A CPI da Covid no Senado recebeu nesta sexta-feira (18) dois médicos favoráveis aos uso de medicamentos do chamado "tratamento precoce" contra a Covid-19. Em depoimento aos senadores, Francisco Cardoso Alves e Ricardo Ariel Zimerman criticaram a politização do tema e o uso do termo "kit-covid" para se referir a remédios como ivermectina e hidroxicloroquina.
Eles deram testemunhos da suposta eficácia dos medicamentos, que não são recomendados pela comunidade científica para tratar o coronavírus, e defenderam a autonomia médica para prescrever o tratamento que o profissional de Medicina achar mais apropriado ao paciente.
Francisco Cardoso Alves é médico especialista em Infectologia pelo Instituto Emílio Ribas e diretor-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP). É apontado como um dos coautores da nota informativa do Ministério da Saúde que dava orientações para o tratamento precoce da Covid-19.
Ricardo Zimerman é médico infectologista e ex-presidente da Associação Gaúcha de Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar.
Profissionais defendem autonomia médica
Em sua apresentação inicial, os especialistas defenderam a autonomia médica para a prescrição de tratamentos ao paciente, seja contra a Covid ou qualquer outra doença, afirmando que essa é uma atribuição que não pode ser regulada por nenhum ente federativo. “Se permitirmos que isso ocorra, será o fim da civilização e o início da barbárie em saúde”, enfatizou o médico Francisco Cardoso Alves, relatando que suas experiências pessoais com pacientes têm se mostrado bem sucedida.
“Em minha vivência em Covid-19, já atendi mais de mil casos, muitos graves, mas com poucos óbitos graças a Deus. A equipe com a qual trabalhamos em São Paulo já atendeu a mais de 4 mil casos com pouquíssimos desfechos fatais. Nós temos resultados. Não é opinião. Se o remédio funciona, se ele deve ser aplicado ou não de acordo com o caso clínico, dentro da autonomia médica, compete aos médicos, sob a guarda do CFM e dos conselhos regionais de Medicina”, disse.
“Se nesse momento eu não consigo descrever com precisão o mecanismo de ação, isso é secundário. Que os cientistas pesquisem e publiquem. Nós médicos estamos aqui para atender as pessoas e salvar vidas”, enfatizou.
Medicina baseada em evidências
Já o médico Ricardo Zimerman afirmou que quem tem que dar satisfação para os familiares dos pacientes são os próprios médicos, portanto, cabe eles prescrever a medicação adequada.
“Fazemos isso com base na nossa autonomia na prescrição de medicações off-label que nos é garantida pela nossa autarquia. Quem garante a nossa prática está nos defendendo e nos permitindo que nesse momento de extrema coerção que alguns colegas estão sofrendo ainda possamos tratar a nossa população”, disse.
Zimeman afirmou ainda que os profissionais devem seguir a medicina baseada em evidências, não apenas em ensaios clínicos. Para ele, estudos observacionais mostraram a eficácia de medicamentos como ivermectina contra a doença e não podem ser descartados. “Dizer que estudo observacional não serve não é baseado em evidência.”
Atendimento precoce e automedicação
Perguntados pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS) sobre a "abordagem precoce", os dois médicos afirmaram que as pessoas que apresentem sintomas da Covid-19 devem buscar tratamento imediato e que esse precisa ser individualizado.
Zimerman afirmou ainda que a automedicação por cloroquina não deve ser usada de forma indiscriminada pela população e defendeu novamente que seu uso seja prescrito por um médico, destacando os riscos do seu uso de forma descontrolada.
“É fundamental que os fármacos sejam prescritos por um médico e haja o acompanhamento porque algumas dessas drogas têm doses letais. E a cloroquina é um exemplo clássico. As pessoas podem morrer envenenadas pela cloroquina e infelizmente isso não é difícil de acontecer”, enfatizou. “É uma catástrofe a administração de uma dose errada. Não pode. E isso tem que ficar claro.”
De acordo com ele, o uso desses medicamentos não pode ser feito por um kit fixo, sem a prescrição de um médico e sem a individualização para avaliar possíveis contraindicações.
Coerção contra o tratamento precoce
Ao ser questionado pelo senador Jorginho Mello (PSL-SC) a respeito da pressão sobre os médicos que indicam o uso de medicamentos do chamado tratamento precoce contra a Covid-19, Francisco Alves afirmou que tem sido alvo de ataques com matérias inverídicas desde que se posicionou publicamente a favor do uso de tratamentos contra a Covid.
Segundo ele, o uso do termo “tratamento precoce” é um erro. “Não existe tratamento precoce. Existe tratamento. Nenhum médico espera um câncer ficar do tamanho de um abacate para propor um tratamento para o cidadão. Então esse termo que acabou surgindo para tentar indicar que o tratamento deveria começar o mais cedo possível diante dos sinais de sintomas acabou estigmatizado. Custa a quem o defende vários ataques, dentro e fora das instituições onde a gente trabalha”, diz.
“Mas a gente não liga. Estamos com a razão. Estamos salvando vidas dentro da nossa experiência e observação, são milhares de vidas salvas com o tratamento.
Para Ricardo Zimerman, essa divisão na comunidade médica de especialistas que defendem ou rechaçam o tratamento inicial contra a Covid-19 é causada pela politização no uso do medicamento e o chamado “viés de confirmação”.
“Acho que isso é explicado pela politização que aconteceu, o que para mim causa surpresa, pois não sou filiado a nenhum partido político e o próprio juramento do médico é apolítico e apartidário”, disse Zimerman. “Não há dúvida de que ocorre é uma espécie de viés de confirmação. Ou seja, se você já decidiu qual é o seu lado, você só vai ler aquilo que reforça o que você diz e não vai querer ler aquilo que diz o contrário”, reforçou.
Questionado pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-AC) se a propaganda da hidroxicloroquina feita pelo presidente Jair Bolsonaro contaminou o debate sobre o medicamento, o médico afirmou que a promoção pode sim ter atrapalhado: "Talvez tenha atrapalhado. A gente deveria deixar o assunto despolitizado", disse Zimerman.
Relator da CPI anuncia lista com 14 investigados
O início dos trabalhos da CPI da Covid foi marcado por um bate-boca entre senadores, debandada da oposição e até pedido de convocação dos representantes do Facebook e do Youtube no Brasil para explicarem as lives conduzidas toda quinta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro.
Ainda pela manhã, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), anunciou uma lista de 14 testemunhas que passaram para a condição de investigados. Entre elas, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; os ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores); e o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fábio Wajngarten.
Próximos depoimentos
Na próxima semana a CPI da Covid deve ouvir os depoimentos do ex-ministro da Cidadania do governo Bolsonaro, deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), e do assessor internacional da Presidência da República Filipe Martins.
Os dois são apontados como integrantes de um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente da República no combate à pandemia. O depoimento de Terra está marcado para acontecer na terça-feira (22). Já Martins deve falar na quinta-feira (24).
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