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Eduardo Appio
Appio está afastado temporariamente das funções na 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela condução dos processos da operação Lava Jato.| Foto: YouTube/reprodução

O afastamento do juiz Eduardo Fernando Appio da condução dos processos referentes à Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, na noite desta segunda (22), ocorreu pela suspeita de infração de uma série de normas legais de acordo com a decisão do Conselho do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) obtida pela Gazeta do Povo (veja na íntegra).

Em um longo relatório, o corregedor regional da Corte, Cândido Alfredo Silva Júnior, explica cada violação que teria sido cometida por Appio em uma suposta ligação telefônica feita a João Eduardo Barreto Malucelli, filho do desembargador federal Marcelo Malucelli, no dia 13 de abril, classificando como uma possível tentativa de intimidação, ameaça ou constrangimento a partir de dados sigilosos a que teve acesso.

Barreto gravou a ligação recebida de uma pessoa que se identificou como servidor da área de saúde do TRF-4. Ele identificou o interlocutor como sendo possivelmente de Appio, se utilizando de um nome fictício. A gravação foi encaminhada para uma perícia da Polícia Federal, que disse que a voz se “corrobora fortemente” com a de Appio.

“A voz presente no vídeo que gravou a ligação telefônica recebida pelo filho do desembargador federal Marcelo Malucelli fora produzida pelo juiz federal Eduardo Fernando Appio, em nível ‘+3’ (‘o resultado corrobora fortemente a hipótese’), numa escala que vai do grau ‘-4’ (‘o resultado contradiz muito fortemente a hipótese (de origens diferentes)’) e ‘+4’ (‘o resultado corrobora muito fortemente a hipótese (de mesma origem)’)”, diz trecho do laudo pericial enviado pela PF ao TRF-4.

Na ligação atribuída a Appio, o interlocutor tenta obter informações sobre o pai de Barreto a partir de um diálogo de que teria “valores a devolver”, e questionando se ele “não tem aprontado nada”.

Em abril, o desembargador Marcelo Malucelli pediu para se afastar dos casos da Operação Lava Jato no TRF-4 por ligação com a família do senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Barreto é sócio do parlamentar e da esposa, a deputada federal Rosangela Moro (União Brasil-SP) no escritório de advocacia Wolff Moro, em Curitiba.

Desde antes de assumir os processos da Lava Jato em Curitiba, Appio era um crítico da operação. Em entrevista à GloboNews nesta segunda (22), ele reconheceu que chegou a usar a sigla “LUL22” como identificação eletrônica no sistema da Justiça Federal do Paraná, o chamado E-proc, entre 2021 e o início de 2022.

Ele disse que, quando trabalhava com matéria previdenciária, utilizava a sigla como um “protesto isolado, individual, contra uma prisão que eu reputava ilegal”.

Appio afirmou, logo que assumiu os trabalhos na 13ª Vara Federal de Curitiba, que o então juiz Sérgio Moro conduzia os processos com um “populismo judicial” e que “havia excessos” nas investigações.

Corregedor considera ligação ilegal

O corregedor do TRF-4 considera que Appio pode ter cometido pelo menos quatro infrações ao entrar em contato com João Eduardo Barreto Malucelli, como consultar dados de sistema restrito, efetuar ligação por meio de telefone sem identificador de chamada, passar-se por terceira pessoa e a própria ligação ao filho de um desembargador que “figurou como relator em correições parciais que o magistrado sofreu”.

“A ligação telefônica afigurou-se bastante suspeita, considerando que:

  • (c.1) foi feita com número bloqueado;
  • (c.2) o interlocutor justificou estar utilizando sistema Skype para economizar valores da Justiça Federal, quando não há essa política no âmbito da Justiça Federal;
  • (c.3) o interlocutor utilizou nome de Fernando Gonçalves Pinheiro e identifica-se como servidor da área de saúde da Justiça Federal, mas aparentemente não existe servidor com esse nome na Justiça Federal da 4ª Região;
  • (c.4) o interlocutor mencionou ter consultado bases de dados do imposto de renda;
  • (c.5) o interlocutor dirigiu-se diretamente ao filho do desembargador, embora tenha afirmado que pretendia falar com este;
  • (c.6) o interlocutor fez menção a informações que não são corretas (dizendo que número do celular pertenceria ao desembargador, e, depois, ao seu filho)”, diz o relatório do corregedor Cândido Alfredo Silva Júnior."

