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STF x Senado

Recuo de Gilmar abre caminho para Senado endurecer regras para impeachment de ministros

Gilmar Mendes no Congresso
Gilmar Mendes elogiou Davi Alcolumbre por arquivar pedidos de impeachment de ministros do STF (Foto: Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados)

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A decisão do ministro Gilmar Mendes que devolveu aos cidadãos a prerrogativa de pedir o impeachment de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) oferece ao Senado a oportunidade de fortalecer seu papel na fiscalização da conduta dos magistrados.

O projeto de lei, que atualiza a Lei do Impeachment, foi discutido nesta quarta-feira (10) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O relator, senador Weverton (PDT-MA), submeteu aos colegas uma minuta da proposta e adiou a votação do texto final para 2026.

Até lá, os senadores poderão apresentar sugestões. Desde o início da tramitação da proposta, em 2023, 79 emendas já foram apresentadas. As mais recentes surgiram nesta semana, após Gilmar, em decisão monocrática e liminar, dificultar o processo de impeachment contra ministros.

Na parte mais drástica da decisão – revertida nesta quarta (10) – ele limitara à Procuradoria-Geral da República (PGR) a prerrogativa de denunciar ministros do STF por crimes de responsabilidade. O atual procurador-geral, Paulo Gonet, é amigo pessoal e ex-sócio de Gilmar Mendes, que atuou nos bastidores para indicá-lo ao cargo.

O ministro, contudo, manteve outras regras, criadas na própria liminar, para dificultar o impeachment. Ele proibiu, por exemplo, o afastamento de um ministro na fase intermediária do processo, quando o plenário do Senado aprova a admissibilidade da denúncia. Essa decisão, que pela lei exige maioria simples (metade mais um dos senadores presentes), agora demandará maioria qualificada de dois terços (2/3) — o voto favorável de ao menos 54 dos 81 senadores.

Nas emendas já apresentadas, sobretudo por senadores da direita – atualmente os mais críticos em relação à conduta dos ministros –, há diversas sugestões para facilitar a denúncia dos integrantes da Corte.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE), por exemplo, propôs a manutenção da atual regra que permite a qualquer cidadão denunciar os ministros. O projeto original, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), restringe essa prerrogativa a partidos políticos com representação no Congresso, à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a entidades de classe ou sindicais. Cidadãos comuns só poderiam apresentar uma denúncia se reunissem apoio de cerca de 1,5 milhão de eleitores em, no mínimo, cinco estados.

“Trata-se de restrição totalmente injustificável que, na prática, inviabiliza a apresentação desse tipo de denúncia. Ademais, é retrocesso em relação ao que prevê a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que autoriza qualquer cidadão a fazer a denúncia”, justificou o senador Eduardo Girão em sua emenda.

O senador Sergio Moro (União-PR) propôs retirar do projeto de lei a previsão de que cidadãos sejam processados criminalmente pelo Ministério Público caso cometam “abuso” ao denunciar autoridades, como ministros do STF. “O dispositivo tolhe nitidamente o exercício desse direito de cidadania, que é a apresentação de acusação contra autoridades que atentarem contra a Constituição”, escreveu o senador na justificativa.

Durante sessão no Senado, nesta quarta (10), o senador Plínio Valério (PSDB-AM) criticou não apenas a decisão de Gilmar Mendes, mas o próprio projeto de Pacheco, que também impõe restrições à apresentação das denúncias contra ministros. “O que Gilmar queria era isso, o que essa nova lei no Senado quer é isso: eliminar o cidadão de seus direitos. Portanto, que se obedeça, ou que se tire, da Constituição que todo poder emana do povo e em cujo nome será exercido”, afirmou.

Senadores propõem novos crimes de responsabilidade para impeacment

Várias emendas ampliam os crimes de responsabilidade de ministros. Atualmente, a Lei do Impeachment lista apenas cinco:

  • alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
  • proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
  • exercer atividade político-partidária;
  • ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
  • proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decôro de suas funções.

A proposta de Pacheco é mais abrangente, e tipifica como crime de responsabilidade, outros atos, como:

  • manifestar opiniões de natureza político-partidária;
  • manifestar opinião sobre processos pendente de julgamento;
  • exigir, solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida;
  • receber custas, honorários ou participação em processo;
  • ganhar auxílios ou contribuições de pessoas físicas, empresas e órgãos públicos;
  • revelar fato ou documento sigiloso;
  • alterar decisão, voto ou acórdão sem recurso;
  • proferir voto, decisão ou despacho fora da jurisdição.

