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O slogan da campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026 ainda é uma incógnita. Mas as primeiras movimentações de seu marqueteiro, Sidônio Palmeira, ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), já dão indícios sobre os rumos da estratégia eleitoral. Entre as possíveis apostas, surge a ideia de um mote como “Lula, o mais brasileiro”. Um dos principais objetivos é se contrapor à ligação do ex-presidente Jair Bolsonaro com o presidente americano Donald Trump.
Desde o início do ano, antes mesmo de sua posse na Secom, em 14 de janeiro, Sidônio tem planejado uma rotina de viagens, entrevistas e falas públicas para o presidente. A orientação tem sido manter o conhecido tom descontraído de Lula, mas com reforço no discurso nacionalista, valorizando o orgulho de ser brasileiro e a defesa do interesse nacional em todo lugar.
Nesse enredo ensaiado, Lula busca despertar o sentimento patriótico ao destacar fatos e personagens que simbolizam compromisso com o país e conquistas nacionais. O presidente tem feito comparações entre diferentes visões de Brasil, exaltando exemplos como alunos de escolas públicas que se destacaram no Enem e a premiação do filme “Ainda estou aqui” no Oscar.
Ao mesmo tempo, a retórica do embate é explorada para reforçar a imagem de Lula de líder nacionalista, confrontando as medidas confrontativas dos Estados Unidos e criticando a direita, especialmente no que se refere à relação do campo conservador com Donald Trump – uma parceria para conter o ativismo judicial e defender a liberdade de expressão.
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Lula chama Galípolo de “muito brasileiro” e participa da “guerra dos bonés”
Um dos alvos iniciais do novo marketing foi o ex-presidente do Banco Central (BC) Roberto Campos Neto, descrito por Lula como alguém “menos brasileiro” do que Gabriel Galípolo, indicado por ele para suceder o nome escolhido pelo ex-mandatário Jair Bolsonaro (PL). A manifestação em entrevista reforça a tentativa de associar o governo anterior a interesses estrangeiros, sobretudo dos Estados Unidos.
Em outra entrevista, em 12 de fevereiro, Lula fez elogios ao novo chefe do BC e ressaltou que ele seria “muito capaz e muito brasileiro”. Dias depois, Galípolo revelou ter trocado ideias com o cantor Caetano Veloso sobre como redigir notas do comitê de política monetária. A esquerda tenta emplacar essas abordagens com os conceitos de “brasileiro de verdade” e de “falso brasileiro”.
A primeira experiência explícita da estratégia surgiu em 1º de fevereiro, na abertura dos trabalhos do Congresso em 2025, com bonés azuis estampados com a frase “O Brasil é dos brasileiros”, bolada por Sidônio para se contrapor ao “Faça a América Grande de Novo" (Make America Great Again, ou Maga, em inglês), dos bonés vermelhos de Donald Trump, usados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
A “guerra dos bonés” foi deflagrada no plenário da Câmara pelos líderes do governo e ministros palacianos, que exibiram o adereço, além de ações nas redes sociais com o próprio Lula. A tentativa de associar o boné vermelho ao “imperialismo americano” não teve, contudo, o sucesso esperado. Pelo contrário, virou alvo de piadas nos corredores do poder e na internet.
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Atuação de Sidônio começou muito antes de sua posse como ministro
Sidônio Palmeira, que já atuou como presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) e do Sindicato das Agências de Propaganda da Bahia, liderou o marketing da campanha que elegeu Lula em 2022 para o terceiro mandato. No discurso de posse, o ministro prometeu enfrentar a oposição, difundir iniciativas do governo e combater a “cultura do individualismo”.
A primeira incursão de Sidônio para melhorar a comunicação do governo se deu ainda quando o titular da sua pasta era o deputado Paulo Pimenta (PT). Nela, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi levado a fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e tevê, no fim de novembro de 2024, para explicar o pacote de corte de gastos aguardado pelo mercado.
Para atenuar os efeitos das medidas, vistas como insuficientes pelos agentes financeiros e impopulares pelo governo, foi acrescido à fala de Haddad o anúncio do projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês - o que ainda não saiu do papel. As contradições derrubaram os indicadores do mercado e minaram de vez a confiança dos agentes econômicos na agenda fiscal do governo.
No esforço acelerado para resgatar popularidade e manter de pé o projeto de reeleição, Lula cometeu novas gafes públicas, que desgastaram mais sua imagem. A maior delas foi a de recomendar à população que deixasse de comprar alimentos caros para forçar a queda de preços. Antes, para desgosto de Sidônio, o presidente admitiu que promessas suas não foram entregues pelo governo.
Em pronunciamento nacional, Lula fala em dupla sertaneja e ataca rivais
No primeiro pronunciamento do ano em rede de rádio e tevê, na noite de 24 de fevereiro, Lula falou sobre os programas Pé-de-Meia, voltado a redistribuição de renda para estudantes do ensino médio, e Farmácia Popular, que distribui remédios de graça para a população. O formato usado remeteu à publicidade partidária, com o presidente falando sem gravata e chamando as ações de “dupla sertaneja”.
