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Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), terá um grande protagonismo no retorno das atividades legislativas com a volta das sessões pelo sistema remoto até o Carnaval| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados começa o ano legislativo na próxima quarta-feira (2) com a volta do sistema remoto de trabalho e de votações, por causa da onda infecções pela variante ômicron do coronavírus. E esse modelo de interação online entre parlamentares pode ter uma série de efeitos neste começo de ano: concentração de poderes nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e dos líderes partidários; prejuízo para integrantes da base ideológica de Jair Bolsonaro que querem ocupar postos-chave na Casa; paralisia das atividades das comissões permanentes (com efeito na análise de projetos); dificuldades para tirar do papel a CPI do Moro; e até mesmo a facilitação da campanha eleitoral antecipada nas bases dos parlamentares.

Um dos principais efeitos da volta dos trabalhos remotos é a concentração de poderes nas mãos de Lira e dos líderes partidários. Isso ocorreu durante o período da pandemia na gestão do ex-presidente da Casa Rodrigo Maia (sem partido-RJ). Por causa dos trabalhos remotos, muitas comissões não funcionaram. E Maia, em acordo com líderes do partido, decidia o que seria levado diretamente a plenário (sem passar por comissões) e designava relatores para essas matérias sem enfrentar a pressão e cobranças típicas do modelo de trabalho presencial.

Isso pode voltar a ocorrer com Lira, que teria seu poder de agenda realçado para decidir que projetos podem ser acelerados ou postergados. O atual presidente da Casa venceu, em 2021, a eleição para comandar a Câmara justamente com a promessa de que desconcentraria os poderes. E, de certa forma, ao determinar a volta ao trabalho presencial quando a pandemia arrefeceu, cumpriu essa promessa. Mas com a onda da variante ômicron, ele decidiu voltar ao modelo online – que abre brechas para a concentração de poderes. O modelo presencial, em princípio, só deve voltar após o carnaval, no começo de março.

Que projetos podem entrar na pauta da Câmara

Apesar do maior poder que Lira terá, e ainda que deputados não prevejam votações impopulares ou de grande relevância no plenário em fevereiro, o governo espera que ele paute as medidas provisórias (MPs) mais urgentes.

Ao todo, há 32 MPs em tramitação no Congresso, das quais 16 foram encaminhadas durante o atual recesso parlamentar. Do total, seis caducam na Câmara em fevereiro, das quais há algumas com previsão para perder sua validade, a exemplo das medidas provisórias 1065/2021, a MP 1069/21 e a 1066/2021.

A MP 1065 permite a exploração privada de ferrovias por meio de autorização. O texto foi apresentado com o acordo de que caducaria se o Congresso aprovasse o marco legal das ferrovias, o PLS 261/18, aprovado em dezembro e transformado na Lei 14.273/21.

A MP 1069/21, que trata da comercialização de combustíveis por revendedor varejista, teve parte de seus trechos incorporados à MP 1063/21, já aprovada e transformada na Lei 14.292/22, que autorizou postos de combustíveis a comprar etanol diretamente de produtores e importadores.

A MP 1066/21, por sua vez, trouxe estímulos ao setor elétrico de modo a permitir o recolhimento de impostos e contribuições previdenciárias referentes aos meses de agosto, setembro e outubro serem feitos em dezembro, sem multa por atraso.

Das outras três MPs que caducam na Câmara em fevereiro, a prioritária do governo é a 1070/21, que institui o Programa Habite Seguro. A proposta possibilita que policiais, bombeiros, agentes penitenciários e guardas municipais financiem até 100% do valor de um imóvel. Após ter recuado no reajuste a policiais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) não planeja abrir mão dessa medida.

Lira não tem confirmado aos deputados qual será sua agenda na retomada dos trabalhos, mas existe a expectativa de que ele cumpra a promessa de avançar com a pauta sobre a criação de um fundo permanente para catástrofes no Brasil, segundo o que ele afiançou ao fim de dezembro.

O deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) prevê para fevereiro votações de pautas consensuais. O parlamentar reconhece que o começo dos trabalhos pelo sistema remoto favorece a Lira aprovar pautas de maior interesse próprio, mas não acredita que o presidente da Câmara optaria por esse caminho.

"Eu, conhecendo o presidente Arthur Lira, tenho a convicção de que ele só trará matérias consensuais e mais pacíficas, e deixará as matérias mais polêmicas quando o sistema voltar a ser presencial, após o carnaval. A discussão pelo modelo remoto é muito dificultada e deficitária", pondera Cavalcante.

O analista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, concorda que o trabalho remoto privilegia lideranças e reforça, sobretudo, os poderes de Lira. Ele também acredita que as atividades nesse modelo em fevereiro devem privilegiar votações consensuais, mas entende que as pautas que forem votadas não serão insignificantes.

"Tem projetos importantes, como o que regulamenta o mercado de compra e venda de créditos de carbono [PL 528/2021] no Brasil. Deve ser uma das primeiras coisas que o Lira vai movimentar", diz Fernandes. O governo tem interesse na redação, de relatoria da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), por entender que seria uma resposta à pauta ambiental de Bolsonaro em 2022.

O que mais o trabalho remoto pode trazer de positivo e negativo

Além da concentração de poderes, o trabalho remoto também motiva outras discussões entre deputados. Para alguns, abre-se um leque de oportunidades para avançar em articulações eleitorais nas bases, já que eles não terão de ficar em Brasília para votações.

Especialmente os líderes e dirigentes partidários terão mais facilidades para articular alianças nos estados e a entrada de novos integrantes em seus partidos na janela partidária, que se abre em 1.º de março. Mas outros parlamentares simplesmente vão antecipar suas campanhas. "Já que a Câmara vai voltar com o sistema remoto, eu vejo que os parlamentares vão aproveitar isso para fazer suas campanhas antecipadas", admite um parlamentar da base do governo.

Para outros, o trabalho remoto é negativo. Deputados da base mais ideológica de Bolsonaro vinham articulando a manutenção de um alegado acordo para manterem o comando de comissões permanentes – a exemplo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal da Casa, cobiçada pelo atual líder do PSL, Vitor Hugo (GO).

Antes da definição de Lira pelo trabalho remoto, os deputados mais ligados a Bolsonaro do PSL almejavam avançar em articulações presenciais para assegurar o apoio pelas presidências de quatro colegiados. Agora, temem os impactos do sistema remoto podem causar. "Vai prejudicar. Quando estamos à distância, não conseguimos o mesmo poder de mobilização e convencimento. É mais difícil obter votos", diz um aliado de Bolsonaro.

Nos bastidores, o Centrão se aproveita desse cenário do trabalho remoto para avançar com um movimento organizado por algumas lideranças para que as comissões permanentes voltem a funcionar somente a partir de abril, após a janela partidária.

Deputados explicam que o objetivo é buscar uma composição mais clara do futuro partidário dos parlamentares a fim de prestigiar alianças e os integrantes que assumiriam os colegiados. Com as trocas de partidos, o jogo de forças na Casa vai mudar. E, como as indicações para as comissões tradicionalmente depende do tamanho da bancada, a atual situação pode mudar até abril.

O PSL hoje tem a maior bancada, mas deve perder deputados. Com isso, pode ser uma das siglas prejudicadas. Embora o movimento organizado pelo Centrão não tenha o intuito de atingir os deputados da base ideológica de Bolsonaro, seria um efeito colateral inevitável. Outro efeito seria a paralisia dos trabalhos dessas comissões, com prejuízo para a tramitação de projetos importantes.

Mas, mesmo que não haja esse adiamento do funcionamento das comissões até abril, desde já há divergência sobre quem vai comandá-las. O deputado Júnior Bozzella (PSL-SP), vice-presidente nacional do partido, desmente que exista um acordo para que a ala mais ideológica do partido mantenha as presidências dos colegiados e acha que é indiferente o trabalho remoto para as discussões do futuro das comissões. "Isso é papo furado, não tem acordo nenhum. Já estou te afiançando, não tem palavra nenhuma empenhada", sustenta Bozzella, que se distanciou do governo Bolsonaro.