Ainda segundo o relatório, a informação apurada pelo departamento técnico do TRF-4 confirma a suspeita de acesso restrito aos dados sigilosos de Barreto na Receita Federal. “A informação exibida no print só pode ter sido obtida através de um usuário logado com o perfil de magistrado. Essa afirmação decorre do menu à esquerda, destacado em amarelo no print abaixo, possuir exatamente a mesma sequência de recursos do perfil do magistrado, sendo que somente esse tipo de usuário possui a sequência exibida”.

A imagem com os dados sigilosos acessíveis somente por magistrados foi, segundo o corregedor do TRF-4, postada no Twitter no dia 13 de abril (veja aqui), em uma conta supostamente pertencente ao advogado Wilson Ramos Filho, que se apresenta como professor de Direito do Trabalho nas universidades federais do Paraná e do Rio de Janeiro.

No dia seguinte, o perfil atribuído a Ramos Filho postou outra mensagem na rede social mostrando o quadro societário do escritório de advocacia de Barreto com o casal Moro e o que seria uma descrição dos vencimentos de José Eduardo.

Durante a ligação suspeita, o interlocutor, que seria Appio, diz que tem o número de Barreto como cadastrado em nome do pai, Marcelo Malucelli, e que ligaria para ele informando sobre a suposta pendência fiscal. No entanto, tenta extrair informações sobre o advogado com a alegação de que não gostaria de “incomodar” o desembargador no tribunal.

“Então eu faço isso, ligo diretamente pro seu pai e faço isso, eu só não queria incomodar, que aqui consta o seu número, seu nome, seu CPF e a questão de resíduos do passado de despesas médicas, a ideia era não incomodar. Mas se o senhor prefere assim”, disse o interlocutor.

Pouco depois, o interlocutor volta a dizer que ligaria para o pai de Barreto para falar sobre a suposta pendência fiscal, o que é imediatamente permitido pelo advogado.

“Então eu ligarei, digo que eu falei com o senhor, digo que falei com o senhor e que o senhor me autorizou a ligar pra ele, incomodá-lo no próprio tribunal”, reforçou o interlocutor.

Barreto interpelou-o para confirmar o suposto nome informado:

“Ah pode pode falar. Incomodá-lo! Qual é o nome do senhor mesmo? Fernando Pinheiro Gonçalves, né”, questionou sendo confirmado pelo interlocutor.

Ao fim, o suposto servidor da área de saúde do TRF-4 pergunta: “e o senhor tem certeza que que não não tem aprontado nada”, sendo respondido por Barreto de que “ah agora tá, tá certinho. Aprontado?”.

A ligação se encerra abruptamente neste momento. Veja mais abaixo a íntegra do diálogo gravado por João Eduardo Barreto Malucelli. No mesmo dia, Marcelo Malucelli levou o fato ao tribunal, que determinou a apuração do caso pela Comissão Permanente de Segurança com o auxílio urgente da Polícia Federal.

Appio terá 15 dias para apresentar defesa

Appio está afastado das funções temporariamente para assegurar que as informações atualmente disponíveis nos sistemas da Justiça Federal não sofram danos que afetem a investigação. A corregedoria deu, ainda, um prazo de 15 dias para o magistrado apresentar defesa.

“Assegurar a produção de provas que guardam risco de não poderem ser produzidas novamente ou que podem vir a tornar-se irrepetíveis, impondo-se que, de modo cautelar, o magistrado seja impedido de acessar as dependências da Justiça Federal e da vara em que jurisdiciona, bem como seja impedido de acessar os sistemas eletrônicos vinculados à sua atuação como magistrado (suspensão de acesso ao login na Intranet e nos sistemas que lhe são vinculados e ao E-Proc, conforme adiante se especifica) – meios pelos quais poderia vir a perecer o objeto da prova a ser produzida”, disse o corregedor no relatório.

