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Oposição se inspira no modelo de “shadow cabinet”
Oposição se inspira no modelo de “shadow cabinet”| Foto: EFE/ Andre Borges

A oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso Nacional deu mais um passo no processo de organização e coordenação do enfrentamento e monitoramento à gestão petista. Opositores da Câmara dos Deputados e do Senado irão anunciar nesta terça-feira (11) a formação de uma estrutura que terá por objetivo fiscalizar as ações do governo, os chamados "ministérios-espelhos".

Cada ministro e ministério de Lula terá um parlamentar responsável "por fiscalizar e apresentar contrapropostas" para a pasta que escolheu para ser 'espelho', explica o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP). Ele atuará nessa tarefa em relação ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).

Dessa forma, a oposição vai organizar a divisão de tarefas e promover a fiscalização especializada dos principais ministérios do governo Lula no que diz respeito às políticas públicas e aos contratos públicos, e também quer dar transparência e publicidade à atividade fiscalizatória exercida pelo Congresso.

Os opositores também têm como objetivo promover a participação da sociedade civil na atividade parlamentar fiscalizatória mediante conselhos de especialistas nas políticas públicas e contribuir para o aperfeiçoamento dessas medidas por meio do exame crítico, organizado, especializado e transparente. Outro ponto será o exame crítico dos contratos e gastos ministeriais, por meio do qual se quer incentivar a integridade na gestão da coisa pública.

A criação dos "ministérios-espelhos" é a concretização maturada de uma proposta organizada pelo líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), que iniciou a montagem de uma equipe especializada em diversas áreas para acompanhar criticamente a rotina do Palácio do Planalto e da Esplanada dos Ministérios.

Marinho se inspirou no modelo de "shadow cabinet" (gabinete sombra, em tradução livre do inglês) utilizado em países parlamentaristas, como o Reino Unido. Nele, partidos de oposição rastreiam cuidadosamente ações governamentais e se preparam para assumir o poder em caso de vitória nas eleições seguintes, com propostas alternativas. No modelo original, contudo, o "gabinete" é composto por parlamentares "espelho", que fiscalizam diretamente ministros que são as suas contrapartes no governo.

Quem são os "ministros-espelhos" que fiscalizarão o governo Lula

O anúncio dos "ministros-espelhos" está marcado para as 16h30 desta terça-feira, no Salão Verde da Câmara. O deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), que será o "espelho" do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), promete uma atuação "implacável, programática e estratégica".

"Vamos manter o pique [da organização da oposição] e teremos, naturalmente, mais uma semana de 'bombardeio' [ao governo]", destaca Melo em referência à expectativa de comparecimento de oito ministros de Lula à Câmara, entre terça e quarta-feira (12), em atendimento a convites articulados por opositores do governo.

O deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) será um dos que irão atuar na fiscalização da ações do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A pasta é comandada por Flávio Dino (PSB) na gestão petista.

Ao todo, serão anunciados 23 "ministérios-espelhos", dos quais duas "pastas" terão um trabalho conjunto feito por mais de um parlamentar, segundo um arquivo interno da oposição obtido pela Gazeta do Povo. Confira:

  • Economia: deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP);
  • Justiça e Segurança Pública: deputados Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e Alfredo Gaspar (União Brasil-AL);
  • Educação: deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE);
  • Saúde: deputadas Adriana Ventura (Novo-SP) e Rosângela Moro (União Brasil-SP);
  • Relações Exteriores: deputado Marcel van Hattem (Novo-RS);
  • Transportes: senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS);
  • Direitos Humanos: senador Eduardo Girão (Novo-CE);
  • Mulher: deputada Chris Tonietto (PL-RJ);
  • Defesa: deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP);
  • Minas e Energia: deputado Alex Manente (Cidadania-SP);
  • Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar: deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES);
  • Meio Ambiente: deputado Pedro Aihara (Patriota-MG);
  • Planejamento: deputado Gilson Marques (Novo-SC);
  • Advocacia-Geral da União (AGU): deputado Sanderson (PL-RS);
  • Esporte: deputado Luiz Lima (PL-RJ);
  • Trabalho: deputada Any Ortiz (Cidadania-RS);
  • Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços: deputado Joaquim Passarinho (PL-PA);
  • Agricultura e Pecuária: senadora Tereza Cristina (PP-MS);
  • Pesca: senador Jorge Seif (PL-SC);
  • Previdência: deputado Samuel Viana (PL-MG);
  • Cidades: deputado Amon Mandel (Cidadania-AM);
  • Secretaria de Comunicação Social (Secom) e Ministério das Comunicações: deputado Maurício Marcon (Podemos-RS);
  • Ciência e Tecnologia: senador Marcos Pontes (PL-SP).

