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Conselho Nacional de Justiça
Fachada da sede do CNJ. Foto: Gil Ferreira / CNJ| Foto: Agência CNJ

Medida prioritária para a segurança dos membros do Poder Judiciário, apontada pelos próprios magistrados, a criação de varas colegiadas para instrução, julgamento e execução das penas de delitos cometidos por organizações criminosas é discutida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Agora, veio a oportunidade de colocar a ideia em prática.

O debate deve marcar as sessões das comissões especiais do Congresso que irão discutir o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o PL 10.372/2018, resultado da comissão de juristas coordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A efetivação de colegiados para analisar crimes de maior gravidade foi apontada como a medida de segurança mais importante por 48,5% dos juízes de primeiro grau e 52,8% dos juízes de segundo grau, segundo a pesquisa “Quem Somos – a magistratura que queremos”, encomendada pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e divulgada em fevereiro. O índice é mais que o dobro da segunda medida mais votada, a escolta pessoal. Depois delas, por ordem de prioridade, estão a blindagem de veículos oficiais, a mudança de localização do fórum para áreas centrais da cidade e a alteração do horário de trabalho.

Varas colegiadas para casos de organizações criminosas

A primeira vara colegiada para julgamento de crimes de organização criminosa foi criada em 2007, em Alagoas, estado que proporcionalmente mais tem magistrados ameaçados no país: 47 juízes ameaçados a cada mil, sendo que a média no Brasil é de 6 juízes ameaçados a cada mil.

Desde 2012, com a promulgação da Lei 12.694 – que surgiu de um projeto da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) coordenado pelo então juiz Sergio Moro, em 2006 – qualquer juiz pode pedir a instauração de um colegiado para praticar atos em processos que envolvam organizações criminosas.

Os juízes podem, fundamentando o pedido, convocar mais dois colegas, que devem ser escolhidos por sorteio, para decidir conjuntamente desde a fase de instrução processual, passando pela sentença e chegando até mesmo na fase de execução penal, em decisões de transferência de presos ou mudança para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

A lei permite ainda que as decisões sejam sigilosas, sem que eventual opinião divergente deva ser manifestada na decisão, como ocorre nas decisões de segunda instância, em que os desembargadores dão a decisão final em conjunto e todos os votos são publicados.

O que o CNJ está discutindo

Embora não haja números oficiais sobre quantos incidentes desse tipo já foram suscitados no Brasil, a percepção geral é que a opção ainda é tímida entre os membros do Poder Judiciário.  Por isso, o grupo de trabalho de segurança pública do CNJ discutem a edição de uma Recomendação para que os tribunais do país criem varas colegiadas para processar delitos cometidos por organizações criminosas.

O debate é coordenado pelo ministro Alexandre de Moraes e pelo Comitê Gestor Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário (SINASPJ), presidido por Márcio Schiefler, conselheiro do CNJ e juiz de direito em Santa Catarina. “A Lei 12.694/2012 é ainda incipiente e tem alguns problemas”, disse Schiefler à Gazeta do Povo.

“Um dos problemas que se levanta com essa lei é que o próprio juiz tem que se colocar em uma situação de incapacidade de lidar com aquela situação. O que o ministro Alexandre de Mores e nós no grupo de trabalho também defendemos é que é necessário um regramento que já defina de antemão varas que serão presididas por esse grupo de juízes”, explica.

Veja também:É copia e cola? Quais as diferenças entre os projetos anticrime de Moro e Alexandre de Moraes

Schiefler pondera ainda que o CNJ não pode obrigar os tribunais brasileiros nessa matéria, porque não se trata de uma questão meramente administrativa, mas de jurisdição. “O que nós podemos fazer é propiciar aos tribunais brasileiros normas ou o respaldo normativo para que aqueles tribunais que quiserem instalem esse tipo de vara”, diz.

A preocupação é compartilhada por outros membros do Poder Judiciário. O desembargador César Mecchi Morales, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) ressaltou a inibição dos juízes em suscitar o compartilhamento de um processo com outros colegas, durante o seminário Segurança Pública e Políticas Judiciárias, realizado em fevereiro em Brasília . Ele levantou outras duas hipóteses para explicar a situação: “dificuldade de formação no colegiado” por falta de regras e “oposição de defensores”, fazendo os juízes desistirem do pedido por receio de recursos que atrasassem demais os processos.

Momento propício para o debate

Para Schiefler, a resposta que o CNJ pode dar à situação depende das soluções que vierem do Poder Legislativo – e os dois projetos que devem dominar a pauta da segurança pública nos próximos meses tratam do tema. No pacote anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro ao Congresso, há uma previsão para modificar a Lei 11.671/2008, que trata da transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima.

De acordo com o projeto, “as decisões relativas à transferência ou à prorrogação da permanência do preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, à concessão ou à denegação de benefícios prisionais ou à imposição de sanções ao preso federal poderão ser tomadas por colegiado de juízes, na forma das normas de organização interna dos Tribunais”.

Já o PL 10.372/2018 é mais abrangente. Fruto de uma Comissão de juristas estabelecida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ainda em outubro de 2017, e presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, o projeto deve tramitar na mesma Comissão especial que o pacote anticrime do ministro Sergio Moro. A proposta é alterar a Lei 12.694/2012, que passaria prever que “os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais instalarão, nas comarcas sedes de Circunscrição ou Seção Judiciária, mediante resolução, Varas Criminais Colegiadas com competência” para julgar crimes de organização criminosa.

