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ONGs ambientalistas internacionais ganham espaço no governo para pressionar agro
Ministério da Agricultura criou câmara temática com ONGs ambientalistas internacionais para debater agrocarbono sustentável.| Foto: Divulgação/MInistério da Agricultura

Organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas internacionais, como o Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil), a Climate Policy Initiative (CPI) e a The Nature Conservancy (TNC) farão parte da Câmara Temática para tratar do "agrocarbono". A Câmara é ligada ao Conselho de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e terá como objetivo “reforçar políticas públicas que promovam a sustentabilidade do agro”. A participação dessas entidades, no entanto, é considerada uma forma de pressão pelas pautas ambientais no agronegócio brasileiro.

Para o deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP), a composição do colegiado gera um conflito de interesses. “Há grande conflito de interesse em ter essas ONGs tendo qualquer papel na formulação de política pública agroambiental no Brasil”, afirma o deputado.

O advogado especialista em direito ambiental, Georges Humbert, que é presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), diz que colegiados com esse tipo de composição podem gerar soluções distorcidas. “[Soluções] contrárias ao interesse coletivo pátrio, à soberania nacional e à segurança alimentar e energética do Brasil e do planeta. Em favor de interesses obscuros do capital internacional, travestido de zelo ao meio ambiente”, completou Humbert.

Organizações ambientais vêm pressionando para que agro brasileiro também seja incluído no projeto de lei que regulamenta o mercado de créditos de carbono, em discussão no Senado. No âmbito internacional, a União Europeia chegou a propor no ano passado, no contexto das discussões sobre o acordo de livre comércio com o Mercosul, a aplicação de sanções ao Brasil em caso de descumprimento de obrigações climáticas, uma proposta que foi considerada, inclusive pelo governo Lula, como protecionista.

A Câmara Temática se reunirá pela primeira vez na próxima quarta-feira (6). Quando sua criação foi anunciada, em novembro de 2023, ela teria 44 membros, mas a portaria de nomeação envolveu 74 entidades, em sua maioria ligada a diversos setores do agronegócio. As ONGs, bem como as demais entidades, foram indicadas para compor a Câmara Temática por meio de portaria assinada pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.

O Ministério da Agricultura informou que o colegiado será formado por pelo menos quatro grupos temáticos que tratarão de taxonomia (sistema de classificação dos seres vivos); rastreabilidade e certificações; finanças sustentáveis e a participação nos mercados de carbono.

Colegiado com ONGs ambientalistas pode causar impactos negativos no agro

A criação da Câmara Temática e a sua composição geraram preocupações com os possíveis impactos negativos gerados pelas deliberações que podem nortear as políticas públicas do setor.

O ex-secretário de Clima e Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente, empreendedor e produtor rural Eduardo Lunardelli Novaes, apontou o grande número de entidades envolvidas como um problema.

“Querem passar a impressão de grande representatividade, mas não é verdade. Grupos dessa magnitude são disfuncionais para a produção coerente de propostas. Dito isso, funcionam exclusivamente para validar propostas do governo”, disse Novaes.

Para Novaes, a participação das ONGs ambientalistas deverá pressionar a produção agropecuária de “forma deletéria”.

“Organismos internacionais não deveriam participar da produção de políticas públicas brasileiras. Não dessa forma. Afinal, para quem o governo trabalha? Para o brasileiro ou para os interesses estrangeiros? Creio que a principal conclusão é que, nesse modelo, o governo faz parecer que ouve a sociedade, mas somente usa muitas entidades para validar o que quer”, pontuou o produtor rural.

Ele entende que, neste contexto, pequenos produtores, em especial pecuaristas, podem ser prejudicados por políticas públicas sustentáveis que possam ser analisadas pela Câmara Temática, como mudanças na rastreabilidade de bovinos, para identificação da origem do animal, e o controle da atividade agropecuária pelo sistema financeiro. Ele explica que, neste último caso, os produtores que eventualmente tenham cometido infrações ambientais, por exemplo, poderão ser punidos com a restrição a investimentos ou acesso a crédito nos bancos. O mesmo pode ocorrer caso não sejam cumpridas exigências em relação às metas de acordos climáticos, por exemplo.

