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A Polícia Federal indiciou nesta quarta (2) o ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes, Eduardo Tagliaferro, por violação de sigilo funcional ao vazar mensagens trocadas entre servidores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) que apontam a possibilidade de pesca probatória e abuso de autoridade, entre outras práticas, por parte do magistrado.
As investigações apontam que ele teria sido o responsável por vazar os diálogos datados de agosto de 2022 a maio de 2023, em que assessores de Moraes no STF orientavam servidores do TSE a produzirem relatórios contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e comentaristas de direita para embasar decisões em inquéritos em andamento no STF. Na época, Moraes era presidente do TSE.
As mensagens foram vazadas à Folha de S. Paulo, que publicou no ano passado uma série de reportagens apontando o que teria sido, ainda, uma suposta adulteração de documentos e possíveis fraudes de provas.
“O intento da publicidade daquelas informações era arranhar a imagem do Ministro do STF, questionar-lhe a imparcialidade na condução dos procedimentos mencionados na Suprema Corte e, por fim, turbar ainda mais o cenário político-social do país, de modo que as investigações acerca das organizações criminosas não seguissem o curso natural”, disse o delegado Thiago Batista Peixe no inquérito enviado a Moraes e encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR).
A defesa de Tagliaferro nega que ele tenha sido responsável pelo vazamento. "Esperamos que a Douta Procuradoria-Geral da República possa verificar a fragilidade da investigação e não acolha as ilações contidas no relatório policial", disseram seus advogados em nota enviada à Folha de S. Paulo.
Segundo a PF, o vazamento teria se comprovado a partir de depoimentos e quebra de sigilo de comunicação do ex-assessor. Ele teria relatado à esposa, em abril de 2024, que repassou as mensagens a um jornalista da Folha.
“O diálogo deixou evidente que Eduardo divulgou ao jornalista informações que foram obtidas enquanto ele laborada na Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE. Estas informações deveriam ser mantidas em sigilo. O investigado praticou, de forma consciente e voluntária, sem amparo de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, pelos menos as condutas tipificadas no Código Penal”, completou o delegado.
Para Thiago Batista Peixe, o ato de Tagliaferro teve o “condão de desacreditar a mais alta Corte do Poder Judiciário, a imparcialidade dos membros e obstar o prosseguimento de investigações que envolvem as organizações criminosas mencionadas”.
Ele ainda apontou que o ex-assessor tentou “lançar suspeita” sobre a Polícia Civil de São Paulo durante as investigações que levaram à apreensão de seu telefone celular, em um inquérito que apurava o crime de violência doméstica.
“Eduardo afirmou que após a restituição do objeto, em 15.05.2023, o aparelho apresentava defeito, o que fez com que ele o destruísse, cerca de dois dias depois. Com tal alegação, Eduardo tenta orientar a investigação para uma suposta extração ilegal dos dados do dispositivo eletrônico pela PC-SP”, afirma o delegado.
Thiago Batista Peixe ainda apontou que “a divulgação ilícita revelou intenção em macular a imagem e lisura dos órgãos mencionados, bem como a honra e imparcialidade dos membros que compõem as Cortes constitucional e eleitoral”.
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Segundo as mensagens vazadas à imprensa, as conversas envolveram Tagliaferro; Airton Vieira, que era juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF; e Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes durante sua presidência no TSE. O ex-assessor disse, na época, que “a direita foi mais investigada”.
“Poucas e raras as pessoas de esquerda para quem recebi demandas de investigações. Isso é estatístico. Basta olhar meus relatórios e a quantidade de perfis e contas que bloqueamos no curso das eleições”, disse em entrevista ao Estadão.
O gabinete de Moraes negou quaisquer irregularidades nas requisições dos relatórios. O ministro argumentou que o TSE, “no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas”.
“Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais”, disse em nota.
O gabinete do ministro reforçou que “todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”.
Jurista aponta inconsistências em indiciamento
O advogado especialista em liberdade de expressão André Marsiglia, ao analisar o indiciamento contra Tagliaferro, ponderou que, embora o Código Penal puna quem revela segredo em razão da função que exerce, as informações às quais ele teve acesso, em tese, eram atos oficiais "que violaram ritos e possivelmente direitos dos cidadãos".
"O interesse público, nesse caso, está ao lado de quem revela o indevido segredo, não de quem o guarda. Por esse prisma, não seria cabível a punição", disse o jurista.
Marsiglia ainda ponderou que, se Tagliaferro está sendo investigado por “vazar informações sigilosas”, as mensagens seriam verdadeiras. "Se era, o conteúdo não será também investigado? Se parte do conteúdo sugere atos oficiais que não seguiram trâmites corretos, os atos também devem ser investigados", concluiu.