O senador Rogério Marinho (PL-RN) propôs tipificar como crime de responsabilidade a participação de ministro em julgamento no qual uma das partes seja cliente do escritório de um parente do magistrado. Em 2023, o próprio STF liberou a prática, o que representou um incentivo ao favorecimento de pessoas ou empresas que contrataram a mulher ou os filhos dos ministros. Marinho apontou um “evidente conflito de interesses”.

“Em cortes constitucionais, onde se decidem temas sensíveis e de alta repercussão econômica, política e social, a mera suspeita de favorecimento, decorrente de relações econômicas entre grandes litigantes e escritórios de parentes de ministros, é suficiente para corroer a legitimidade das decisões e alimentar narrativas de captura da jurisdição”, justificou o senador.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) propôs criminalizar a conduta do ministro que “agir de ofício, sem provocação de autoridade policial ou do Ministério Público competente, com base em regra regimental ou em competência sabidamente inexistente na Constituição Federal”. O dispositivo, segundo Mourão, enquadraria inúmeros atos do ministro Alexandre de Moraes de abrir, por iniciativa própria, novas investigações. Mourão citou como exemplo os processos contra os presos de 8 de janeiro de 2023.

Algumas propostas de endurecimento das regras para magistrados partiram de senadores de esquerda. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) pediu a criação do crime de responsabilidade de “atuar parcialmente, em conluio com a acusação, na prática de lawfare”. “Lawfare é considerado o uso de instrumentos, extrajudiciais ou judiciais, para forçar alguém a se defender, causando-lhe danos, patrimoniais ou morais, inclusive em razão de exposição midiática, com finalidade ilegítima, e obrigando-lhe a despender tempo e recursos na sua defesa judicial ou extrajudicial”, definiu a emenda.

A prática é atualmente imputada ao ministro Alexandre de Moraes, inclusive em vários pedidos de impeachment protocolados contra ele no Senado, em razão de sua convergência com o procurador-geral, Paulo Gonet, nos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliados políticos e militantes de direita. No passado, as acusações de lawfare, por parte da esquerda, recaíam sobre o senador e ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato.

O senador Eduardo Girão também propôs uma série de regras específicas para facilitar o impeachment. Sugeriu, por exemplo, reduzir de 30 para 10 dias úteis o prazo para que o presidente do Senado decida se abre ou não o processo após o recebimento da denúncia – atualmente, não há limite, o que lhe permite engavetar a denúncia pelo tempo que desejar.

Outra mudança proposta mantém a possibilidade de todos os senadores participarem da votação final do processo. A proposta original, de Rodrigo Pacheco, excluía três senadores que tivessem votado pela instauração do processo, na fase intermediária, e que atuariam como acusadores no julgamento final. “Esse comando enfraquece gravemente o quórum para votação”, justificou Girão, acrescentando que o julgamento é “político, e não há por que exigir dos parlamentares o comportamento típico dos magistrados”.

Gilmar elogiou Alcolumbre e Pacheco por arquivar pedidos de impeachment

Na decisão desta quarta (10), na qual devolveu aos cidadãos o direito de denunciar ministros, Gilmar Mendes teceu elogios ao atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e ao ex-presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por terem arquivado vários pedidos de impeachment que receberam nos últimos anos.

Ele escreveu que Alcolumbre agiu com “elevado espírito público, aguda percepção institucional, prudência e notável coragem cívica”; e que Pacheco, “de forma serena e escorreita, adotou postura de preservação institucional”.

Ele afirmou ter reconsiderado sua decisão anterior em razão da tramitação, no Senado, da proposta de Pacheco de criar uma nova Lei do Impeachment. Ressaltou, contudo, esperar que o projeto incorpore as mudanças que ele próprio criou na decisão do STF.

“Os termos originais do projeto foram, em linhas gerais, ajustados para incorporar parcela significativa das orientações contidas na medida cautelar”, observou o ministro, referindo-se às mudanças que já vêm sendo introduzidas pelo relator, senador Weverton (PDT-MA).

“Tal encaminhamento evidencia a atenção e a sensibilidade do Parlamento às balizas emanadas desta Suprema Corte, refletindo um compromisso com a estabilidade institucional e com a correta interpretação do ordenamento jurídico”, escreveu o ministro na decisão. Os trechos sinalizam a pretensão de que, em alguma medida, os senadores incorporem as restrições impostas pelo STF.

Na semana passada, ao proferir sua liminar, senadores influentes disseram ter sido surpreendidos e protestaram, criticando a diminuição forçada do papel do Senado.

Desde então, Gilmar Mendes atuou, em conversas de bastidores, para tentar uma reconciliação com a Casa – o que motivou a decisão desta quarta de reconsiderar a liminar anterior. No STF, a liminar ainda será discutida pelos ministros em sessão presencial, a ser marcada pelo presidente da Corte, Edson Fachin, e que deve ocorrer apenas em 2026.

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