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Europeus, sem terra, Brics e Vox: quem quer boicotar o acordo de R$ 500 bilhões do Brasil com a UE| Foto: EFE / André Borges

Em negociação há mais de 20 anos, o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia tem encontrado percalços ao longo do caminho e, por isso, ainda não teve um fim. Além da resistência de alguns países do bloco europeu, o Movimento Sem Terra e algumas organizações brasileiras, as eleições na Espanha e até mesmo alguns países dos Brics podem atrapalhar as negociações.

Caso seja ratificado, o acordo vai envolver um mercado de cerca de 800 milhões de pessoas. Juntos, os países que integram os dois blocos movimentam cerca de 25% do PIB mundial. Se fechado, torna-se a maior negociação entre blocos econômicos no mundo. Além disso, a expectativa é de que até 2034, o acordo viabilize um aumento de US$ 125 bilhões (mais de R$ 600 bilhões) no PIB brasileiro, segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

As tratativas, contudo, estão paralisadas devido aos obstáculos impostos por alguns países europeus. Para ser fechado, é preciso que todos os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), bem como todos os 27 da União Europeia concordem com os temas negociados, o que tem sido um problema. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) concluiu negociações em 2019 sobre o texto base do acordo, mas alguns países europeus não o aprovaram internamente e pediram modificações adicionais.

Segundo um levantamento realizado pela Gazeta do Povo, além da França ao menos seis países da União Europeia também se posicionaram publicamente contra o acordo. Eles são: Áustria, Bélgica, Irlanda, Luxemburgo, Holanda e Polônia. As justificativas desses países variam entre proteção a agricultores locais, preocupações ambientais e sanitárias.

"Temos preocupações e precisamos ter a certeza de que não ficamos de braços cruzados perante o que está a acontecer na floresta amazônica neste momento, que nos preocupa profundamente", disse o ministro dos Assuntos Europeus da Irlanda, Thomas Byrne, em 2021.

Um dos principais opositores do acordo é a França e seu presidente, Emmanuel Macron. Um aliado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem mesmo a aproximação entre os dois líderes foi capaz de fazer o francês enxergar o tratado com outros olhos.

O país, inclusive, é um dos principais responsáveis pelos entraves ambientais que o acordo tem enfrentado nos últimos meses. Mas, segundo analistas internacionais, a real preocupação de Macron é com a pressão interna exercida pelo setor agropecuário francês, que teme perder mercado para o agronegócio brasileiro.

Já na Holanda não usou o argumento das preocupações ambientais e foi transparente ao aprovar uma moção interna contra o acordo. A justificativa era de que a ratificação do acordo entre União Europeia e Mercosul causaria uma "concorrência desleal" aos produtores holandeses.

Os argumentos desses sete países foram criticados por Lula. Para o brasileiro, as alegações europeias não passam de "protecionismo". Sem chegar a um consenso, a União Europeia enviou novas exigências ao Mercosul para que o acordo possa ser ratificado. Essas exigências passaram por uma avaliação do bloco sul-americano que, em breve, deve enviar uma resposta aos europeus.

Lula não esconde sua expectativa de tentar destravar o acordo no segundo semestre deste ano, por estar na presidência rotativa do Mercosul. O líder de esquerda tem usado as pautas ambientais para tentar se promover demonstrando uma questionável preocupação com o desmatamento na Amazônia.

Pautas protecionistas do Vox, na Espanha, fazem do partido um "inimigo" do acordo

Um oitavo país pode se tornar contrário ao acordo: a Espanha. Ainda que Madri já tenha se posicionado a favor do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, o cenário pode mudar nos próximos meses. Isso porque o país está em processo eleitoral e pode mudar a configuração de seu parlamento - possivelmente tornando-se mais protecionista. Mas o problema maior é que a Espanha ocupa a presidência do conselho europeu neste semestre, um órgão executivo da União Europeia que pode colocar mais barreiras na negociação do tratado. .

O atual premiê espanhol, Pedro Sanchéz (PSOE), é um entusiasta do acordo. Quando a Espanha assumiu a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, em junho, a mudança foi vista como positiva para os países do lado de cá do Atlântico, que viram no parlamentar de esquerda um aliado nas negociações. Contudo, a depender do partido que assumir o país neste novo mandato, as negociações do acordo podem ganhar um novo rumo.

Diferente do Brasil, a Espanha tem um processo parlamentarista e os partidos precisam eleger cadeiras suficiente no Congresso para serem eleitos. Com três partidos à frente nas eleições: Partido Popular (PP), Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e o Vox; nenhuma sigla conseguiu cadeiras suficientes para tomar posse.

