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Criada em 2017 pela minirreforma eleitoral, a cláusula de barreira coloca em risco a existência de ao menos 11 partidos nas eleições de 2026. Para tentar driblar a regra, essas agremiações buscam ainda neste ano acordos que devem resultar em fusões ou em novas federações antes do pleito do ano que vem.
A lei estabelece que os partidos precisarão eleger 13 deputados federais no ano que vem ou ter 2,5% dos votos válidos para Câmara e 1,5% em pelo menos nove estados. Caso esse patamar não seja atingido, as siglas perderão acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda em rádio e televisão.
O caso mais emblemático é o do PSDB, que atualmente conta com uma bancada de 13 parlamentares e que está federado com o Cidadania, que tem outros cinco parlamentares. A federação, criada em 2021, permite que dois ou mais partidos se unam e funcionem obrigatoriamente juntos por quatro anos.
Ou seja, as legendas precisam tomar decisões em conjunto a nível nacional, inclusive durante as eleições e dentro do Congresso Nacional, embora cada um mantenha sua estrutura partidária. Caso rompam a união antes do tempo, os partidos estão sujeitos a punições, como perda do fundo eleitoral e partidário e a proibição de fechar outra federação ou coligação.
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PSDB rejeitado pelo PSD e MDB
Lideranças do PSDB e do Cidadania já admitem nos bastidores que a federação entre ambos será extinta no ano que vem devido aos conflitos internos entre as duas legendas. Nas últimas semanas, por exemplo, o presidente nacional do PSDB, o ex-governador Marconi Perillo, chegou a tentar acordo com outras siglas como PSD e MDB, mas as tratativas não avançaram.
Recentemente, por exemplo, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, deixou o ninho tucano e migrou para o PSD, justamente em busca de mais estrutura para disputar a reeleição no ano que vem. Com a saída da pernambucana, o PSDB conta agora com apenas outros dois governadores Eduardo Riedel (MS) e Eduardo Leite (RS).
Além disso, o partido chegou a perder a estrutura que mantinha no Senado depois que ficou apenas com a filiação do senador Plínio Valério (AM). A liderança só foi retomada no começo deste ano após a entrada dos senadores Oriovisto Guimarães (PR) e Styvenson Valentim (RN).
Para evitar um encolhimento ainda maior do partido e uma debandada de deputados na próxima janela partidária, a cúpula do PSDB estuda agora a possibilidade de fusão com o Podemos ou com o Solidariedade, que também estão em risco de extinção por conta da cláusula de barreira. A fusão resultaria na criação de um novo partido e somaria o fundo eleitoral e o tempo de propaganda de rádio e de TV dos envolvidos.
"Sabemos das dificuldades impostas pela legislação. A partir da eleição de 2026, a chamada "cláusula de desempenho" ficará mais rígida e precisamos encontrar soluções para superar esse obstáculo. O PSDB não vai desparecer", informou Perillo por meio de nota.
Segundo Roosevelt Arraes, advogado eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a fusão é uma alternativa mais drástica, pois os partidos envolvidos deixam de existir para a criação de uma nova legenda.
"A diferença fundamental entre fusão e federação é que, na federação, os partidos mantêm sua autonomia e suas direções próprias. Eles apenas se unem em questões macro e estratégicas, mas continuam funcionando de maneira independente dentro de seus espaços internos. Isso faz com que partidos mais ideológicos, por exemplo, prefiram a federação, pois ela permite preservar identidades diferentes dentro de um mesmo bloco", explicou.
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Partidos de esquerda na mira da cláusula de barreira
Paralelamente, partidos de esquerda podem ser os mais afetados pela cláusula de barreira a partir das eleições de 2026. Sigla do vice-presidente Geraldo Alckmin, o PSB tem atualmente 15 deputados e discute internamente uma federação com o PDT, que conta com 17 parlamentares na Câmara dos Deputados neste momento.
