas como uma forma de aceno.

Nos corredores do Salão Verde, governistas se esquivam do tema para evitar mais atritos com a bancada evangélica, uma das maiores do Congresso Nacional - atualmente com 228 congressistas. Apesar da sinalização, e de estar pronta para ser levada ao Plenário da Câmara, a proposta não possui previsão de votação.

Por outro lado, há quem veja de forma positiva a movimentação do governo. O autor da proposta original, o deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), disse à reportagem que a concordância de ministérios em relação ao projeto mostra que o Planalto deseja uma aproximação com o segmento.

"Eu tenho a impressão de que o governo vai apoiar, porque o benefício que as igrejas trazem, tanto na área espiritual como social, é imenso. Tenho repetido sempre: igreja forte é crime fraco, igreja forte é pátria forte, é família forte. Acho que o governo apoiando será benéfico", disse o parlamentar.

Ele acrescentou: "O governo mostra que não tem nada contra as igrejas. Acho que a Frente Parlamentar Evangélica ficou muito grata".

Tentativa de aproximação pode não surtir efeito com eleitores

A avaliação de Crivella sobre o gesto do governo, no entanto, pode não se estender para o eleitorado evangélico - atualmente fiel a Bolsonaro e forte crítico às pautas identitárias defendidas pelo PT. Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte, o pragmatismo da Frente Parlamentar Evangélica em relação ao governo possui um limite.

"Os pastores evangélicos se tornam lideranças políticas na medida em que conseguem se manter próximos dos fiéis que tendem a virar seus eleitores. Se esses líderes começarem a tomar decisões que vão se afastando das crenças e dos interesses dos seus eleitores fiéis no duplo sentido da palavra, eles perdem esse eleitorado. Então, há um limite no pragmatismo deles", disse o analista.

Cerqueira também avaliou que a movimentação do Planalto revela a dificuldade que o PT possui em estreitar o relacionamento com o setor evangélico, mesmo cortejando lideranças no Legislativo.

"O governo, com essa medida, está agradando mais aos pastores e aos deputados pastores do que propriamente os eleitores. É um jogo de cima para baixo que o PT está fazendo. Isso revela a dificuldade que o PT tem de fazer algo que o Bolsonaro conseguiu fazer: uma ligação direta com esse eleitor sem ter que ser intermediado por ninguém. O PT ainda precisa iniciar um diálogo com alguma liderança e esperar que essa liderança consiga favorecer a imagem do partido", acrescentou.

O cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, diz que “a iniciativa em torno da isenção fiscal representa um passo concreto em direção a uma maior compreensão mútua e colaboração”. Entretanto, pondera que o Executivo terá que se esforçar mais para reverter a rejeição entre o segmento.

“A aprovação da isenção fiscal representa um passo positivo, mas a construção de uma relação sólida demandará esforços contínuos para abordar as preocupações e aspirações específicas desse eleitorado, consolidando, assim, uma verdadeira 'bandeira de paz' entre o governo e a comunidade evangélica”, afirmou Juan.

Para Leandro Gabiatti, doutor em ciência política e diretor da Dominium Consultoria, não só a presença, como a viabilização do ato pelo pastor Silas Malafaia, simboliza o quão próximo Bolsonaro está das igrejas, em especial das evangélicas neopentecostais.

Neste contexto, o analista político avalia que a esquerda deve reforçar a tentativa de aproximação com as igrejas evangélicas. "A esquerda pretende abrir canais de diálogo, de aproximação, com os setores da igreja evangélica, até porque sabem do poder político eleitoral que a igreja tem", disse Gabiatti.

Crise com bancada começou com medida da Receita Federal

Além de tentar contornar a polêmica gerada pelas declarações do presidente com os evangélicos, o governo também está lidando com outra questão que provocou atritos com parlamentares. Em 17 de janeiro deste ano, a Receita Federal revogou a isenção fiscal que havia sido concedida por Bolsonaro aos líderes religiosos.

A medida publicada pelo ex-presidente isentava os salários e remunerações pagas pelas igrejas aos pastores e líderes religiosos. No meio evangélico, essas remunerações são conhecidas como prebendas, enquanto no meio católico são chamadas de côngruas.

