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Tensões na Câmara

Oposição mantém esforço por anistia, mas abre nova frente de pressão para criar CPI do INSS

Milhares de pessoas se reuniram na Avenida Paulista para o ato pró-anistia convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Isaac Fontana/EFE)

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Diante da decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em não pautar o requerimento de urgência do projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro, a bancada da oposição vai pressionar agora pela instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as suspeitas de irregularidades no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Mas o esforço pela aprovação da anistia é visto como uma questão humanitária e a única forma de pacificar o país. Por isso, ações de obstrução e mais uma manifestação foram programadas.

O foco em uma nova pauta acontece em meio ao escândalo sobre os descontos irregulares nas aposentadorias e pensões que podem ter atingido mais de seis milhões de aposentados e provocado desvios de até R$ 6,5 bilhões.

O escândalo e as suspeitas de corrupção trouxeram para dentro do Palácio do Planalto uma nova crise diante da resistência do ministro da Previdência, Carlos Lupi, em deixar o governo. O INSS está sob o guarda-chuva da pasta e, segundo o próprio ministro, ele sabia das suspeitas de irregularidades há pelo menos dois anos mas não iniciou uma investigação.

“Eu praticamente fui surpreendido com o volume disto. Sabia que tinha uma denúncia aqui ou acolá, a gente sempre soube. A gente recebia queixa, a própria plataforma do INSS aparecia algumas pessoas se queixando. Mas nesse quantitativo, com uma organização, com uma quadrilha verdadeira [não imaginava]”, disse Lupi durante audiência na Comissão de Previdência da Câmara.

A CPI foi proposta pelo deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) e protocolada nesta quarta-feira (30) com 185 assinaturas. Entre elas estão 25 de integrantes do União Brasil, 11 do MDB e oito do PSD, partidos contemplados com ministérios no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A decisão de instalação, no entanto, cabe ao presidente da Câmara, Hugo Motta. Como há outros 12 pedidos de CPI na fila, dependeria dele passar o pedido na frente dos demais, pois apenas cinco comissões podem funcionar simultaneamente. A oposição iniciou a pressão sobre Motta em uma reunião de líderes nesta quarta-feira antes mesmo da CPI ser protocolada.

"Hugo [Motta] disse que vai analisar a fila de CPIs, ver os temas ainda pertinentes ou não. Em princípio, a fila teria que ser obedecida. O que a oposição poderia fazer é pedir para outros requerimentos de CPI deles, que estão na frente, serem retirados. Governo, claro, vai trabalhar para que não aconteça a CPI", comentou Dr. Luizinho (RJ), líder do PP.

O deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, disse que a CPI do INSS "é a prioridade número um".

Caso Motta não dê prioridade ao pedido da oposição, seria a instalação de uma comissão mista, com deputados e senadores. Para a criação da CPMI, a oposição escalou a deputada Coronel Fernanda (PL-MT) e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) para recolherem as assinaturas na Câmara e no Senado.

Neste momento, o número mínimo de 27 assinaturas já foi alcançado no Senado, enquanto na Câmara ainda há 96 assinaturas. São necessárias 1/3 de apoios (27 no Senado e 171 na Câmara) nas duas Casas.

Primeira anistia sob a atual Constituição pode consagrar causa humanitária

A votação do projeto de anistia aos presos de 8 de janeiro está sendo barrada na Câmara pelo presidente Hugo Motta mesmo depois da oposição ter obtido as assinaturas necessárias para levar a questão ao plenário. Ele deve enfrentar resistência semelhante no Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre (União-AP) já articula um projeto alternativo para reduzir as penas, mas não dar a anistia aos manifestantes.

Diante dessa resistência e da pressão exercida pelo Executivo e pelo STF, o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara, disse que a oposição não está trocando a anistia aos presos de 8 de janeiro pela CPI do INSS.

"Nós continuaremos focados com nosso trabalho de obstrução. Enquanto a anistia não vier à pauta, nós do PL, nós da oposição continuaremos fazendo nosso trabalho pelas pessoas que precisam", disse Sóstenes.