Segundo ele, o acordo firmado em 2021 após a vitória de Lira na eleição para a presidência da Câmara prevê que os deputados da base ideológica de Bolsonaro ficariam com a liderança do PSL e, consequentemente, as presidências de comissões, mas que em 2022 o cenário se inverteria. "O Vitor Hugo tem total clareza desse acordo, ele falta com a verdade e está sendo dissimulado. A liderança é nossa a partir deste ano e, consequentemente, o comando das comissões", avisa.

Outro impacto que o trabalho remoto pode trazer em fevereiro é o esvaziamento da coleta de assinaturas pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar um suposto "conflito de interesses" no período em que o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro (Podemos) trabalhou na empresa de consultoria Alvarez & Marsal.

Para ser protocolado, o pedido de instalação da CPI do Moro precisa de ao menos 171 assinaturas dos 513 deputados. Com o trabalho remoto, deputados acreditam que o petista terá dificuldades e ainda se verá pressionado pelo seu próprio partido a desistir da ideia. O próprio autor da ideia, contudo, deu sinais de que vai segurar as articulações para emplacar a comissão.

Bozzella, que tenta filiar Moro ao União Brasil – partido que surge da fusão entre PSL e DEM – acha a decisão de Teixeira coerente, uma vez que entende como desconexa a ideia de uma CPI. "Isso é um descalabro, daria até espaço para o Moro ser enxergado como vítima pela sociedade e falar de escândalos reais do PT e das rachadinhas do Bolsonaro, e não escândalos inexistentes", analisa.

O que esperar da agenda prioritária da Câmara após o carnaval

Em março, com a janela partidária em curso para a troca de legendas, deputados preveem um ritmo tímido de produtividade na Câmara. Por ser um período em que parlamentares terão para se desfiliar e se filiar em outro partido, as atenções políticas costumam estar voltadas para o futuro partidário e eleitoral dos congressistas.

A expectativa é de que os trabalhos presenciais ganhem mais ritmo na Câmara a partir de abril, sobretudo se a articulação do Centrão de iniciar os trabalhos nas comissões permanentes tenha resultados.

De toda a forma, uma avaliação feita entre parlamentares é de que os debates legislativos ganharão maior corpo só após o carnaval. Isso vale, por exemplo, para a proposta de emenda à Constituição (PEC) que o governo vai enviar com o objetivo de reduzir o valor dos combustíveis e da energia elétrica, itens que ajudaram a impulsionar a inflação em 2021.

A meta do governo é apresentar o texto na primeira semana de fevereiro, mas a tramitação da pauta pode levar tempo para amadurecer. Por se tratar de um assunto politicamente polêmico, a própria liderança do governo precisaria trabalhar os votos para aprovar a matéria. E Lira ainda teria que avaliar junto aos líderes partidários se seria possível levar o texto diretamente ao plenário ou aguardar a tramitação formal – a aprovação da admissibilidade na CCJ e do mérito em uma comissão especial.

A PEC defendida pelo governo vem em contraposição ao debate que será iniciado no Senado em fevereiro. A possibilidade de aprovação de dois projetos com o mesmo intuito de reduzir o custo dos combustíveis pelos senadores levaria Lira a ter que articular até três projetos sobre o mesmo assunto.

Outro projeto a ser analisado por Lira é o Projeto de Lei (PL) 414/21, que trata do Marco do Setor Elétrico. Desde o fim do ano passado, a Câmara e o Senado concentraram esforços para aprovar marcos regulatórios como resposta à ausência de aprovação de reformas estruturantes.

Existe, contudo, uma expectativa do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) de instalação da comissão especial da PEC 7/2020, que propõe uma reforma tributária de sua autoria. O texto teve sua admissibilidade aprovada na CCJ em dezembro e Lira criou o colegiado especial para discutir o mérito, mas ainda não a instalou – processo que envolve a escolha de membros, relator e presidente.

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