O que foi dito na gravação a Barreto

Veja abaixo a íntegra da ligação entre o suposto servidor do TRF-4 e João Eduardo Barreto Malucelli, filho do desembargador federal Marcelo Malucelli, no dia 13 de abril:

  • Voz 1: Fernando Gonçalves Pinheiro [nome usado pelo suposto servidor], o senhor pode pode ligar novamente pra cá, não não há problema nenhum, eu só preciso eh… que o senhor passe eh… o telefone ou passe o contato pro pro doutor Marcelo Malucelli em relação aos extratos aqui do imposto de renda referente aos filhos, é uma coisa do passado, é um resíduo do passado, que ele tem um crédito que pode abater no imposto de renda, pode computar em favor.
  • Voz 2: ‘Hum’ entendi, mas olha me me desculp…
  • Voz 1: (Incompreensível)
  • Voz 2: Me desculpe, o senhor tá ligando sem ID do chamador, eu ‘num’ ‘num’ não faço ideia quem quem seja.
  • Voz 1: ‘Ah’ mas o s… o senhor, tudo bem. Mas consta o senhor aqui como sendo um dos filhos e consta aqui o seu número. Então nós estamos ligando pra isso.
  • Voz 2: ‘Hum’ mas assim, eu não eh… essa história tá bem estranha, viu? Me desculpe, com todo respeito, mas eh… se o Marcelo…
  • Voz 1: Como é que eu teria o seu telefone aqui eh… é uma questão só de imposto de renda. Ah se o senhor quiser eu ligo diretamente pro seu pai, não tem problema ligo (incompreensível)…
  • Voz 2: (Incompreensível)
  • Voz 1: Não há problema nenhum.
  • Voz 2: Então, então acho melhor o senhor fazer isso, né?
  • Voz 1: Então eu faço isso, ligo diretamente pro seu pai e faço isso, eu só não queria incomodar, que aqui consta o seu número, seu nome, seu CPF e e a questão de resíduos do passado de despesas médicas, a ideia era não incomodar. Mas se o senhor prefere assim, liga… nós ‘tamo’ só utilizando aqui um sistema aqui via Skype pra economizar valores da Justiça Federal. Não não há não há… se não aparece é só por isso. Mas eu ligo pra ele diretamente, não há problema nenhum.
  • Voz 2: É, sim, é que o senhor ligou e falou…
  • Voz 1: (Incompreensível)
  • Voz 2: O senhor ligou e falou, eu gostaria de falar com o Marcelo Malucelli, agora o senhor tá falando que aparece aí que eu sou filho. Então assim, fica fica meio ambíguo, né? Até ah…
  • Voz 1: É ah… o contato que eu tenho do do do doutor Marcelo Malucelli deve ser um contato antigo, aparece o seu telefone, então por isso que eu li… nós estamos ligando…
  • Voz 2: Não, esse número nunca foi do Marcelo Malucelli, senhor, me me perdoa. E também, assim, eh… eu eu faz muito tempo já que eu não também não não tenho qualquer tipo de cooperação de convênio junto a justiça federal por conta eh… de dependência de servidor. Eu já sou maior de idade faz tempo e ‘num’ não tenho convênio algum.
  • Voz 1: Não, sim, sim, mas aqui… sim, sim, isso aqui é uma data antiga, eh… o senhor tem vinte e oito anos de idade, isso aqui deve ter feito de coisa de mais de dez anos atrás, com certeza, dez, quinze anos atrás. Pelo menos aqui as datas que se refere aqui, dois mil um, dois mil e dois, isso é coisa antiga.
  • Voz 2: Ah, então tá bom. Então o senhor entra em contato com ele, beleza?
  • Voz 1: Mas se o senhor prefere eu ligo pro seu pai diretamente, eu só não gostaria de incomodá-lo, só isso.
  • Voz 2: Tá bom, claro. Pode ligar então. Faça o que o que for melhor.
  • Voz 1: Então eu ligarei, digo que eu falei com o senhor, digo que falei com o senhor e que o senhor me autorizou a ligar pra ele, incomodá-lo no próprio tribunal.
  • Voz 2: Ah pode pode falar. Incomodá-lo!Qual é o nome do senhor mesmo? Fernando Pinheiro Gonçalves, né?
  • Voz 1:Isso.
  • Voz 2: Ah, tá.
  • Voz 1: Pode pode chamar aqui no setor de saúde que nós estamos aqui.
  • Voz 2: Setor de saúde.
  • Voz 1: (Incompreensível)
  • Voz 2: Setor de saúde, Fernando Pinheiro Gonçalves. Tem certeza que esse é o nome do senhor?
  • Voz 1: Tenho certeza absoluta.
  • Voz 2: Então tá bom.
  • Voz 1: E o senhor tem certeza que que não não tem aprontado nada?
  • Voz 2: Ah agora tá, tá certinho. Aprontado?
  • Voz 3 [que surge ao final, mas que não é identificado]: Meu Deus! Li…
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