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Mauro Cid
Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid, é um dos alvos de operação da PF que apura desvio de presentes oficiais do governo.| Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O general Mauro César Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), e o advogado Frederick Wassef são alvos de quatro mandados de busca e apreensão cumpridos pela Polícia Federal na manhã desta sexta (11).

A operação Lucas 12:2 foi desencadeada no âmbito das investigações que apuram o recebimento de presentes oficiais pelo governo do ex-presidente – entre eles os conjuntos de joias recebidos da Arábia Saudita – e que não foram incorporados ao patrimônio da União.

Segundo a PF, dois mandados são cumpridos em Brasília, um em São Paulo e um em Niterói.

Os alvos dos mandados são o general Lourena Cid; o tenente-coronel Mauro Cid; outro ex-ajudante de ordens, o tenente Osmar Crivelatti; e o advogado Frederick Wassef, defensor da família Bolsonaro, segundo decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a que a Gazeta do Povo teve acesso. A reportagem tenta contato com os citados.

Crivelatti chegou a atuar na segurança de Bolsonaro logo após o ex-presidente viajar para os Estados Unidos dias antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Brasília. Junto do suboficial Ricardo Dias dos Santos, da Marinha, recebeu R$ 63,5 mil em diárias e passagens aéreas por 15 dias de viagem, segundo revelou o colunista Lúcio Vaz.

Eles são suspeitos de utilizar a estrutura do governo para “desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Estado brasileiro, por meio da venda desses itens no exterior”, diz a PF em nota.

Ainda segundo a autoridade, os valores obtidos dessas vendas foram convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, “com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”.

Os mandados fazem parte do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) que apura as chamadas “milícias digitais”, e foram autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes. De acordo com a PF, os fatos investigados configuram, em tese, os crimes de peculato e lavagem de dinheiro.

O ministro Flávio Dino, da Justiça, comentou a operação pelas redes sociais e disse que "há muitos estudos que mostram que compra e venda de joias é um caminho clássico de corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos veem como um crime 'seguro', que ficará escondido para sempre. Por isso, é essencial sempre investigar o assunto, quando há indícios de ilegalidades".

O ex-presidente Bolsonaro e o PL não comentaram a operação. O advogado Fabio Wajngarten, que faz parte da atual defesa do político, criticou as “informações equivocadas” sobre a entrega voluntárias das joias ao TCU.

“Quando disse que se devia “antecipar” a entrega dos objetos estou me referindo a uma remessa antecipada à corte, antes de um pedido formal do TCU, que aliás acabamos ocorrendo. Reitero: sugeri antecipar e entregar ao tribunal. Só isso”, escreveu o advogado no Twitter, junto com a cópia da petição apresentada pelo presidente retratando a entrega das joias no dia 13 de março deste ano.

A resposta de Wajngarten foi em referência ao vazamento de uma conversa entre ele e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que foi captada pela Polícia Federal. Nela, Wajngarten fala em se antecipar à decisão do Tribunal de Contas da União.

Wajngarten ainda acrescentou que determinadas interpretações sobre o caso, estão eivadas de “má vontade ou de uma frustrada tentativa”ao envolver o nome dele em ações que desconhecia.

O Exército disse, em nota à Gazeta do Povo, que colabora com as investigações e que "não compactua com eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes".

A PF intitulou a operação “em alusão ao versículo 12:2 da Bíblia, que diz: ‘não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido’.

Presentes de árabes teriam sido desviados do registro no patrimônio da União

As investigações, segundo o relatório de Alexandre de Moraes, apontam que Lourena Cid seria o responsável por negociar os presentes nos Estados Unidos, recebendo os valores em uma conta bancária aberta na filial do Banco do Brasil na Flórida, o BB Americas. Um pedido de cooperação internacional ao país norte-americano foi feito para quebrar o sigilo da conta.

"Na análise realizada, a Polícia Federal identificou mensagens enviadas por Lourena Cid a seu filho Mauro Cid, na data de 12 de junho de 2022, com dados de uma conta bancária no BB Américas, em que o número da conta tem os mesmos quatro últimos dígitos da conta que aparece no recibo de saque acima descrito [US$ 6 mil sacados no dia 18 de janeiro de 2023], indicando que a referida conta bancária pertence, possivelmente, a Mauro Cesar Lourena Cid", diz o inquérito sobre a tentativa de venda de alguns dos presentes que teriam sido desviados da incorporação ao acervo da União. A conta recebeu, no dia seguinte ao envio dos dados, recursos da venda de um relógio de luxo recebido por Bolsonaro do governo da Arábia Saudita em 2019.

