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Rumo ao STF

PF pode tentar apresentar novos dados após manifestação de defesas sobre denúncia de suposto golpe

Alexandre de Moraes
O ministro do STF Alexandre de Moraes. (Foto: Joedson Alves/EFE)

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A Polícia Federal ainda possui dados e informações que foram obtidos em investigações e buscas no fim do ano passado, mas não entraram no relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro, que deu base à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas por suposto planejamento de um golpe de Estado. A reportagem apurou que essas informações podem ser enviadas ao STF mesmo depois das defesas dos denunciados terem se pronunciado, mas ainda não há uma definição sobre a possibilidade.

Em tese, se as supostas evidências forem apresentadas posteriormente, as defesas dos denunciados podem argumentar que não tiveram acesso a todos os dados obtidos pela Polícia Federal e pleitear a anulação do processo, alertam especialistas. O julgamento do da aceitação ou não da denúncia foi marcado para o próximo dia 25.

Não se sabe por ora qual é o conteúdo exato desses dados e se eles podem ou não reforçar as denúncias contra Bolsonaro e seus aliados.

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, chamou essas informações de relatório complementar em entrevista do jornal O Globo em janeiro. O jornal publicou no fim de fevereiro outra matéria dizendo que a declaração de Rodrigues passou a ser tratada como um equívoco dentro da Polícia Federal e que o relatório complementar não seria mais apresentado.

A Gazeta do Povo apurou que atualmente os dados são tratados internamente na Polícia Federal com o nome de "análise complementar" e não há data prevista para que sejam encaminhados ao STF. Eles se tornaram um problema com o qual a PF está com dificuldade para lidar, pois se os apresentar agora pode fortalecer a defesa dos denunciados. Por isso eles podem até nem ser apresentados.

A reportagem perguntou à Polícia Federal se ainda há intenção de apresentar os dados ao Supremo, mas não obteve resposta.

Para especialistas, se esse encaminhamento acontecer, pode prejudicar as defesas dos denunciados do processo. Mas por outro lado pode ser um argumento que se somará a outras falhas processuais. Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, “parece estar em curso uma correria condenatória, não um processo judicial regular”.

Marsiglia afirma que, no caso de novas evidências, há necessariamente a obrigatoriedade de abrir novo prazo à defesa diante de novos documentos apresentados. “Do contrário, é absurdo e nulo tudo o que virá depois. As partes têm de ter acesso a tudo”, alerta.

Como este documento produzido pela PF está sob sigilo, as defesas não tiveram acesso a supostas evidências que constam nele para preparar suas manifestações.

A PF disse oficialmente na ocasião que a “análise complementar” não impactaria nas conclusões principais na denúncia da PGR. Mas analistas dizem que o impacto ocorre independente da importância do conteúdo dos dados. “Se existem novas provas, novos documentos e a possibilidade de novos indiciamentos ou implicações dos já denunciados, como não vai impactar sobre o que já existe? Só o fato de existir um suposto documento complementar que pode ser incorporado à denúncia já prejudica as defesas que não tiveram acesso a ele”, avalia o advogado especialista em Direito Público Márcio Nunes.

A reportagem apurou que essa “análise” em curso traz novas informações, como conversas extraídas de aparelhos e dispositivos eletrônicos apreendidos com os denunciados e pessoas ligadas a eles. Entre as evidências estaria um áudio de um policial que foi preso durante a operação no qual ele teria dito que "estavam com [Alexandre de] Moraes na mira para atirar".

Não se sabe o contexto dessa fala, mas ela pode ser usada para reforçar a tese de que teria havido um plano para matar o ministro do STF Alexandre de Moraes. A Polícia Federal chegou a justificar no início do ano a elaboração de um novo documento afirmando que não houve tempo hábil para incluir material e análises obtidos ao relatório de 884 páginas remetido ao STF no fim de 2024 e que usou como base provas colhidas em outras operações e apreensões.

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Para o constitucionalista André Marsiglia, não há como uma defesa, sob uma acusação de um suposto golpe de Estado, se preparar para ela sem ter conhecimento prévio de todo o conteúdo coletado como prova ou evidência. “Isso não existe”, completa.

Segundo o advogado Luiz Augusto Módolo, é preciso que o STF encerre os inquéritos e as diligências e que os transforme em ações penais de fato, com os acusados tendo acesso à integralidade dos autos, para que se defendam “de fatos certos e não de fatos hipotéticos que vão sendo acrescentados a cada novo acontecimento”.

“A paridade de armas é quebrada quando o juiz ou a acusação conhece a integralidade dos autos e o juiz escolhe o que vai disponibilizar aos réus, que se defenderão de parte da acusação, com parte do material produzido nos inquéritos. Isso por si só prejudica a defesa e em tese viola o Pacto de São José da Costa Rica, que prevê o direito do acusado do tempo e meios adequados para a preparação de sua defesa”, alerta.

Um dos principais pontos elencados pelas manifestações das defesas dos denunciados foi o STF ter negado ou não ter dado acesso à integra de todas as evidências colhidas pela Polícia Federal na suposta trama de golpe. Entre os exemplos estariam áudios e trocas de mensagens que só teriam sido divulgados em trechos favoráveis à acusação. Assim, as defesas não conseguem saber se foram tirados de contexto ou se havia outros elementos e informações que poderiam ser usados na petição em favor dos denunciados.

Módolo também destaca que é preciso que o STF encerre os inquéritos, as diligências e os transforme em ações penais de fato, “com os acusados tendo acesso à integralidade dos autos sob o risco de tornar todo o processo nulo". Para o advogado, outro ponto que chama atenção é que a acusação e juízes têm o prazo que desejarem para suas atuações, segundo ele, “se debruçando por anos numa série de fatos desencontrados”.

"Enquanto isso, a defesa tem que sozinha arcar com a suposta necessidade de dar celeridade aos autos e com o autoimposto prazo de encerrar o processo em 2025, a fim de não interferir com o ciclo eleitoral [de 2026]. Julgar rapidamente o principal candidato de oposição [Jair Bolsonaro] a fim de talvez o tirar do jogo em 2026 já é interferir com o ciclo eleitoral”, completa.

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