Como foram definidos os "ministros-espelhos" e o que esperar da atuação

Sem um "primeiro-ministro" para liderar a atuação dos "ministérios-espelhos", seus integrantes foram definidos por afinidade e atuação na respectiva "pasta" ministerial, esclarece o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP). "Eu sou forte na parte econômica e tributária, e também na de relações exteriores e defesa [nacional]", destaca.

Orleans e Bragança diz que sua atuação se dará primordialmente com membros de seu gabinete, mas esclarece que a oposição está alinhada e disposta a atuar de maneira conjunta em áreas de mútua afinidade com outros "ministros-espelhos". "A função de ter um ministério paralelo é, primeiro, fazer a cobrança como deve ser feita. Segundo, é já criar uma experiência parlamentarista, o Brasil está inexoravelmente indo para este lado. Terceiro, é focar deputados na sua ação, e é importante você ter um deputado ou outro que tenha foco de ação e de uma maneira mais explícita", sustenta.

O deputado do PL considera que o Brasil está "indefeso" e peca pela "omissão" na área de defesa nacional. "Os militares falam da falta de recursos, mas eu penso que é falta de alocação correta e definição de que tipo de Exército a gente tem, que ainda adota um modelo antigo, mas as Forças Armadas estão ficando cada vez mais modernizadas no mundo e estamos muito atrás na corrida tecnológica. Nossa função é monitorar o que o Ministério [da Defesa] está fazendo e propor mudanças, ajustes, ver se está tudo condizente", comenta.

Já o deputado Joaquim Passarinho tem uma área de atuação forte nos setores de Minas e Energia e também na área de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, até mesmo por sua atuação em frentes parlamentares ligadas à defesa de setores produtivos e do empreendedorismo. Como "ministro-espelho" do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) — que também é o titular do Mdic —, ele se compromete a promover uma fiscalização e oposição construtiva.

"Farei pedido de audiência ao ministro até para dizer que não há uma definição de chegar lá e fazer oposição por fazer, mas sim acompanhar se o ministério está trabalhando, se as propostas faladas dão certo, se têm andamento ou não", afirma. "Se o governo fizer coisa que a gente acha que está errado ou trabalhando de maneira errada, vamos denunciar e tentar consertar os rumos", acrescenta.

Passarinho destaca que a própria composição dos integrantes e dos partidos que integrarão os "ministérios-espelhos" denota o interesse da oposição em promover um trabalho de fiscalização firme e criterioso, mas construtivo. "Não tem um único partido político certo, é uma mistura. A grande maioria é um pessoal mais de centro, centro-direita, que não quer discutir [em torno do ex-presidente Jair] Bolsonaro, mas sim fazer um apanhado do que acontece no governo [Lula] e fazer a critica construtiva", diz. "Até para dizer se o governo tem boas ideias e dinheiro, ou não, e por que", complementa.

Quais os compromissos firmados pelos "ministros-espelhos"

Até por se tratar de um modelo inaugural para o Brasil do ponto de vista pluripartidário, os "ministérios-espelhos" estão preparados para aprender com erros e acertos, e analisar os efeitos obtidos e corrigir as falhas ao longo do caminho. Para isso, seus coordenadores definiram compromissos e práticas de fiscalização.

A ideia é que cada "ministro-espelho" designe ao menos um assessor parlamentar de seu gabinete para atuar nas atividades e incentive a sociedade civil a participar de sua "pasta", de modo a contribuir para as atividades de fiscalização. Também ficou definida a meta de divulgar relatórios trimestrais sobre a avaliação das atividades do ministério espelhado, sempre na primeira segunda-feira de cada trimestre.

Outro compromisso firmado é a divulgação anual, na primeira quinzena de março, de um relatório de avaliação sobre as atividades das pastas fiscalizadas referente ao ano anterior. Os "ministros-espelhos" também deverão participar de reuniões bimestrais, em que irão compartilhar aprendizados e estratégias.

O deputado Maurício Marcon classifica a fiscalização de um governo como uma das mais importantes funções de um parlamentar, sobretudo em um terceiro governo Lula. "Tendo em vista que hoje o nosso país é novamente governado por uma força política com histórico completamente manchado e confessadamente movido por um espírito de vingança, a atividade fiscalizatória ganha ainda mais importância", destaca.

Para isso, ele entende que a definição dos compromissos e metas será importante para que a oposição tenha um bom grau de unidade estratégica, possa explorar o melhor de cada parlamentar e evitar retrocessos. "Vamos dividir tarefas e coordenar as ações de fiscalização de contratos e políticas públicas do governo Lula. A ideia é estimular a integridade na gestão pública e evitar a consumação de retrocessos com os quais o governo petista ameaça o Brasil, defendendo os princípios e valores básicos da Constituição: Democracia, Estado de Direito e independência e equilíbrio entre os poderes, por exemplo", sustenta.