Entre os presentes recebidos pelo ex-presidente Bolsonaro que teriam sido desviados, estão esculturas, joias e relógios das marcas Chopard, Rolex e Patek Philippe, com certificados de autenticidade, presenteados pelos governos da Arábia Saudita, Barein e Catar.

O inquérito aponta que os objetos "foram levados de forma oculta para os Estados Unidos, na data de 30 de dezembro de 2022, por meio de avião presidencial, e encaminhados para lojas especializadas nos estados da Flórida, Nova York e Pensilvânia, para serem avaliados e submetidos à alienação, por meio de leilões e/ou venda direta".

Objetos foram vendidos ou devolvidos após ordem judicial

Pelo menos três pacotes de presentes recebidos pelo ex-presidente já foram devolvidos às autoridades brasileiras atendendo a uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). Um deles, um relógio da marca Rolex, precisou ser recomprado de uma loja na Pensilvânia para ser devolvido em abril de 2023.

O relógio foi dado de presente a Bolsonaro em outubro de 2019 durante uma visita oficial à Arábia Saudita. Segundo o relatório, o objeto foi vendido por Mauro Cid, em junho de 2022, à Precision Watches por US$ 68 mil (R$ 346,9 mil, segundo a PF em cotação da época).

O extrato da venda mostra o depósito do dinheiro na conta de Mauro Cid no BB Americas no dia 13 de junho de 2022. A mesma transação incluiu a venda de um relógio Patek Philippe.

"[Os objetos] foram evadidos do Brasil, por meio de aeronave da Força Aérea Brasileira, quando da viagem da comitiva presidencial para os Estados Unidos da América, em junho de 2022", retrata o relatório.

Segundo a PF, quando o TCU determinou a devolução dos objetos e a realização de uma auditoria em todos os presentes recebidos pelo ex-presidente entre os anos de 2019 e 2022, se empreendeu uma operação para recuperar o relógio e mais um kit contendo um anel, abotoaduras e um rosário islâmico. O Rolex vendido à Precision Watches foi recuperado no dia 14 de março pelo advogado Frederick Wassef, enquanto que o restante dos objetos foram recuperados por Mauro Cid 13 dias depois, quando viajou a Miami.

O kit completo foi entregue à Caixa Econômica no dia 4 de abril. "Cabe salientar, que toda a operação foi realizada de forma escamoteada, fato que permitiu os investigados devolverem os bens sem revelar que todo o material estava fora do país, ao contrário das afirmações prestadas", diz a PF.

Reflexo de Lourena Cid em presente intensificou investigação

Outro presente revelou a participação de Lourena Cid no esquema. Uma das imagens anexadas ao inquérito mostra um reflexo do militar fotografando um dos objetos que teriam sido desviados para venda -- uma caixa que contém uma escultura de árvore de palmeira recebida por Bolsonaro em uma visita oficial ao Barein, em novembro de 2021. Uma outra escultura de um barco também fazia parte do pacote.

Os objetos foram oferecidos a duas lojas especializadas na compra de objetos de ouro, diamantes e outros metais preciosos nas cidades de Coral Gables e Miami, na Flórida. Mauro Cid mandou os endereços das lojas ao pai no dia 4 de janeiro de 2023.

As esculturas, no entanto, acabaram não sendo vendidas por não terem "o valor patrimonial esperado pelos investigados", diz o relatório. Primeiramente, se acreditou que as esculturas eram folheadas a ouro, mas depois se descobriu serem material comum de latão.

Quem é Mauro Cesar Lourena Cid

Antigo colega de Jair Bolsonaro na Academia Militar de Agulhas Negras (Aman) nos anos 1970, Mauro Cesar Lourena Cid se destacou como general discreto e conciliador.

Após dirigir o Departamento de Educação do Exército, ingressou na reserva em 2019, assumindo um cargo em Miami no início do governo Bolsonaro, indicado pelo próprio presidente. Seu papel foi chefiar o escritório brasileiro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), posição que ocupou até este ano.

Lourena Cid pertence a uma família com três gerações de militares. Seu avô, Antônio Carlos Cid, foi coronel do Exército, formando-se na Aman em 1955 e trabalhando na Casa Militar sob o governo de José Sarney.

O general passou a ser visto frequentemente no Batalhão de Polícia do Exército de Brasília após a prisão do filho, em maio.

Mauro Cid foi alvo de uma operação da PF que apura suposta fraude em dados de vacinação contra a Covid-19 dele, da filha, do ex-presidente e da filha mais nova de Bolsonaro. Ele também foi interrogado na CPMI dos atos de 8 de janeiro, no Congresso, mas se manteve em silêncio.

O tenente-coronel assumiu o cargo de ajudante de ordens no começo de 2019, quando se preparava para assumir um posto também nos Estados Unidos.

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