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O Ministério Público do Paraguai abriu uma investigação para apurar uma possível espionagem da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) contra autoridades do país. De acordo com informações reveladas pela imprensa brasileira, a agência teria feito ataques hackers ao Paraguai com a intenção de investigar e monitorar dados referentes às negociações do Anexo C, que trata das tarifas, do acordo de Itaipu.
"De acordo com a análise preliminar [do governo paraguaio], os fatos poderiam configurar as modalidades criminais de acesso indevido a dados, acesso indevido a sistemas informatizados e interceptação de dados, previstas na legislação penal paraguaia", diz o MP do Paraguai.
Após a repercussão do caso, que foi revelada pelo portal UOL, o governo do Paraguai deu início à uma investigação do caso. Ao longo desta semana, o embaixador do Brasil em Assunção e o embaixador do Paraguai em Brasília, foram convocados pela chancelaria paraguaia para prestar mais esclarecimentos sobre o caso envolvendo a Abin.
No meio diplomático, convocar um embaixador para prestar esclarecimentos é um sinal e um recado de desaprovação a aquele país. No encontro com embaixador brasileiro no Paraguai, o governo do país pediu um relatório detalhado sobre o caso que, conforme a Gazeta do Povo apurou, o governo brasileiro já tem tomado as providências cabíveis para que fosse feito.
No encontro com o embaixador paraguaio no Brasil, Juan Ángel Delgadillo, que ocorreu nesta quinta-feira (3), o chanceler do Paraguai, Rubén Ramírez Lezcano, pediu mais esclarecimentos sobre a suposta espionagem da Abin. De acordo com o governo do país, o chanceler também deu ordens a Delgadillo sobre o caso e os dois manterão a partir de agora monitoramento constante para acompanhar desdobramentos do caso.
Além disso, membros da diplomacia brasileira já estão em contato com o governo paraguaio para tratar do tema. A reportagem ainda apurou que no mesmo dia da divulgação da reportagem do UOL, na última segunda-feira (31), o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, telefonou a Lezcano para tratarem das informações que foram divulgadas.
Nesta sexta-feira (4), o presidente do Paraguai, Santiago Peña, comentou pela primeira vez sobre o que chamou de "notícia muito desagradável". O Paraguai tem uma história bastante dura na região. Em um momento de nossa história enfrentamos uma guerra de extermínio como foi a guerra da Tríplice Aliança, com três irmãos: Uruguai, Argentina e Brasil, mas principalmente liderada pelo Brasil", disse.
"O Brasil ficou no território paraguaio por quase uma década. São feridas que estamos buscando curar, e esse episódio, lamentavelmente, o que faz é abrir essas velhas feridas, quando o que queremos é deixar para trás essa história de ódio e ressentimento", declarou em entrevista à rádio argentina Mitre.
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Vazamento da notícia gera incômodo no Itamaraty e na Abin
O vazamento da informação para a imprensa já tem gerado incômodo entre membros do Ministério das Relações Exteriores e também entre agentes da Abin. Nesta quinta (3), a embaixadora Gisela Padovan, que é secretária de América Latina e Caribe, lamentou o ocorrido e a divulgação do caso.
"As instituições envolvidas estão fazendo seus processos internos de averiguação, inclusive do lamentável vazamento à imprensa, [isso] não deveria ter ocorrido. Porque há coisas que são feitas mas que não devem ser publicadas por razões óbvias”, declarou Padovan. A embaixadora também afirmou jamais "passaria pela cabeça espionar um país amigo" como o Paraguai.
Antes disso, o Itamaraty já havia se pronunciado oficialmente sobre o tema. Em nota, responsabilizou a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela ação de espionagem. "A citada operação foi autorizada pelo governo anterior, em junho de 2022, e tornada sem efeito pelo diretor interino da Abin em 27 de março de 2023, tão logo a atual gestão tomou conhecimento do fato”, disse o Ministério das Relações Exteriores.
O vazamento da notícia à imprensa também gerou incômodo entre funcionários da agência. De acordo com a CNN Brasil, a Abin procurou o governo federal nesta semana para tratar do respaldo e sigilo das investigações conduzidas pela agência. Ainda segundo o veículo, a Abrin pretende contar com o Congresso Nacional para discutir meios de garantir maior respaldo ao trabalho realizado pela inteligência.
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Diplomacia avalia que tratativas sobre Itaipu sofrem com o caso
Para diplomatas do Palácio do Itamaraty, a atual situação ainda atrapalha um avanço nas negociações sobre o Anexo C do Acordo de Itaipu, que os dois países ainda não chegaram a um consenso. O caso já trouxe ainda uma reação concreta do governo paraguaio, que decidiu suspender as negociações.
"O Governo do Paraguai decidiu suspender temporariamente todas as negociações relacionadas ao Anexo C do Tratado de Itaipu, até que o Brasil apresente as declarações correspondentes sobre a ação de inteligência ordenada contra nosso país em 2022", informou o governo do Paraguai através de nota.
Conforme apurou a Gazeta do Povo, a avaliação é de que a situação protela ainda mais um acordo entre as duas partes e "joga uma pá de cal" nas negociações. O diálogo entre as duas chancelarias está mantido, mas agora deve haver um esforço maior do governo brasileiro para andar com o tema.