Lula afirmou que recebeu um “país destruído”, ignorando que o Brasil registrou superávit de R$ 54,9 bilhões no fechamento das contas públicas de 2022, além de inflação controlada. O petista também sinalizou a intenção de veicular novos pronunciamentos a cada 15 dias, para supostamente informar a população sobre o que o governo vem fazendo.
O senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, acionou dias depois a Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de Contas da União (TCU) contra Lula por usar a cadeia nacional para “propagar desinformação, realizar propaganda eleitoral antecipada e por dano ao patrimônio público”.
Para analistas, a necessidade de mudanças na comunicação, que já era uma velha reclamação de Lula, ganhou importância crucial após o tombo histórico na popularidade do presidente atestado por diversas pesquisas. Elas também partem do reconhecimento de que a direita adquiriu uma larga vantagem no engajamento com o público, sobretudo nas redes sociais.
No levantamento mais recente, do Atlasnet, a tendência de piora histórica na imagem se confirmou. A reprovação ao governo subiu de 46,5% em janeiro para 50,8% em fevereiro, segundo a pesquisa divulgada nesta sexta-feira (7). Já a aprovação oscilou de 37,8% para 37,6%, enquanto a avaliação regular caiu de 15,6% para 11,3%. O instituto ouviu 5.710 eleitores entre 24 e 27 de fevereiro, com margem de erro de um ponto percentual e confiança de 95%.
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Novo marketing do governo estimula polarização política, avaliam analistas
A direita consolidou sua vantagem no discurso patriótico nos últimos anos. Exemplos disso são o lema de Bolsonaro em 2018, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, e o slogan oficial de seu governo, “Pátria Amada Brasil”. Em seu terceiro mandato, Lula adotou o lema “União e reconstrução”, focado em pacificação e recuperação econômica, mas seu governo é marcado pela polarização política e alta da dívida pública.
A opção agora pela abordagem nacionalista adotada pela comunicação do governo sugere uma mistura da propaganda de “o petróleo é nosso” da era Vargas, o “ame-o ou deixe-o” do período militar e o “yankees go home” (americanos vão para casa, em inglês), bordão antigo da esquerda latino-americana.
A seguir essa toada, os simpatizantes de Bolsonaro poderão ser tachados como “menos brasileiros". O marqueteiro se aproveita da postura isolacionista de Trump, que vem ameaçando e aplicando tarifas comerciais contra diversos países e deixando claro que pode abandonar aliados em caso de conflitos militares.
Depois de segmentar a sociedade em categorias baseadas em raça, gênero, orientação sexual, costumes, crenças, classe social e regionalidade, agora o governo Lula arrisca acrescentar uma nova: o "grau de brasilidade". Especialistas receiam que a tentativa de determinar quem é mais ou menos brasileiro possa resultar em debate artificial sobre o real significado do patriotismo.
O governo ainda espera insuflar o espírito nacionalista dos brasileiros por meio de encontros de cúpula de chefes de Estado em território nacional, a exemplo do G-20 que já foi realizado em novembro do ano passado no Rio de Janeiro e, sobretudo, da COP-30, a reunião da ONU para debater mudanças climáticas, que ocorrerá em novembro em Belém do Pará, com destaque para a cultura local.
Especialistas dizem que Lula fará investimentos no patriotismo e nas cores nacionais
O consultor político Luiz Felipe Freitas, da Malta Advogados, não vê grandes obstáculos para o marketing petista lidar com o patriotismo frente à direita. Ele lembra que, desde 2018, as campanhas eleitorais do PT no segundo turno já vinham abandonando o vermelho em favor do verde e do amarelo, reconhecendo até mesmo o sucesso dos conservadores nesse campo.
“Um dos primeiros esforços do Lula 3 foi justamente resgatar símbolos nacionais, como a bandeira e a camisa da seleção, apropriados pela direita”, diz Freitas. Para ele, o nacionalismo tem apelo em todas as vertentes, e Lula pode ganhar mais do que perder ao investir nisso. Isso é reforçado pela rejeição ao protecionismo de Trump e acontece mesmo enfrentando críticas conservadoras.
“Essas ações geram engajamento, mas resta saber se o eleitor comum associará esse sentimento ao PT e à esquerda”, pondera o consultor político.
Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium, destaca que Lula vem assumindo tom mais assertivo como líder da nação, especialmente em disputas internacionais, como nas tarifas com os EUA. “Enquanto a diplomacia buscava soluções pelo diálogo, Lula adotou uma postura confrontante, provavelmente calculada”, observa.
Para Gabiati, o presidente se posiciona como alegado defensor dos interesses nacionais, enquanto o governo trabalha diplomaticamente. Ele acredita que Lula deve reforçar essa linha em 2026, com mais apelo patriótico.
“Se exagerar nisso, ele pode, contudo, sofrer riscos. De toda forma, a esquerda não pode ignorar símbolos nacionais, pois essa será uma exigência para qualquer candidato, independente do espectro político”, afirma.