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Lula e Mercadante
Oposição quer regras para financiamentos externos pelo BNDES| Foto: André Coelho/EFE

Parlamentares de oposição na Câmara dos Deputados querem que o Congresso Nacional tenha a última palavra sobre autorização de empréstimos e financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a países "amigos" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Desde que voltou ao poder, em janeiro de 2023, Lula tem afirmado que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve retomar operações de empréstimo para financiar obras e serviços em países vizinhos, e tidos como aliados do governo petista. Na semana passada, quando estava em Angola, Lula voltou a tocar no assunto e mencionou sua intenção de retomar financiamentos para países africanos.

"Vamos voltar a fazer investimento para Angola, que é um bom pagador das coisas que o Brasil investiu aqui. Angola sempre foi um país que nos deu certeza que cada dólar investido aqui seria ressarcido e assim o fez”, afirmou Lula, em discurso no Foro Empresarial Brasil-Angola. Financiamentos de obras na Argentina também estão nos planos do petista.

Diante dos calotes dados por Cuba e Venezuela aos cofres do Tesouro brasileiro com obras autorizadas nos governos petistas anteriores, a oposição pretende barrar ou colocar freios para que a história não se repita.

A Proposta de Emenda Constitucional 3/2023 é uma das tentativas de regular esses empréstimos. Proposto pelo deputado Mendonça Filho (União-PE), o texto altera o artigo 49 da Constituição Federal, para que o Congresso autorize a realização de operações de crédito por instituições financeiras controladas pela União sempre que o objeto da operação vier a ser executado fora do país.

“Isso significa dar ao parlamento, ao Congresso Nacional, o controle com relação às operações de crédito internacionais, financiamento a países e obras no exterior por parte de bancos públicos, como por exemplo, o BNDES”, explica Mendonça, acrescentando que esse tipo de controle existe internacionalmente.

Um dos objetivos da autorização do Congresso, segundo o deputado, seria evitar abusos como os registrados no passado em operações financeiras feitas pelo BNDES a países como Venezuela e Cuba, entre outros, que pegaram dinheiro emprestado do Brasil e não honraram o compromisso.

Emenda que determina autorização para empréstimos avança na CCJ

“Queremos impedir que o BNDES volte com seus empréstimos para obras no exterior sem aprovação do Congresso Nacional. Não é justo com o povo brasileiro ver tantas operações paradas por aqui enquanto financiamos empreendimentos em outros países, ainda mais para nações regidas por ditaduras ou autocracias”, afirmou a deputada Rosângela Moro (União-SP).

A base governista na Comissão de Constituição e Justiça fez o possível para "empurrar" a discussão mais para a frente, mas a oposição conseguiu derrubar o pedido dos partidos que apoiam o governo, e o debate sobre a constitucionalidade da proposta terá que continuar. Em defesa do governo, o deputado Patrus Ananias (PT-MG) alega que o projeto vai além do razoável. Segundo ele, a autorização de operações de crédito pelo Congresso, significa uma interferência no espaço do Executivo, o que vai contra a regra da independência e autonomia entre os poderes da República.

O líder da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ) discorda e critica o argumento do governo de que o BNDES teria feito grandes negócios em empréstimos que terminaram em "calote".

“Venezuela e Cuba somam R$ 6 bilhões de calote para o Brasil”, afirma Jordy. Para ele, é papel do Congresso fiscalizar esse tipo de atividade de um banco que gera recursos públicos; como inclusive é o Congresso que deve autorizar o Executivo a fazer qualquer tipo de atividade, como a abertura de créditos orçamentários.

Na avaliação do diretor do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Gonçalves, a ajuda financeira concedida pelo BNDES a países amigos durante os governos petistas tem sido um tema controverso e objeto de críticas por várias razões.

“Embora a intenção de solidariedade e cooperação com nações em desenvolvimento seja louvável, a maneira como esses empréstimos e investimentos foram realizados gerou debates consideráveis e questionamentos sobre a transparência e a eficácia dos programas”, afirma.

Ainda de acordo com Gonçalves, “outra crítica foi a percepção de que esses empréstimos eram usados como instrumentos de política externa para promover alianças políticas e interesses específicos do governo".

Isso gerou a preocupação de que recursos públicos estivessem sendo utilizados para fins partidários ou para promover agendas ideológicas, em vez de serem direcionados estritamente para o desenvolvimento econômico dos países beneficiários.

Empréstimos concedidos em mandatos anteriores de Lula

Entre 2003 e 2016, quando o PT esteve na Presidência do Brasil, o BNDES liberou US$ 11,8 bilhões para que empresas brasileiras executassem projetos de infraestrutura em países vizinhos, sendo que boa parte delas foram envolvidas nas investigações da Operação Lava Jato, como Odebrecht e OAS, entre outras. Essas empresas realizaram obras na Argentina, Venezuela, Cuba, Costa Rica e em países africanos, como Angola e Moçambique.