A obstrução é uma manobra regimental para atrasar a votação de outros itens da pauta da Câmara, enquanto o interesse do grupo não for negociado. Mas como o PL não tem apoio de mais de 257 deputados, tentativas anteriores de obstrução surtiram pouco efeito ou apenas atrasaram a votação de projetos. Sóstenes disse que a obstrução não vai influir na realização da CPI do INSS, caso ela seja instalada.

Porém, apesar de não conseguir parar a Câmara, a oposição calcula que já tem os votos necessários para aprovar a anistia, caso ela seja pautada. Se for aprovado no Congresso, esse será o quarto perdão institucional da história brasileira – o primeiro deste século – 46 anos após o de 1979, no período militar.

Como instrumento jurídico e político, a anistia tem desempenhado papel recorrente no Brasil, sendo usada como meio de pacificação após períodos de conflito e instabilidade social. O país já recorreu três vezes ao expediente, refletindo episódios complexos pela busca de uma reconciliação nacional.

A principal diferença agora, segundo os líderes da causa, está no seu caráter humanitário, por envolver a liberdade para presos e foragidos sem ficha criminal, muitos dos quais idosos, doentes, responsáveis por parentes desamparados e outros que nem estavam envolvidos nos atos investigados.

Em 1934, durante o governo provisório de Getúlio Vargas, foi decretada a anistia que beneficiou integrantes da Revolução Constitucionalista de 1932 e outros envolvidos em crimes políticos. A medida não abarcou crimes comuns e foi ampliada pela Constituição decretada pelo mesmo presidente.

Com o declínio do Estado Novo e o fim da Segunda Guerra Mundial, Vargas concedeu nova anistia em 1945, libertando prisioneiros políticos, inclusive o líder comunista Luís Carlos Prestes. Mas a reintegração de militares e civis anistiados precisou de avaliações individuais, refletindo tensões da época.

Por último, a Lei da Anistia de 1979, sancionada no governo do presidente João Batista Figueiredo, foi um marco no encerramento do período militar. Além de permitir a volta de exilados e a libertação de presos políticos, a medida beneficiou agentes do Estado acusados de violar direitos humanos.

Figueiredo sancionou a Lei da Anistia em 28 de agosto de 1979. Em pouco tempo, as pressões da oposição e da sociedade levaram o governo a libertar os presos não alcançados pela nova lei. Uns ganharam indulto presidencial, enquanto outros tiveram seus processos revisados pelos tribunais militares.

Quase cinco décadas depois, anistia volta a ser maior tema político do país

Desde 2024, a anistia voltou a ser o principal tema da agenda nacional. E a concessão do perdão aos envolvidos nos atos na Praça dos Três Poderes em 2023, quando manifestantes invadiram prédios públicos, reacende o debate sobre quais são os limites e impactos desse dispositivo.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), destaca o apoio popular à anistia, que despertou o interesse do povo nos últimos meses. Ele também lembrou que as manifestações favoráveis foram bem maiores do que as contrárias, sugerindo respaldo da sociedade à proposta.

O próximo ato foi convocado para quarta-feira (7) pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e será o primeiro na capital federal, depois das manifestações ocorridas no Rio de Janeiro e em São Paulo. A ideia é de que a mobilização aconteça justamente em um dia de grande movimentação dos parlamentares no Congresso para tentar chamar atenção dos deputados e senadores.

“Manifestação pacífica em Brasília pró-anistia. Compareçam”, diz Bolsonaro no início de uma gravação em que aparece deitado no leito da UTI. O ex-presidente está internado há 18 dias em um hospital da capital federal e, por isso, não deve participar da mobilização.

Durante o evento, apoiadores de Bolsonaro devem destacar o voto do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso de Débora Rodrigues, julgada por ter pichado com batom a frase “perdeu, mané” na estátua A Justiça durante os atos do 8 de janeiro de 2023. O ministro Alexandre de Moraes votou pela condenação de Débora a 14 anos de prisão, enquanto Fux defendeu pena bem menor, de 1 ano e 6 meses de reclusão.

Outro caso emblemático foi o do empresário Clériston Pereira da Cunha, o Clezão, que morreu na Penitenciária da Papuda. Os defensores do projeto ressaltam que os presos enfrentam processos sem a devida individualização de condutas e que houve maus-tratos na prisão. Além disso, por não terem foro especial, essas pessoas perderam o direito de recorrer a instâncias superiores contra sua provável e dura condenação.

