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Ao escolher permanecer nos Estados Unidos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é visto por seus aliados como ativo importante para a interlocução entre a Comissão de Relações Exteriores da Câmara (CREDN), que deve ficar nas mãos do PL, o governo do presidente Donald Trump e o Congresso americano. A reportagem apurou que a expectativa da oposição é que o deputado faça articulações políticas com seus pares na CREDN. Ele deve enviar informações sobre investigações de autoridades dos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e municiar aliados americanos com dados levantados no Brasil.
Além disso, Eduardo Bolsonaro poderá fazer uma “ponte”, de modo informal, entre a CREDN e o Legislativo norte-americano enquanto estiver no país. A expectativa da oposição brasileira é que a boa relação do ex-presidente Jair Bolsonaro e do próprio Eduardo com Trump será fundamental para exercer pressão sobre Moraes, bem como dar mais destaque à situação dos presos do 8 de janeiro, segundo membros da oposição ouvidos pela reportagem.
Outra possível linha de ação para o deputado é articular melhor a diáspora brasileira que vive nos Estados Unidos e se sensibiliza com a perseguição política e a hipertrofia do Poder Judiciário no Brasil.
Nesta terça-feira (18), o parlamentar, que estava cotado para assumir a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara (CREDN), anunciou que irá se licenciar do mandato de deputado federal para permanecer nos Estados Unidos e buscar apoio para punir o que chama de “violadores dos direitos humanos”. Ele informou que o licenciamento do mandato será temporário e não remunerado.
“Para que possa me dedicar integralmente e buscar as devidas sanções aos violadores de direitos humanos. Aqui, poderei focar em buscar as justas punições que Alexandre de Moraes e sua Gestapo da Polícia Federal merecem”, disse o parlamentar em suas redes sociais. Ele estava nos Estados Unidos há mais de 20 dias.
O deputado Filipe Barros (PL-PR) deverá assumir o comando da Comissão de Relações Exteriores. “Temos bons nomes para colocar lá (na CREDN), mas optamos pelo Filipe Barros e tenho certeza que será um trabalho muito bom realizado por ele”, disse o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em entrevista à Revista Oeste.
Antes do deputado paranaense, o atual líder da oposição, o deputado federal Zucco (PL-RS), estava cotado para assumir a presidência da comissão.
A condução da política externa e a interlocução com outros países são atribuições exclusivas do Poder Executivo. Mas isso não exclui a chamada "diplomacia parlamentar", que ocorre quando os representantes da população entendem que o presidente não representa bem os anseios da população internacionalmente e começam a interagir diretamente com outros parlamentos sem intermédio de diplomatas. Mas essas ações têm escopo e efetividade mais limitada que a política externa oficial do governo.
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Com acesso à Casa Branca, Eduardo Bolsonaro se consolida como peça-chave da oposição
O cientista político Marcelo Suano afirma que Eduardo Bolsonaro tem influência nos Estados Unidos não apenas por ser parlamentar, mas principalmente por carregar o "selo Bolsonaro".
"Ele está conseguindo falar com tantas pessoas por algumas outras razões. A mais importante delas é o "selo Bolsonaro". Ele é filho do Bolsonaro", destacou Suano.
O analista político também ressalta que a licença temporária do deputado tem um objetivo estratégico. "Ele está pedindo licença por quatro meses para dar continuidade àquilo que ele está fazendo, que são fazer denúncias, apresentar provas, conversar com parlamentares e autoridades. E ele tem a Casa Branca de portas abertas para ele", afirmou.
Sobre a atuação da oposição na Comissão de Relações Exteriores, Suano enfatiza que o impacto dependerá da capacidade de conduzir requerimentos e convocações. "A força da comissão vai depender de se a oposição conseguirá fazer os requerimentos necessários para, por exemplo, convocar o ministro Mauro Vieira [das Relações Exteriores], solicitar audiências e fazer investigações", explicou.
PT quer cassar passaporte de Eduardo e PL mira em visto de Moraes nos EUA
A decisão de Eduardo Bolsonaro ocorreu em um momento em que o Partido dos Trabalhadores tentava na Justiça a apreensão do passaporte do deputado do PL.
No início deste mês, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ) e o deputado Rogério Correia (PT-MG) encaminharam uma notícia-crime contra Eduardo Bolsonaro à PGR e ao STF e pediram a apreensão do documento.
Na representação, Lindbergh argumentou que o deputado estava “incitando retaliações” contra o Brasil e Moraes por articular junto a autoridades americanas a aprovação de um projeto de lei, nos EUA, que pode impedir a entrada de Moraes naquele país.
No entorno de Eduardo Bolsonaro, a expectativa era de que a PGR não atendesse ao pedido do PT, o que realmente ocorreu nesta terça-feira. Ainda assim, havia o receio de que Moraes acatasse o pedido dos petistas.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou em seu parecer que, diante da falta de evidências de ilegalidades atribuídas ao parlamentar, “não há justa causa para autorizar a abertura de investigação”. Gonet defendeu o arquivamento do pedido. Logo após a manifestação da PGR, o ministro Alexandre de Moraes indeferiu as cautelares impetradas pelo PT e arquivou o caso.