Em muitos casos, os países beneficiados não conseguiram quitar a dívida, como ocorreu com Cuba, que segundo dados do próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social deve US$ 40,8 milhões ao banco, dos mais de US$ 696 milhões emprestados para obras diversas, principalmente na ampliação do porto de Mariel, a cerca de 40 quilômetros da capital Havana.

O deputado Gilson Marques (Novo-SC) afirma que a Venezuela é a maior devedora do BNDES, ainda segundo dados do próprio banco. Segundo ele, o país de Maduro deve R$ 682 milhões ao Brasil, do total de R$1,5 bilhão emprestado.

Na época em que o programa estava ativo, empresas brasileiras contaram com subsídio governamental para vender de carne a aviões e realizar obras em uma siderúrgica e em estações de metrô venezuelanas. O país vizinho vive uma crise humanitária e não tem conseguido honrar as parcelas dos empréstimos.

Ronaldo Assumpção Filho, especialista em direito empresarial, lembra que a função do BNDES é fomentar o desenvolvimento do país por meio da concessão de empréstimos com taxas de juros menores em relação às praticadas no mercado, e lembra que em relação ao mercado externo, o Brasil viveu experiências negativas, que não prosperaram e nem geraram benefícios.

Por isso, “a PEC em discussão na CCJ reflete uma iniciativa legítima dos partidos de oposição ao governo, no sentido de aprimorar o rito de aprovação de investimentos internacionais realizados pelo BNDES”.

Já Fernando Neisser, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, defende que “todo país que pretende ampliar sua pauta de exportação e, principalmente, investimentos em outros países, crie mecanismos de financiamento de suas empresas no exterior”.

Lula defende novos financiamentos para Argentina, Venezuela e África

Em viagem à África do Sul, onde participou da reunião de Cúpula dos Brics, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou sobre a possibilidade de "estender a mão" para a Argentina, outro país afundado numa grave crise econômica – o ministro da Economia argentino, Sergio Massa, tem reunião nesta segunda-feira com Lula e Haddad. O financiamento das exportações, nesse caso, custaria R$ 700 milhões em 2023.

"Nós já encaminhamos para o governo argentino uma proposta de garantia em yuan das exportações brasileiras, com a garantia do Banco do Brasil de fazer um câmbio para reais a partir dessa garantia", afirmou Haddad em entrevista coletiva.

Em Angola, Lula também voltou a dizer que se orgulha de financiamentos realizados pelo Brasil recentemente com recursos do BNDES em obras de empreiteiras na área de infraestrutura.

O governo também avalia a possibilidade de realizar estudos para retomar o intercâmbio de energia elétrica entre a Venezuela e Roraima. Até o começo de 2019, a maior parte do atendimento aos consumidores era feita por meio da transferência de energia do Linhão de Guri, interconexão do complexo hidrelétrico de Guri-Macágua com a cidade de Boa Vista, numa solução acordada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e Hugo Chávez, já que Roraima está fora do Sistema Interligado Nacional (SIN), e tem a energia abastecida por termelétricas locais.

Mas logo no início da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o fornecimento foi interrompido por uma série de apagões e a interrupção dos pagamentos por parte do Brasil devido ao embargo norte-americano à Venezuela.

Diversas propostas para regular financiamentos externos já foram apresentadas em 2023

Além da Proposta de Emenda Constitucional do deputado Mendonça Filho, em análise na Comissão de Constituição e Justiça, diversas outras propostas tentam impor regras para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social empreste dinheiro para outros países.

O próprio parlamentar pernambucano tem outro projeto sobre o tema, para alterar a lei que enquadrou o BNDES como empresa pública. “Nesses casos, o contribuinte brasileiro acaba sendo penalizado, pagando por uma obra que não beneficiou diretamente o país”, destaca o deputado.

O deputado Kim Kataguiri (União-SP), também defende mudanças na legislação para impedir que a União ou empresas públicas façam empréstimos a países que não saldaram suas dívidas com o Brasil. Ele afirma ser "nefasto" o "hábito de emprestar dinheiro com base em critérios ideológicos, em detrimento de critérios técnicos”.

Greyce Elias (Avante-MG) também apresentou projeto proibindo o uso de recursos do Tesouro Nacional em financiamentos a projetos no exterior. Para a deputada, “é um equívoco destinar recursos brasileiros a obras e empreendimentos em outros países enquanto a infraestrutura nacional necessita urgentemente de investimentos”.

Alfredo Gaspar (União-AL) também defende que somente os países com boa classificação de investimento possam receber financiamentos para execução de projetos fora do Brasil. Além disso, o texto proíbe a concessão de empréstimo para países que deixaram de cumprir as obrigações de crédito nos últimos 5 anos.

Todas as propostas estão em análise nas comissões permanentes da Câmara dos Deputados.

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