As negociações, no entanto, estão travadas diante do embate entre os irmãos Ciro Gomes e o senador Cid Gomes, que recentemente deixou o PDT e migrou para o PSB diante da rixa familiar. Eles romperam relações ainda em 2023 diante da disputa por espaço político no Ceará.
“O nosso partido já havia autorizado, desde o ano passado, o início de diálogo sobre uma federação e eu acredito que a gente vai ter o ano de 2025, vai ser um ano que não só o PSB, mas vários partidos – grandes, menores porte, médio porte – vão discutir sobre federação. Qual é o grande desafio da federação? Na minha opinião, é um encaixe regional”, afirmou o prefeito do Recife, João Campos, em entrevista ao programa Roda Vida, da TV Cultura.
Apesar disso, integrantes do PSB admitem que as conversas estão travadas neste momento e outras alianças com o Cidadania, PV e a Rede também estão na mesa de negociações. O PV está atualmente federado com o PT e o PCdoB, enquanto a Rede se federou com o PSOL, mas ambos os acordos não serão renovados para a próxima legislatura.
De um lado, integrantes do PV admitem que o partido foi "engolido" pelo PT e é o único partido da federação que não foi contemplado no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além dos ministérios comandados por petistas, o PCdoB comanda a pasta de Ciência e Tecnologia com Luciana Santos.
"De qualquer forma, com a cláusula de barreira aumentando, partidos menores não terão muito espaço para sobreviver sozinhos. Cabe a cada partido pensar em como construir o estatuto da federação de uma forma que esse problema da legenda maior suprimir a menor. O estatuto precisa resolver isso", explicou Arraes.
Além das siglas de esquerda, partidos como o Avante, com 7 deputados, PRD e Solidariedade, com cinco deputados cada, e o Novo, com 4 parlamentares, também integram a lista de agremiações que podem ser afetados pela cláusula de barreira a partir do ano que vem. Desde 2018, a regra já levou à extinção, seja por fusão ou incorporação, de PPL, PRP, PHS, Pros, PSC, Patriota e PTB.
Federação pode ampliar o poder do Centrão no Congresso
Na contramão dos partidos que podem ser extintos por meio da cláusula de barreira, legendas do Centrão discutem uma federação para ampliar o poder de barganha no Congresso Nacional. As negociações envolvem o União Brasil, o Republicanos e o PP.
As conversas entre União Brasil e PP estão avançadas, mas os líderes de ambos os partidos ainda tentam atrair o Republicanos. Caso seja confirmada, a composição formaria um dos mais fortes grupos dentro da Câmara, com mais de 150 deputados, e ultrapassaria com folga a maior bancada hoje na Casa: a do PL, com 98 deputados.
Essa federação, no entanto, tem sido travada por questões locais, porque há estados e cidades em que políticos do Republicanos são adversários de políticos do PP e do União Brasil. A decisão final sobre o tema será dada pelo presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP).
A expectativa é de que Pereira ainda tenha conversas com os presidentes do PP e do União Brasil, Ciro Nogueira e Antônio de Rueda, respectivamente, sobre o assunto. O prazo para as negociações, segundo parlamentares dos três partidos, é até o final de abril deste ano.
"A federação tem vantagens eleitorais e financeiras, mas também dificuldades operacionais por conta da diversidade do país e da necessidade de alinhamento em todas as instâncias. Um dos principais desafios da federação é a necessidade de verticalização", destacou Arraes.
"Os partidos que se unem em nível nacional precisam estar juntos também nos estados e municípios, o que pode gerar conflitos. Muitas vezes, a relação entre os partidos em um estado é boa, mas em determinados municípios há rivalidades históricas", salientou o integrante da Abradep.
Confira a lista de partidos que podem ser afetados pela cláusula de barreira em 2026
- PSDB
- Cidadania
- Podemos
- Solidariedade
- PSB
- PDT
- PV
- Rede
- Avante
- PRD
- Novo