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O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF.

A decisão do presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, deputado Arthur Maia (PP-BA), de consultar previamente o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a chance de o colegiado acessar documentos sigilosos relacionados aos atos de vandalismo, que estão sob a guarda da Corte, gerou críticas da oposição e debates sobre a eventual interferência do Judiciário nas investigações.

O anúncio foi feito por Maia durante a reunião da CPMI na última terça-feira (5) e alimentou suspeitas de blindagem ao inquérito da operação Lesa Pátria, em andamento no STF, e de desafio à autonomia do colegiado. Apesar de defenderem a autoridade da CPMI para decidir sobre documentos sigilosos, parlamentares e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam até o risco de crise institucional, caso Alexandre Moraes negue acesso a informações.

Na manhã desta terça-feira (13), Arthur Maia e Alexandre de Moraes têm encontro agendado antes da sessão da CPMI. Na pauta do colegiado estão aproximadamente 800 requerimentos para análise, que serão afunilados em cerca de 200 e, desses, alguns serão priorizados. Maia quer realizar reuniões da comissão nesta terça-feira (13) e na quinta-feira (15) a fim de concluir a votação dos pedidos iniciais de audiências e de informações, para passar à análise de relatórios.

Considerando que grande parte dos requerimentos trata de itens sob sigilo no STF, Maia afirmou que procuraria Moraes antes de qualquer solicitação. “O ministro está conduzindo um inquérito e manteve em sigilo alguns dos documentos. Antes de só pedir divulgação de algo sigiloso, quero conversar para entender as razões dele e chegar a um acordo”, disse. O deputado também ressaltou que investigações da CPMI e do STF são complementares.

As convocações sugeridas pelo presidente da CPMI para inaugurarem as oitivas, por serem as campeãs de requerimentos, são: Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; general Marco Edson Gonçalves Dias, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT); Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Saulo Moura, então diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante as invasões de 8 de janeiro; e Eduardo Naime, coronel e ex-comandante de Operações da Polícia Militar (PM) do Distrito Federal.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, seria o sexto nome prioritário, mas sua vinda seria por meio de convite e não de convocação.

Senador critica consulta de Maia a Moraes

O senador Esperidião Amin (PP-SC), autor de requerimentos para tornar públicos documentos produzidos pelo sistema nacional de inteligência sobre eventos anteriores ao dia 8 de janeiro - que revelam o conhecimento prévio do governo federal, do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as invasões - considerou o gesto de Maia de "pedir licença" a Moraes para acessar os documentos como “absolutamente dispensável”.

Ele também avalia que a CPMI tem poderes para acessar documentos sigilosos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), os quais estão sob posse da comissão mista do Congresso sobre esses serviços. Quanto ao risco de Moraes impedir o acesso aos autos sobre o dia 8 de janeiro, Amin disse preferir “não comentar sobre hipóteses”.

Já o senador Eduardo Girão (Novo-CE) diz estar otimista e não crê na recusa de Moraes em compartilhar documentos sigilosos, considerando os sinais que o próprio ministro vem dando ao longo do inquérito. “Espero que ele [Moraes] não chegue a este ponto de blindagem, a exemplo da decisão que o próprio ministro deu em relação aos documentos sigilosos produzidos pelo sistema de inteligência, argumentando que, em tese, documentos sobre fatos públicos exigem publicidade”, disse.

Quanto à possibilidade de recorrer à Justiça na hipótese de uma negativa, Girão responde com uma pergunta: recorrer a quem? Ele lamenta que restaria apelar ao STF contra uma decisão do mesmo tribunal, com quase nenhuma chance de reversão. “Nos cabe mostrar à sociedade contradições e abusos nesse processo, para deixar os acontecimentos às claras”, disse.

Defensor de presos do 8 de janeiro aponta escalada de ingerências

Na opinião de Claudio Caivano, advogado de 15 indiciados no inquérito do dia 8 de janeiro, a decisão de Arthur Maia de buscar aprovação prévia de Moraes para ter acesso ao conteúdo sigiloso que está com o STF foi “como se a CPMI precisasse pedir bênção ao tribunal para exercer suas prerrogativas”.

