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Crise entre Poderes

No Senado, PL da dosimetria vira teste de força entre Alcolumbre e governo Lula

Lula Davi Alcolumbre dosimetria
O presidente Lula e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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A aprovação do PL da dosimetria pela Câmara reacendeu a crise entre o Palácio do Planalto e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e transformou a tramitação do texto em mais um teste de força entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso. Assessores presidenciais viram uma “dobradinha” entre Alcolumbre e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na decisão de pautar o projeto ainda em 2025 — movimento interpretado por líderes do PT como recado direto a Lula, com quem ambos têm acumulado divergências.

Pouco depois de Motta anunciar a votação na Câmara, Alcolumbre afirmou que colocaria o texto para análise no Senado ainda neste ano, caso fosse aprovado pelos deputados. A sinalização coordenada reforçou a percepção de alinhamento entre os dois presidentes do Legislativo em meio ao desgaste provocado pela indicação de Jorge Messias ao STF e o rompimento com o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias. Motta levou o texto ao plenário em uma sessão conturbada, surpreendendo o Planalto.

Apesar da derrota do governo na Câmara e da crise com Alcolumbre no Senado, Lula tentou, nesta quarta-feira (10), minimizar a crise com o Legislativo. “Estou muito tranquilo com o que está acontecendo no Brasil. Essa desavença é própria da democracia”, afirmou o presidente.

As declarações ocorreram horas após a Câmara aprovar um projeto que reduz penas de envolvidos nos atos de 8 de janeiro, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — pauta que sempre foi uma das principais bandeiras da oposição. Os parlamentares da direita defendem a anistia ampla, mas, por ora, aceitaram a dosimetria.

Crise após indicação de Messias ao STF favorece cenário para aprovação da dosimetria no Senado

Até então visto como o ponto de apoio do governo diante das diversas crises com o Congresso, o presidente do Senado entrou em rota de colisão com o Planalto após a indicação de Jorge Messias para o STF ainda em novembro. Senadores admitem nos bastidores que Alcolumbre se sentiu preterido por Lula, já que o petista não o comunicou da escolha e ignorou sua preferência pelo nome do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ex-presidente da Casa.

Desde então, o presidente do Senado passou a articular, nos bastidores, para inviabilizar a aprovação de Messias. A sabatina estava marcada para acontecer ainda neste ano, mas, diante do cenário de derrota, o Executivo não oficializou a indicação, o que fez Alcolumbre postergar a votação para o ano que vem enquanto criticava a postura omissa do governo.

Assim como fez com a indicação para o STF, a intenção do Executivo é justamente tentar postergar para 2026 a votação do PL da dosimetria no Senado. O líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), afirmou que o objetivo do Planalto é derrotar o texto já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que será a primeira a analisar a proposta.

A expectativa é de que o relator, Esperidião Amin (PP-SC), apresente na próxima quarta-feira (17) o seu parecer. Para atrasar a votação, uma das estratégias será apresentar um pedido de vista na CCJ, o que poderia jogar o debate para depois do recesso, que começa no dia 20. As atividades parlamentares serão retomadas apenas em 2 de fevereiro de 2026.

O presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), no entanto, afirmou que houve acordo com líderes da Câmara e do Senado — incluindo Alcolumbre — para que o projeto não seguisse direto ao plenário, mas que fosse aprovado ainda neste ano. “A CCJ tem dado sua contribuição no aperfeiçoamento das matérias”, disse.

Mesmo que o texto seja aprovado no Senado ainda em 2025, Lula não terá pressa: o prazo de 15 dias para sanção ou veto se estenderia pelas festas de fim de ano e, na prática, terminaria só em 2026.

“Há um afã. Alguns dizem que essa dosimetria é um primeiro passo para a anistia. Eu não vou discutir isso porque eu não vou falar de futurologia. Acho que, às vezes, a gente fica brigando por aquilo que não precisaria brigar”, disse Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado.

Governo Lula aposta no recesso para "distensionar" relação com Alcolumbre

A estratégia do Planalto, segundo aliados da articulação política, permanece a mesma: multiplicar gestos públicos e privados aos presidentes das duas Casas para tentar distensionar o ambiente. A ordem é insistir na via do diálogo, enquanto a base trabalha nos bastidores para retardar a tramitação do PL da dosimetria e impedir novas derrotas no Congresso.

Diante do agravamento da crise, a ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, tem feito acenos públicos a Alcolumbre. Nas redes sociais, afirmou que o governo mantém “o mais alto respeito e reconhecimento” pelo presidente do Senado. A expectativa dos governistas é de que justamente o período de recesso seja usado para distensionar a relação, principalmente com Alcolumbre.

Em meio ao tensionamento crescente, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou “não ter dúvidas” de que a crise será superada e classificou a resistência à indicação de Jorge Messias ao STF como um desentendimento “pontual”. “Eu acredito sempre no diálogo, na busca pelos problemas reais da sociedade. Dialogar para construir maioria nas Casas parlamentares é extremamente natural, e qualquer estresse que seja pontual, eu tenho absoluta convicção de que será resolvido para o bem do Brasil”, disse o ministro durante visita ao Senado.

Silveira também reforçou que cabe ao presidente Lula decidir quando intervir diretamente na crise. “Quem sabe a hora de o presidente Lula entrar em qualquer discussão é o presidente Lula [...], que tem uma responsabilidade e uma experiência tremenda no trato com a coisa pública e na relação democrática com o Parlamento Nacional”, completou.

Apesar dos acenos, a temperatura política segue elevada. Interlocutores de Alcolumbre afirmam que ele vê a indicação de Jorge Messias como a ruptura de um acordo tácito e de um canal de confiança construído ao longo do mandato. O presidente do Senado considera que foi colocado em uma posição de “espectador” em uma decisão estratégica, o que explica sua disposição inédita de usar a pauta legislativa como instrumento de pressão.

À Gazeta do Povo, o cientista político Rafael Favetti afirmou que a crise entre Senado e Presidência da República estourou em um ambiente já saturado por conflitos. Ele destacou que a revelação dos escândalos do Banco Master, alcançando políticos de vários partidos, também contribuiu para a elevação da ansiedade. “A política vive cenário tenso, em que cada caso requer negociação própria. Com distanciamento, tudo empaca”, avaliou.

Já Leandro Gabiati, professor de Ciência Política do Ibmec-DF, salientou que o atual distanciamento entre Executivo e Congresso pode aprofundar a dificuldade de construir consensos. “Por sua própria natureza, os poderes são forçados a dialogar. Quando essa interação se rompe, quem perde mais é sempre o Executivo”, afirmou.

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