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Meio Ambiente

Rumo à COP-30: STF pede explicações ao governo sobre contingenciamento milionário em fundos

Lula
STF quer explicações sobre política ambiental e medidas de contingenciamento de fundos no governo Lula. (Foto: reprodução/Canal Gov)

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Enquanto o governo federal organiza a COP-30 ao custo de R$ 4,7 bilhões, o Supremo Tribunal Federal (STF) pede explicações à gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o contingenciamento de R$ 666,4 milhões de recursos em fundos para ações ambientais. De acordo com o Executivo, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima será o maior evento climático e de pautas de defesa do meio ambiente já realizado no Brasil.

Segundo levantamento feito pela Gazeta do Povo, o total de recursos previstos para os fundos no ano passado era de R$ 11,2 bilhões, mas R$ 666,4 milhões não deixaram os cofres do governo e foram represados. A reportagem procurou o governo para tratar sobre o tema, mas nem a Secretaria de Comunicação nem o Ministério do Meio Ambiente se manifestaram até a publicação da reportagem.

O Ministério do Meio Ambiente tem reforçado em suas publicações oficiais que o governo está cumprindo as decisões do STF e aprimorando as políticas ambientais. A pasta afirmou ainda que dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que o desmatamento na Amazônia foi reduzido em 46% em 2024, se comparado a 2022, com referência ao último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Segundo o ministério, houve aumento das equipes de fiscalização, com a nomeação de novos servidores e a expansão do grupo de brigadistas. Além disso, investimentos em tecnologia e monitoramento têm proporcionado uma ação mais eficaz no combate aos crimes ambientais.

Porém, na decisão do STF, assinada pelo ministro André Mendonça e que integra a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, o magistrado determinou a liberação dos valores do Fundo Amazônia e de outros fundos ambientais e destacou que o contingenciamento compromete ações essenciais de proteção ambiental.

Na ação, o Ministério do Planejamento alegou que os recursos ambientais foram excluídos do contingenciamento e houve a liberação de créditos extraordinários de R$ 145 milhões, que são superiores ao previsto na lei orçamentária. Disse ainda que o Fundo Nacional sobre a Mudança do Clima terá um incremento em 2025. Ocorre que, segundo o STF, o governo tem retido valores para garantir a execução da política fiscal para não extrapolar os limites orçamentários.

De acordo com a decisão do Supremo, os recursos destinados à proteção ambiental devem ser liberados para fortalecer instituições como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), “permitindo maior fiscalização e combate ao desmatamento”.

Entre os exemplos de contingenciamento está o Fundo Amazônia, que recebe verbas principalmente de doações internacionais, sendo os principais financiadores a Noruega, Alemanha e União Europeia. Esses recursos são destinados a projetos de combate ao desmatamento, fiscalização ambiental e desenvolvimento sustentável na Amazônia. O governo recebeu R$ 643 milhões para o Fundo em 2024, mas apenas 11% desse valor (R$ 73 milhões) foram investidos até o momento, resultando em R$ 570 milhões contingenciados.

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Os recursos que deveriam ser investidos, mas estão sendo contingenciados, incluem os seguintes setores e programas ambientais:

  • Fundo Amazônia: Destinado a projetos de combate ao desmatamento, fortalecimento da fiscalização ambiental e apoio a comunidades tradicionais.
  • Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA): Criado para financiar projetos de uso sustentável dos recursos naturais e melhoria da qualidade ambiental.
  • Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima): Suporte para ações de mitigação das mudanças climáticas e adaptação, com linhas de financiamento para atividades sustentáveis.
  • Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF): Voltado para o fomento de atividades florestais sustentáveis e inovação tecnológica no setor florestal.
  • Órgãos ambientais (Ibama, ICMBio e Funai): Recursos deveriam ser destinados ao fortalecimento institucional, contratação de pessoal, fiscalização e preservação ambiental, mas parte do orçamento está bloqueada.
  • Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm): Ações estratégicas para reduzir o desmatamento e queimadas, cuja execução está comprometida pela falta de liberação dos recursos necessários.