A norma assinada pelo então secretário especial da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, considerava que só o dinheiro pago por prestação de serviços, como aulas e palestras, era tido como salário. O que excluía a remuneração regular dada pelas entidades religiosas. Com a revogação do governo Lula em janeiro, as igrejas voltaram a pagar Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre qualquer pagamento feito ao clero.

A suspensão foi recebida pelos parlamentares do segmento como "perseguição". Em nota emitida no mesmo dia, os congressistas afirmaram ver "com grande estranheza" a decisão do governo.

"Ficam muito claros os ataques que continuamente vêm sendo feitos ao segmento cristão através das instituições governamentais", disse o documento emitido pela Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. Os parlamentares também afirmaram que medidas dessa natureza "afastam a população cristã" do governo federal.

Na época líder da FPE, o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), considerou “lamentável” e “incompreensível” a decisão da Receita Federal. “Lamentável. Para um governo que diz reconhecer a importância das religiões e a necessidade de aproximação do segmento, fazer um movimento desses é incompreensível”, disse em mensagem enviada à imprensa.

Relacionamento entre Lula e evangélicos foi cercado de conflitos em 2023

Apesar de buscar uma reaproximação com o segmento evangélico, a relação entre Lula e essa comunidade enfrentou vários desgastes ao longo de 2023. O Planalto chegou a ensaiar uma aproximação ao articular com a Frente Parlamentar Evangélica a ampliação da isenção de impostos para entidades religiosas durante a primeira votação da Reforma Tributária (45/2021) na Câmara dos Deputado, em junho.

A medida aprovada pelos parlamentares isenta organizações assistenciais e beneficentes ligadas a igrejas e templos religiosos de pagar alguns impostos, como IPTU, IPVA, Imposto de Renda, ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) e ISS, por exemplo.

A manutenção do benefício durante a tramitação da reforma, que foi aprovada em dezembro, gerou certa expectativa do governo para uma possível aproximação. No entanto, a resolução 715 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que defendeu aborto e tratamento para mudança de sexo aos 14 anos, e as primeiras declarações de Lula sobre Israel causaram o afastamento da bancada. Em novembro, o petista afirmou que o estado chefiado por Benjamin Netanyahu praticava “terrorismo” na Faixa de Gaza.

“Israel fazendo o que está fazendo com hospitais, crianças e mulheres […] é uma atitude igual ao terrorismo. Não tem como dizer outra coisa. Se eu sei que tá cheio de criança naquele lugar, pode ter o monstro lá dentro, eu não posso matar as crianças porque eu quero matar o monstro. Eu tenho que matar o monstro sem matar as crianças”, disse o presidente à época.

O governo chegou a tentar uma nova reaproximação quando o advogado-geral da União, Jorge Messias, era um dos cotados para assumir a vaga da então ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao participar da VI Conferência Regional da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, Messias pediu "a torcida de evangélicos" à gestão de Lula.

"Destaquei a relevância da contribuição dos evangélicos para o debate democrático. Os convidei a conhecer e fazer parte dos conselhos de participação social do Poder Executivo. Deixei uma mensagem de paz e pedi orações para que nosso país seja um lugar de entendimento e harmonia", escreveu.

Para a nomeação de Flávio Dino ao STF, o governo também entrou em campo atrás de senadores da Frente Parlamentar Evangélica para que o então ministro da Justiça e Segurança Pública tivesse uma aprovação mais folgada. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que também é evangélica, chegou a ser escalada para conquistar o apoio e realizou contatos com os colegas.

Em dezembro, o governo buscou novamente se aproximar do segmento por meio dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O objetivo do governo era treinar integrantes de igrejas para cadastrar pessoas em situação de vulnerabilidade nos programas sociais, como Bolsa Família, Farmácia Popular, Minha Casa, Minha Vida e Luz para Todos.

A próxima semana deve trazer ainda mais desgaste para a relação de Lula com os evangélicos. O STF marcou a continuidade de uma votação que deve resultar na descriminalização do porte de maconha. Parlamentares de oposição já se articulam para envolver a Frente Parlamentar Evangélica em um esforço para que o Congresso legisle sobre o tema com o objetivo de que a decisão do Judiciário não prevaleça. O governo Lula, por sua vez, vem apostando em políticas de desencarceramento que se chocam com a ideia do combate às drogas. Mais uma vez, o governo e os evangélicos devem se ver em trincheiras opostas.

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