Para Eduardo Bolsonaro, a decisão da PGR foi fruto de pressão política contra o pedido do PT. Entretanto, ele acrescentou que o despacho da PGR não o deixa confortável para voltar ao Brasil.
“A pressão veio forte e a repercussão foi grande da notícia de que eu não retornaria ao Brasil. Para aliviar essa pressão, o procurador-geral resolveu despachar logo hoje. Isso acaba sendo um tiro pela culatra. Isso não me deixa confortável para retornar ao Brasil”, disse o parlamentar do PL.
"Vale lembrar aqui que, antes do Filipe Martins ser solto, a PGR havia pedido a soltura e o Alexandre de Moraes não se importou. A PGR havia pedido a soltura do Clezão e o Alexandre de Moraes não soltou", afirmou. Clériston Pereira da Cunha, conhecido como "Clezão", morreu dentro do presídio da Papuda em 20 de novembro de 2023.
Em 26 de fevereiro, o Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos EUA - equivalente à Comissão de Constituição e Justiça no Brasil - aprovou um projeto de lei (PL) para impedir a entrada de autoridades estrangeiras que violam a Primeira Emenda, que trata de liberdade de expressão, no país.
A medida agora será analisada pelo plenário da Casa, de maioria republicana. Se aprovado, o texto permitirá a deportação ou a rejeição de entrada legal nos EUA para autoridades que se encaixam nesse critério. Em caso de aprovação da medida, o ministro Alexandre de Moraes deverá ser afetado.
Em outra iniciativa, o deputado Rich McCormick (Republicano) pediu ao governo Trump que aplique sanções a Moraes com base na lei Global Magnitsky Human Rights Accountability Act (Lei de Responsabilidade Global de Direitos Humanos Magnitsky). Ela possibilita que Trump determine o bloqueio de ativos de Moraes nos Estados Unidos e no sistema financeiro mundial por meio de um ato administrativo. O magistrado brasileiro também ficaria automaticamente proibido de entrar nos Estados Unidos.
Não está claro ainda se Trump se dedicará ao assunto, pois a América do Sul não é uma das prioridades da agenda internacional do americano. Por outro lado, seu vice-presidente J.D. Vance e seu assessor especial Elon Musk têm dedicado tempo a apoiar lideranças de direita em outros países.
Comissões parlamentares ampliam visibilidade, mas têm poder limitado
Mas qual será a efetividade da estratégia da oposição? Segundo o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), embora a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional seja estratégica para a oposição, seu alcance prático é restrito.
"As comissões do Parlamento têm algum peso dentro do debate público e podem influenciar o rumo das discussões", explica Gomes.
Ele ressalta que a presidência dessas comissões "tem poder de agenda, estabelece os elementos mais importantes do ponto de vista daquilo que vai ser discutido e quando".
Por outro lado, o professor avalia que a comissão pode ser utilizada para fortalecer laços com setores políticos conservadores ao redor do mundo. "Isso pode ser importante no sentido de estabelecer um maior vínculo com o grupo político do presidente Trump nos Estados Unidos e outras forças conservadoras em outros sistemas políticos, como o AfD na Alemanha, Le Pen na França e o movimento Chega em Portugal", analisa o especialista.
Além disso, ele pondera que, mesmo que a comissão possa ser usada para pressionar a Suprema Corte, "são níveis de poder bastante distintos". "A Suprema Corte emite sentenças de caráter obrigatório, enquanto as comissões parlamentares, a menos que consigam aprovar uma nova legislação, não possuem essa capacidade", explica.
Comissões e visitas a Washington marcam articulação internacional de Eduardo Bolsonaro
Desde a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, Eduardo Bolsonaro se tornou um articulador político em assuntos internacionais. Em 2019, presidiu a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), aproximando o governo Bolsonaro da administração Trump. Durante sua gestão, defendeu uma mudança na política externa brasileira, criticou países como Cuba e Venezuela, o que gerou atritos com os congressistas que faziam oposição à gestão Bolsonaro e acusações de alinhamento ideológico à direita.
Um dos momentos de maior repercussão de sua presidência na comissão foi a defesa da adesão do Brasil ao programa Clean Network, que buscava conter a influência da empresa chinesa Huawei. Isso levou um grupo de deputados a pedir sua saída do cargo. Apesar das críticas, ele utilizou a posição para consolidar sua presença internacional e acompanhar Bolsonaro em visitas oficiais.
Além da atuação parlamentar, Eduardo Bolsonaro co-fundou o Instituto Liberal Conservador, responsável pela Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) no Brasil. O evento se tornou um espaço de articulação da direita e, em 2024, contou com a presença do presidente argentino, Javier Milei, fortalecendo laços entre lideranças conservadoras da América Latina.
Com a derrota de Bolsonaro em 2022, o deputado intensificou sua atuação internacional e participou de edições da CPAC nos EUA, México e Argentina.
Também organizou comitivas da oposição para denunciar a atuação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, em inquéritos sobre fake news e atos antidemocráticos. As visitas ao Capitólio e à OEA ajudaram a levar a versão da direita brasileira a autoridades estrangeiras. Dessa forma, ele driblou o que considera ser uma cobertura hostil por parte da mídia ao conservadorismo.







