Ouça este conteúdo
Em meio ao início do julgamento da suposta tentativa de golpe de Estado contra o ex-presidente Jair Bolsonaro na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), líderes da oposição no Congresso tentam manter a discussão sobre o projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro. Além de manifestações para tentar ampliar o apoio ao tema, os parlamentares da bancada do PL pressionam agora para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tire o texto da gaveta e ameaçam obstruir a pauta de votações.
Para tentar pressionar o presidente da Câmara, a oposição ameaça obstruir os trabalhos da Casa nesta e nas próximas semanas. Segundo apuração da reportagem, o PL confirmou na tarde desta terça-feira que vai obstruir os trabalhos das comissões nesta semana em razão do julgamento do Bolsonaro. Mas a obstrução no plenário irá ocorrer somente na semana que vem, quando Motta voltar ao Brasil.
Na reunião de líderes da última quinta-feira (20), o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), chegou a defender a apresentação de um requerimento de urgência para que o projeto pudesse ser votado diretamente no plenário da Casa. O pedido, no entanto, segundo apurou a reportagem, não conta com a simpatia de Hugo Motta neste momento.
Sóstenes informou que espera que Motta tenha uma decisão na volta da viagem que ele faz nesta semana ao Japão e Vietnã junto com a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O deputado ficará no exterior até 30 de março.
“Na volta do presidente Hugo Motta da viagem, a partir do dia em que ele pisar em solo brasileiro, ele já terá que ter tomado essa decisão. Caso contrário, nós vamos para a obstrução, que nós não queremos”, disse o líder do PL na Câmara.
A obstrução é uma manobra regimental para atrasar a votação de outros itens da pauta da Câmara, enquanto o interesse do grupo não for negociado. Os mecanismos usados, geralmente, são pronunciamentos, pedidos de adiamento da discussão e da votação e saída de parlamentares do plenário para evitar formação de quórum nas sessões da Casa.
Com Hugo Motta fora nesta semana, o acordo entre os líderes é de votar projetos combinados com a bancada feminina. Neste período, a Câmara será comandada pelo deputado Altineu Côrtes, vice-presidente e integrante do partido de Bolsonaro. Contudo, ficou acertado que o tema da anistia só seria tratado com o retorno de Motta ao Brasil.
“Não vamos fazer nada na ausência do presidente Hugo Motta em relação à anistia, respeitando o presidente Hugo Motta. Mas, a partir da chegada dele, nós não abriremos mão de que, no dia seguinte, isso seja prioridade número um na Câmara”, destacou Sóstenes.
Se for promulgado com o texto atual, o projeto de lei da anistia para os presos de 8/1 pode ajudar a livrar o ex-presidente Bolsonaro e outros 33 acusados de todas as cinco acusações criminais que enfrentam no julgamento iniciado nesta terça-feira (25) – tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano ao patrimônio da União e deterioração de bens públicos tombados.
A oposição tenta fazer o texto avançar no Congresso porque as audiências marcadas para esta semana são apenas o começo do julgamento de Bolsonaro e seus aliados. Neste momento, o Supremo decide se recebe ou não a denúncia da Procuradoria-Geral da República. Se a denúncia for recebida, uma ação penal é iniciada e pode se desenrolar por meses antes da decisão de absolver ou condenar o ex-presidente e os demais.
VEJA TAMBÉM:
Comissão Especial pode ajudar estratégia da oposição
Apesar da tentativa do líder do Partido Liberal de apresentar um requerimento de urgência para o projeto da anistia, parte da oposição tem defendido que a melhor estratégia seria instalar uma comissão especial. A avaliação dessa ala é de que o colegiado daria tempo para ampliar o apoio ao texto e deixaria o tema em pauta em meio ao julgamento de Bolsonaro no STF.
A comissão especial seria formada por integrantes apontados pelos diversos partidos para decidir se o projeto de lei tem as condições necessárias para ser analisado pelo plenário da Câmara. Os debates na comissão poderiam ser usados para dar visibilidade à sociedade sobre as discussões e assim angariar mais apoio.
A criação da comissão foi uma manobra usada no ano passado pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em meio às negociações para eleger o seu sucessor, mas ela não foi adiante. Agora, a instalação do colegiado cabe a Hugo Motta.
“Se ele criar a comissão especial, nos atende também. A decisão é dele. Eu quero resolver o problema da anistia, seja na comissão especial ou no plenário. Essa decisão não é minha, é do presidente Hugo Motta, mas isso tem que ser resolvido, pra gente não ter o desprazer de entrar em obstrução”, disse Sóstenes Cavalcante.
Para aprovar um requerimento de urgência - e levar o projeto direto ao plenário -, são necessários ao menos 257 votos. O quórum é o mesmo para que o texto seja aprovado na Câmara posteriormente. Líderes da oposição sinalizam ter o apoio de cerca de 230 deputados atualmente.
Caso a anistia aos presos do 8 de janeiro seja aprovada, uma das estratégias da oposição é que o benefício seja estendido também a Bolsonaro após uma eventual condenação no Judiciário. O próprio ex-presidente dedicou parte de sua agenda nas últimas semanas para tentar ampliar o apoio ao projeto junto aos partidos do Centrão. Mas o eventual perdão não seria automático, pois o Supremo ainda poderia considerá-lo inconstitucional.
Segundo o vice-presidente da Câmara, Altineu Côrtes, o apoio ao projeto cresceu entre os deputados de partidos como PSD, União Brasil e PP, por exemplo. Contudo, o tema ainda não conta com aval da maioria dos líderes partidários, responsáveis pelos acordos para que os projetos sejam analisados pela Casa.
“Foi colocada de forma clara que quando, se houver uma maioria já consagrada de líderes no apoio ao projeto de anistia, esse projeto pode avançar aqui. Quando houver maioria de líderes esse projeto, deverá ir à pauta”, disse Côrtes.
Embate no Republicanos dificulta acordo para aprovar anistia na Câmara
Visto como "fiel da balança" para aprovar o projeto da anistia da Câmara, o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), travou recentemente embates com o pastor Silas Malafaia, que é apoiador de Bolsonaro. As críticas entre ambos aconteceram após Pereira defender, como jurista, que o texto não pode ser aprovado antes que todas as ações sobre os atos do 8 de janeiro sejam analisadas e finalizadas.
Na sua visão, isso abriria espaço para que partidos contrários anulem a medida no STF. Em um vídeo, Malafaia chamou Pereira de "cretino" e o acusou de ser uma vergonha para os evangélicos.
Em resposta, o presidente do Republicanos criticou Malafaia e o definiu como "uma espécie de Rasputin Tupiniquim, e que chega a espumar pela boca nas suas manifestações cheias de cólera". O deputado ainda sinalizou que a bancada do seu partido, com 44 deputados, tem simpatia pelo projeto da anistia, mas que o tema ainda não foi debatido.
"Na mesma entrevista em que ele usa para me atacar, eu falo que a decisão será tomada pela bancada, e minha impressão é a de que tem uma tendência favorável à anistia. Ele precisa se acalmar e parar de induzir a guerra", escreveu Marcos Pereira no Instagram. O deputado disse ser favorável à pacificação.
Para tentar minimizar a crise, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, sinalizou que vai atuar como "bombeiro" na crise entre os dois líderes da direita. “O Republicanos vai estar conosco na anistia. Além do Republicanos, nós já tínhamos sete partidos confirmados. Eu acho que a gente chega a nove tranquilamente. Vou atrás do Solidariedade por último, na próxima semana. Nós vamos passar de 310 votos nessa votação. Não tenho nenhuma dúvida disso”, afirmou o deputado em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.