Novaes ainda afirma que "a lógica dos estrangeiros, da indústria e de instituições financeiras devem ser priorizadas" e, sendo assim, deverá prevalecer sobre os pequenos produtores, em especial os pecuaristas. “É o pequeno que deverá ser prejudicado porque, em princípio, não terá condições de se adequar a eventual regulação”, opina.

Há também a preocupação, entre especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, com a reserva de mercado e com o protecionismo em detrimento ao protagonismo, sustentabilidade e inovação do agro brasileiro. “Qualquer órgão que trate temas afetos a esse campeão e orgulho nacional, que assegura a preservação ambiental, ganhos sociais e a nossa balança econômica, deve ter como base prioritária de escuta o próprio agro”, pontua o advogado Georges Humbert.

Para Humbert, o Brasil precisa pleitear, no plano internacional, a remuneração do mundo ao Brasil e ao agro, em especial, no mercado de carbono. “Não parece ser esse o interesse dessas ONGs. Elas devem fazer prevalecer o interesse externo ao interno, em prejuízo do Brasil e, o que é mais grave, em última análise, dos brasileiros mais pobres e vulneráveis”, diz o advogado.

Transversalidade da pauta ambiental é defendida pelo governo Lula 

Uma das premissas da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem sido a transversalidade na pauta ambiental. Ela defende que a agenda ambiental tem que estar presente em todas as áreas de governo.

A posição foi levada em consideração pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e boa parte dos ministérios tem secretarias ou diretorias que tratam da questão ambiental. É o caso do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, por exemplo, que tem em sua estrutura organizacional a Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria (SEV).

No entanto, a participação de entidades ambientalistas em colegiados que tratam temas afetos ao agronegócio não encontra um equivalente quando são considerados os colegiados dos quais o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA) é protagonista.

Com base em informações obtidas no Painel de Informações de Colegiados (PIC) do Ministério do Meio Ambiente, é possível observar que mesmo em grupos de trabalho em que os temas são relacionados ao agronegócio, como é o caso do licenciamento ambiental e da gestão ambiental rural, a participação de membros ligados ao agro é restrita.

Embora não haja um colegiado equivalente à Câmara Setorial do Agrocarbono no guarda-chuva do ministério de Marina, a representação do agronegócio no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), é limitada.

Nas cinco câmaras temáticas do Conama, o agro tem como único representante direto a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que é classificada como entidade empresarial. Enquanto isso, as entidades ambientalistas são uma categoria à parte e são representadas em maior número.

O Conama é um órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional de Meio Ambiente que trata de políticas nacionais e diretrizes ambientais, bem como da fixação de normas e critérios para o uso dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente.

Por meio de resoluções, historicamente já houve uma série de normas formuladas pelo colegiado que afetaram o agronegócio, como em casos em que se tratava de licenciamentos ambientais para a produção agropecuária e a utilização de defensivos agrícolas, por exemplo.

Interferência de ONGs ambientalistas no Brasil foi tema de CPI no Senado

Durante o ano de 2023, o Senado Federal, por iniciativa do senador Plínio Valério (PSDB-AM), investigou a atuação de entidades internacionais nas políticas públicas brasileiras, bem como buscou mapear essas entidades. Durante os trabalhos, indígenas brasileiros e integrantes de comunidades tradicionais expuseram suas realidades e a forma de atuação de ONGs financiadas por capital estrangeiro.

O trabalho da CPI também mostrou que a atuação das ONGs ambientalistas interfere não só no cotidiano dos brasileiros, mas também em obras de infraestrutura. A Gazeta do Povo já mostrou como as ONGs brasileiras financiadas por organismos estrangeiros têm freado o andamento de obras, como a repavimentação da BR 319, no Amazonas.

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