Em seu caso específico, de ser o "ministro-espelho" ligado às áreas de comunicação, ele atribui a afinidade com o setor à sua defesa da liberdade de expressão. "Que, com a internet, passou por um processo de democratização do acesso à informação. Isso incomoda muito aquelas elites políticas e econômicas que pretendem controlar o discurso alheio, calar e censurar opositores e concorrentes e minar a liberdade de manifestação em nosso país", comenta. "Os brasileiros podem esperar de mim e de meu gabinete uma firme oposição a esse tipo de iniciativa corrupta e totalitária e, por isso, uma atuação sempre em evolução e articulada com o restante do grupo na fiscalização da comunicação do governo Lula", acrescenta.

Como os "ministérios-espelhos" planejam fiscalizar o governo Lula

Os "ministros-espelhos" deverão promover a análise das políticas públicas adotadas pela pasta fiscalizada, promover análise comparativa das políticas públicas com a de outras administrações nacionais ou internacionais, atuais ou anteriores, além de formar grupos de especialistas da sociedade civil para a análise de políticas públicas do ministério espelhado.

Outras práticas de fiscalização previstas são a promoção de análise do orçamento, contratos e gastos públicos do ministério espelhado; a formação de grupos de especialistas da sociedade civil para a análise das políticas públicas; a realização de sugestões de medidas alternativas ou de aperfeiçoamento das políticas públicas existentes; a investigação e análise a respeito dos beneficiários intermediários e finais das emendas parlamentares do ministério espelhado, bem como dos locais em que são aplicados os recursos.

Também existe a ideia de formar grupos de cidadãos para a análise do orçamento, contratos e gastos públicos do ministério espelhado; a formulação de relatórios contendo análises das secretarias do ministério espelhado, de sua organização e composição; a análise da vida profissional, política e de antecedentes criminais dos ministros espelhados e seus secretários; e a realização de sugestões de políticas públicas alternativas ou de aperfeiçoamento das políticas públicas existentes.

O deputado Gilson Marques diz que a experiência com as práticas de fiscalização não é nova para ele e os deputados do Novo na Câmara. "Nós, na legislatura passada, éramos o único [partido] que tinha um setor específico de fiscalização e, mesmo com a bancada reduzida, ainda permanecemos muito atuantes", destaca.

Com três deputados e um senador, o Novo é o único partido a ter todos os seus integrantes do Congresso entre os "ministérios-espelhos". Marques enfatiza que a legenda se notabilizou pela judicialização de propostas consideradas ilegais e entende que a experiência pode ajudar todo o grupo opositor a replicar a linha de atuação contra o governo Lula.

Qual é a linha de atuação que opositores planejam adotar com o governo

Antes mesmo do anúncio programado, deputados e senadores conversavam entre si em grupos de parlamentares, inclusive compartilhando ideias e promovendo análises de viabilidade de ações contra o governo Lula, ou mesmo de auxílio e troca de experiências. A ideia, agora, é ampliar isso no modelo de "ministérios-espelhos".

Na prática, o grupo de fiscalização vai promover uma coordenação junto às estratégias já organizadas pela oposição. A ideia, portanto, é que os "ministros-espelhos" atuem para a convocação de audiências públicas e entrevistas coletivas; requisitem informações; e provoquem o governo por meio das comissões especializadas ou nas comissões de Fiscalização e Controle da Câmara e do Senado; e promovam a interlocução com as comissões temáticas do Congresso relacionadas ao ministério espelhado.

Também há o interesse de que o grupo abra editais para a inscrição de especialistas e cidadãos interessados em participar de conselhos de fiscalização e envie a apuração de possíveis irregularidades que tiver conhecimento ao Ministério Público, à Polícia Federal (PF), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Oposição também quer comissão externa para monitorar governo

Os opositores também querem promover uma comissão externa para fiscalizar o governo. O objetivo é que a comissão possa realizar o deslocamento para a fiscalização, usar a estrutura da casa para reservas de plenário para a realização dos trabalhos na Casa legislativa, bem como da estrutura de áudio e vídeo de transmissão via internet.

A comissão externa poderá definir a quantidade de membros e sua composição sem observar a proporcionalidade partidária. Para fiscalizações em território nacional, será permitido o afastamento autorizado por oito sessões e de 30 sessões para a fiscalização no exterior. Seus membros ficarão responsáveis por auxiliar a aprovação de requerimentos de informação; convidar ministros e membros do governo para audiência pública; realizar audiências públicas, produzir relatórios parciais e finais com a ajuda da consultoria legislativa da Casa.

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