“O ato configura clara interferência entre os Poderes, protagonizada pelo próprio Legislativo. É mais um episódio da série que temos testemunhado desde a votação na Câmara que avalizou a prisão do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), ocorrida dias antes e sem a necessária aprovação do plenário”, destacou Caivano.

Para ele, a oposição deveria persistir na criação de uma subcomissão, que pode ser a única oportunidade para se convocar testemunhas e relatar fatos que ainda não estão recebendo a devida atenção, “conduzindo investigação paralela e efetivamente imparcial”. “Não há alternativa a isso, sobretudo depois que a relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), rejeitou os pedidos dos opositores para se criar sub-relatorias. No entanto, temo que a condição minoritária da oposição torne difícil concretizar a opção”, disse.

De qualquer forma, o advogado o espera que, caso se confirme o impacto esperado por alguns senadores em relação ao conteúdo de documentos sigilosos, como os produzidos pela Abin, a comissão possa tomar rumo diferente, tornando inevitável a constatação de fatos desfavoráveis ao governo Lula.

Caivano também é autor do livro "8/1: a história não contada", que relata os episódios das invasões aos prédios da Praça dos Três Poderes sob uma perspectiva mais ampla, na qual tanto a intenção dos vândalos quanto a omissão de autoridades federais têm igual peso no desenrolar do cenário.

Analistas políticos veem alerta de Maia para eventuais atritos

Na opinião do cientista político Ismael Almeida, a atitude de Maia não reflete submissão a Moraes, mas sim a precaução de um político experiente diante de uma situação potencialmente inédita na história das CPIs, que poderia representar afronta direta ao Congresso. “Embora inquéritos conduzidos por comissões parlamentares nunca tenham enfrentado obstáculos legais e a rotina de acesso a documentos protegidos pelo sigilo muitas vezes resultasse até em vazamentos para a imprensa, o que agora existe é o receio de uma clara confrontação entre poderes”, disse.

A tendência, avalia Almeida, é de que Moraes evite entrar em confronto com os congressistas e, no máximo, se alinhe com o comando da CPMI para evitar possíveis momentos de tensão pública e de crescente conflito institucional.

Embora seja considerada uma possibilidade remota por todas as partes, Maia optou por não descartar a hipótese de bloqueio ao inquérito do 8 de janeiro devido ao cenário de polarização política desde as eleições de 2022 e o crescente ativismo do Judiciário. "Maia achou prudente combinar práticas e discursos com o ministro do STF antes da CPMI solicitar formalmente o acesso ao inquérito da operação Lesa Pátria, que investiga atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes", afirmou o cientista político.

Dessa forma, a conversa entre Maia e Moraes deve ser conduzida com o intuito de suavizar politicamente arestas e alertar o ministro sobre possíveis consequências negativas, caso ele decida não compartilhar os documentos.

A eventual decisão indesejada poderia afetar o próprio grupo majoritário da Câmara, liderado pelo presidente Arthur Lira (PP-AL). Portanto, afetaria desde a minoria de oposição - interessada no acesso ao inquérito para tomar conhecimento de detalhes sobre investigações envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - até mesmo membros da própria CPMI que são investigados no inquérito do 8 de janeiro, cujos advogados ainda não tiveram qualquer acesso a esses documentos.

De acordo com o cientista político André Felipe Rosa, caso Alexandre de Moraes decida não autorizar a quebra de sigilo do inquérito do 8 de janeiro, isso poderá gerar suspeitas sobre o próprio ministro, especialmente por parte de parlamentares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Rosa observa que esse gesto também poderá servir como combustível para a oposição atacar o governo federal e questionar a legitimidade e as ações de Moraes no inquérito.

Nesse cenário, as manobras adotadas pelo governo Lula para impedir ou enfraquecer a CPMI poderiam ser resgatadas e contribuir para uma certa tensão institucional. Moraes já é alvo frequente de parlamentares aliados do ex-presidente, que utilizarão esse fato como uma oportunidade para atacar tanto o governo Lula quanto a legitimidade do ministro.

Mesmo antes disso, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) já apresentou um requerimento no colegiado para convocar Moraes a fim de obter informações sobre decisões tomadas antes e depois do dia 8 de janeiro, que, segundo o parlamentar, revelam posicionamentos questionáveis por parte do ministro.

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