Valores previstos e contingenciados para os principais fundos ambientais:

  • Fundo Amazônia: Previsto: R$ 643 milhões (recebidos em 2024). Investido: 11% (R$ 73 milhões). Contingenciado: R$ 570 milhões.
  • Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA): Previsto: R$ 100 milhões. Utilizado: R$ 4 milhões. Contingenciado: R$ 96 milhões.
  • Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima): Previsto: R$ 10,456 bilhões (para financiamentos pelo BNDES). Não há restrições para a modalidade reembolsável, mas os valores não reembolsáveis estão sujeitos a limitações fiscais.
  • Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF): Previsto: R$ 2 milhões. Contingenciado: R$ 400 mil.

STF alerta sobre riscos em contingenciamento e perda de credibilidade

Entre os riscos de não investir adequadamente os fundos ambientais, segundo STF, está o aumento do desmatamento, tendo em vista que a falta de financiamento compromete ações de fiscalização, combate a crimes ambientais e recuperação de áreas degradadas.

O STF considera ainda que há risco de enfraquecimento das instituições ambientais e lembra que órgãos como Ibama, ICMBio e Funai dependem desses recursos para manter operações e contratar pessoal qualificado.

Mendonça ainda alerta para o risco da perda de financiamento de doadores internacionais, os quais podem suspender repasses, caso o Brasil não demonstre eficácia na aplicação dos recursos.

Para o engenheiro florestal André Luiz Schmidt, há ainda um comprometimento da imagem do Brasil, tendo em vista que a falta de investimentos pode prejudicar a credibilidade do país em fóruns internacionais sobre meio ambiente e mudanças climáticas.

“A COP 30 vai ser um momento para isso ficar ainda mais evidente e, no caso de os recursos seguirem contingenciados, os questionamentos virão com mais peso”, alerta.

O engenheiro avalia que há ainda impactos socioeconômicos na Amazônia com comunidades perdendo a oportunidades de desenvolvimento sustentável, ficando mais vulneráveis a atividades ilegais como garimpo, tráfico de drogas e extração de madeira e minérios.

“Sem contar que o meio ambiente, a preservação, sempre foi uma bandeira amplamente defendida pelos governos de esquerda e do PT no Brasil. E, com esses alertas, parece não estar sendo cumprida”, completa.

Na ação sobre o contingenciamento dos fundos ambientais, o ministro André Mendonça afirma que, apenas no ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente precisará adotar ações para suprir a carência de quase mil servidores na instituição.

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Governo não tem cumprido pauta ambiental com exigências do Supremo

O ministro reconhece que há certo avanço em políticas ambientais no governo, mas enfatiza que parte do que foi acordado com o STF não saiu do papel quase um ano após as determinações.

A decisão e os acordos estão todos na ADPF 760, na qual o STF já havia reconhecido falhas estruturais na política de preservação. Além de o governo Lula explicar os critérios para o uso dos recursos contingenciados, precisará explicar a aplicação e retenção dos recursos detalhando como serão aplicados no fortalecimento do ICMBio, do Ibama e da Funai.

Além disso, a gestão petista precisará esclarecer ao STF as metas e objetivos mensais do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

O ministro André Mendonça também determinou a edição de uma norma pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para obrigar estados e municípios a integrar o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), “garantindo maior transparência no monitoramento da remoção de vegetação e transporte de animais”.

Com relação à Funai, Mendonça deu prazo de 30 dias para que seja apresentado um plano de reestruturação das unidades responsáveis pela proteção de terras indígenas na Amazônia Legal.

Para o ministro, "as parcelas não reembolsáveis dos Fundos, em especial do Fundo do Clima, do FNMA e do FNDF, devem ser efetivamente utilizadas pela União na execução dos planos apresentados, não devendo ser feita reserva de contingenciamento sobre eles".

“Representa uma irresponsabilidade fiscal, orçamentária e de controle de gastos em todas as frentes do governo. Com o meio ambiente, contingenciar recursos de fundos às vésperas da COP-30, pode ecoar ainda pior, além de elevar os efeitos da crise econômica pela qual o governo tem passado”, alerta o economista e analista de mercado Rui São Pedro.

O especialista lembra, no entanto, que os R$ 4,7 bilhões para financiar a realização da COP estão garantidos, inclusive com recursos bilionários de Itaipu, que está no Oeste do Paraná, a quase 2,8 mil km de onde o evento será realizado em Belém (PA). Somente dos cofres da hidrelétrica sairão R$ 1,3 bilhão para realização do evento.

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