O PP, de centro-direita, liderado por Alberto Núñez Feijóo, conseguiu 136 cadeiras no parlamento e ganhou as eleições gerais no país. O partido, contudo, não conseguiu eleger deputados suficientes (176) para tomar posse e, por isso, o país pode passar por novas eleições. Agora, os partidos precisam fazer coalizões para elegerem cadeiras suficientes e poderem governar.

Ou seja, há grande possibilidade de Sanchéz, que é aliado de Lula, não fique no poder. Seu partido pode ser substituído pelo PP ou pelo Vox, de direita.

Conforme explica a consultora sênior de comércio internacional da BMJ Consultores Associados Monica Rodriguez, uma vitória do Vox na Espanha poderia tornar o acordo mais difícil.

“Os partidos de direita tendem a ser mais protecionistas, e nós vemos isso em comentários ventilados pelo Vox em que o partido fez críticas ao acordo”, pontua.

“Esse protecionismo faz parte da direita. Já o PP não fez maiores comentários ou uma crítica sobre o fechamento desse acordo entre a União Europeia e Mercosul”, explica Rodriguez. Na concepção da especialista, dificilmente uma vitória do PP inviabilizaria a ratificação do acordo que é de bastante interesse da Espanha.

“São dois blocos negociando e é claro que nenhum país vai se beneficiar sozinho. São milhares de empresas, de consumidores envolvidos, aí entra importação e exportação de itens e eu acho que isso é muito interessante para a Espanha. Temos aqui no Brasil muitas empresas espanholas instaladas e lá também temos muitas empresas brasileiras. Além disso, o comércio entre os dois países sempre foi muito aquecido, o que pode ser favorecido com a ratificação do acordo”, explica a consultora.

Acordo com União Europeia significa menos influência da China e Rússia

O bloco dos Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, tem observado com atenção as negociações entre o Mercosul e a União Europeia. Isso porque a China e a Rússia estão sendo isoladas pelo Ocidente e têm investido recursos e tentado ganhar mercado na América do Sul.

Enfrentando uma "Guerra Fria 2.0" contra os Estados Unidos e seus aliados, a China tem apostado em acordos com países da América Latina e da África para aumentar sua influência no mundo e seu poder econômico. Atualmente os chineses possuem o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo e são os maiores parceiros comerciais da América do Sul. Isso faz parte de uma estratégia para ganhar influência diplomática e mercados no em países em desenvolvimento - chamados hoje genericamente de Sul Global.

O país é condenado pelos Estados Unidos e UE por ser uma ditadura comunista, mas os países sul-americanos se sentem cada vez mais atraídos pelo dinheiro farto que escoa de Pequim.

Segundo Rogério Pereira de Campos, doutor em Ciências Sociais e pesquisador da Fundação Araporã, as economias do Ocidente estão tentando evitar que a China, economia dominante dos Brics, ganhe influência sobre os países em desenvolvimento.

Assim, para a China e para a Rússia, a ratificação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul pode representar perda de influência global.

"Nesse fogo cruzado, o Brasil tenta firmar acordos de ambos os lados, porém enfrenta resistência para definir um lado nesse embate. O acordo entre a União Europeia e o Mercosul é um exemplo, para além de questões técnicas e alfandegárias pendentes, os países europeus observam nesse tratado um poder de barganha para negociar uma posição política do Brasil", explicou Campos à Gazeta do Povo.

Movimento Sem Terra também se opõe ao tratado

No Brasil, ainda há mais uma oposição para o tratado: o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). O órgão, junto a outras organizações agropecuárias que se opõe ao tratado, assinaram uma nota conjunta, em 2020, reiterando a oposição à ratificação do acordo entre os dois blocos.

Coordenado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), a nota contou com o apoio de 105 entidades sul-americanas e europeias, inclusive o MST, se opondo ao tratado. Segundo a nota, esses grupos acreditam que o acordo "reforçará a competitividade perversa, em que os ganhos que o agronegócio possa ter, implicarão em destruição ambiental e perdas para o setor industrial e para os direitos e renda dos trabalhadores/as".

Recentemente, uma delegação do MST viajou até Portugal para se encontrar com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e ambos criticaram publicamente o tratado que pode gerar bilhões para a economia brasileira. "A CNA e o MST consideram de enorme gravidade os desenvolvimentos mais recentes das negociações do acordo", alegaram as instituições em nota.

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