O projeto também pretende afastar qualquer dúvida sobre o juiz natural da causa, evitando anulações posteriores do processo, ao prever que “ao receber, segundo as regras normais de distribuição, processos ou procedimentos que tenham por objeto os crimes mencionados no caput, o juiz deverá declinar da competência e remeter os autos, em qualquer fase em que se encontrem, à Vara Criminal Colegiada de sua Circunscrição ou Seção Judiciária” e que “feita a remessa mencionada no parágrafo anterior, a Vara Criminal Colegiada terá competência para todos os atos processuais posteriores, incluindo a fase de execução”.

A experiência de Alagoas

Enquanto a instalação de varas colegiadas não se torna obrigatória em todos os tribunais do país, uma solução que já está à disposição das Justiças Estaduais é a sua criação por meio de normas estaduais. O estado do Alagoas criou a 17ª Vara Criminal de Maceió, em 2007, na esteira da edição de uma Recomendação do CNJ, de 2006, para a criação de varas especializadas, durante a gestão da ex-ministra Ellen Gracie. A norma foi questionada no Supremo pela OAB (leia mais abaixo), mas a existência desse tipo de vara foi permitida pelo tribunal.

Para o titular da vara, juiz André Avancini, a experiência é positiva. “De certa forma, a vara dissolve a responsabilidade daquele ato e determinado juiz não fica tachado. Eu me sinto mais seguro, com certeza”, diz. A 17ª Vara de Maceió julgou 512 processos desde 2013, quando passou a tabular os dados, com um pico de 256 processos julgados em 2016. Até este mês de 2019, já foram 14. Segundo o magistrado, a maior parte dos casos refere-se ao tráfico de drogas, roubos de bancos e cargas e corrupção de gestores públicos – mas todos devem ser cometidos por organização criminosa para serem julgados pela vara.

O colegiado de Alagoas também só decide por unanimidade. “Ao menos dois assinam todas as decisões e não há declaração de voto contrário”, explica – mas não é possível concluir que as decisões assinadas apenas por dois juízes indicaram uma divergência. “Geralmente, até o terceiro que diverge assina a decisão”, diz Avancini. “O que acontece é que às vezes, por logística, nem sempre os três titulares estão atuando ao mesmo tempo”, completa.

Avancini também destaca a especialização da vara colegiada, que fica em Maceió, mas julga casos de todo o estado, e assim protege também juízes do interior do estado. “Às vezes, há uma organização criminosa atuando no interior, e o juiz e o promotor estão lá no interior, sozinhos, sem o mesmo aparato de segurança que há na capital”, explica.

A posição do STF

A atual versão da vara colegiada de Alagoas é fruto de um ajuste, depois que o STF aceitou em parte, em 2012, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a de número 4414, proposta pela OAB e que argumentava a total inconstitucionalidade da lei estadual. O principal efeito da decisão do Supremo foi declarar, contrariamente ao pedido da OAB, a constitucionalidade da criação de colegiados de juízes no primeiro grau; a possibilidade dos juízes decidirem em conjunto, sem publicação de voto divergente; e a permissão para que uma única vara tenha competência sobre o estado todo.

O ministro Luiz Fux, relator da ação, argumentou que a Constituição Federal deixou aberta a possibilidade de criação de varas colegiadas na primeira instância por leis estaduais, posição seguida pela maioria do STF. “E a composição colegiada do órgão jurisdicional é fator que desestimula e dificulta a ação de meliantes, dando conforto e segurança aos componentes do juízo para decidir de acordo com o direito”, acrescentou.

A primeira versão da lei previa um colegiado de cinco juízes. Na versão atual, são três. “Para o Conselho Federal da OAB, esses dispositivos criam a figura do juiz sem rosto, pois os cinco magistrados agiriam sem se identificar. Esse argumento não procede, pois o parágrafo único do art. 4º é cristalino ao dispor que os atos processuais devem ser assinados”, argumentou o ministro Luiz Fux, relator da ação, que foi seguido pela maioria do tribunal.

“A existência de um órgão especializado em razão da matéria não exclui a possibilidade de a lei estadual delimitar a sua atuação apenas a certa comarca, o que significaria que, em outras localidades, a competência territorial teria precedência sobre aquela da Vara especializada. Por outro lado, nada impede que a Lei, como ocorre no caso, atribua a um órgão competência territorial que englobe todo o Estado”, argumentou Fux sobre a competência da vara para julgar delitos de todo o estado.

A segurança dos juízes no Brasil

De acordo com o último relatório “Diagnóstico da Segurança Institucional do Poder Judiciário”, divulgado em 2018 pelo CNJ, 110 magistrados estavam sob ameaça em 2017 em 30 tribunais do Brasil. Em 2016, eram 131. Desses magistrados ameaçados, 83% eram juízes titulares de primeiro grau, 11% juízes substituto e apenas 5% são desembargadores.

Os estados em situação mais crítica são Alagoas, com 47 magistrados ameaçados a cada mil, e Roraima, com 43. Acima da média nacional - de seis ameaçados a cada mil - estão ainda Tocantins (27), Rondônia (24), Acre (20), Pará (19), Amazonas (17), Paraná (13) e Rio de Janeiro (13), Bahia (11), Amapá (10), Rio Grande do Norte (9) e Goiás (7).

Márcio Schiefler, do CNJ, faz questão de ressaltar, no entanto, que as varas colegiadas não apenas protegerão mais os juízes, mas aumentarão a eficiência da Justiça. “Um colegiado de juízes está constantemente em discussão e isso dá um ganho qualitativo que se reflete não só no ritmo de julgamento daquela vara, mas vai se refletir em um índice de recorribilidade e reforma menor daquelas sentenças”, diz. “Virão decisões mais robustas e mais maduras da primeira instância”, completa.

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