Até o momento, cerca de 900 participantes dos protestos de 8 de janeiro foram julgados, sendo 370 condenados por “crimes graves” e quase metade das sentenças acima de 14 anos de prisão. Todos são acusados de tentar realizar um golpe de Estado no Brasil sem recursos, armas e nem mesmo líderes conhecidos.

Motta resiste à pressão pela urgência para pautar anistia e negocia a "meia-anistia"

Apesar de o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), ter reunido 262 assinaturas — cinco a mais que o mínimo necessário — para o requerimento de urgência da anistia antes da Páscoa, a decisão de pautar a votação parou nas mãos do presidente da Câmara, Hugo Motta. Sob forte tensão, a longa reunião de líderes da última quinta-feira (24) acabou postergando a decisão.

O recuo proporcionado por acordo entre líderes partidários que representam mais de 400 deputados visou buscar uma saída alternativa diante das divergências sobre o alcance da anistia e o rigor das penas aplicadas pelo STF.

Paralelamente, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), anunciou para maio a apresentação de um texto alternativo — apelidado pela oposição de “meia anistia” — que beneficie apenas réus de menor gravidade nos atos de 8 de janeiro.

Alcolumbre sugeriu o senador Jaques Wagner (PT) como relator, na tentativa de construir consenso com os Três Poderes.

Enquanto isso, ministros do STF seguem emitindo declarações contrárias à anistia: Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso condenaram publicamente a chance de perdão aos réus. Para Barroso, presidente da Corte, “os crimes são imperdoáveis”.

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Para especialista, sem a pacificação pela anistia, país seguirá dividido

O cientista político Paulo Kramer avalia que, sem a anistia para indivíduos como esses, “a sociedade seguirá dividida, pois a reconciliação nacional exige gestos de perdão”. Na narrativa contrária, opositores alardeiam que a medida enfraquece o Estado de Direito e incentiva futuras transgressões.

Kramer explica que a parceria entre Judiciário e o atual governo petista para conter conservadores e a liberdade de opinião foi inaugurada em 2019, quando o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, nomeou Alexandre de Moraes para relatar o “Inquérito das Fake News”, aberto até hoje.

“Como se esperava, a posse de Lula instigou protestos populares pacíficos, até que participantes do 8 de Janeiro foram submetidos a processo irregular. O relator novamente era Moraes, que concentrou os papéis de parte interessada, investigador, acusador, julgador, carcereiro e carrasco”, diz.

A anistia, concedida por lei do Congresso e distinta do indulto presidencial, poderá ser cassada pelo STF sob argumento de violação da Constituição. A defesa dos direitos humanos, usada para negar a anistia de 1979 a militares, não é considerada pelos críticos da anistia em pauta hoje.

Clezão e Débora viram ícones da luta pela anistia dos presos do 8 de Janeiro

Dentre os muitos dramas abarcados pelo 8 de Janeiro, alguns viraram ícones da luta nacional pela anistia. O maior deles é o de Clezão, pai de duas filhas adolescentes. Ele morreu em 20 de novembro de 2023, aos 46 anos, após sofrer mal súbito durante o banho de sol na Penitenciária da Papuda.

O empresário sofria de diabetes e hipertensão. Apesar da série de apelos da defesa e de o Ministério Público Federal ter emitido parecer favorável à sua soltura, o pedido jamais foi analisado pelo ministro relator, Alexandre de Moraes. Essa situação tornou Clezão mártir e alerta para outros casos.

Débora dos Santos, de 39 anos, tornou-se outro símbolo do projeto de anistia. Ela teve interrompido o julgamento pela primeira turma do STF, sob acusação de associação criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e outros crimes. O relator Moraes pediu condenação de 14 anos de prisão.

Atualmente, Débora cumpre prisão domiciliar, decidida pelo ministro relator, que cedeu às pressões da sociedade. A figura da cabeleireira foi amplamente usada nas manifestações pró-anistia recentemente realizadas na Praia de Copacabana e na Avenida Paulista. O batom virou um emblema.

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