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Plenário

STF valida lei paulista que pune empresas por trabalho escravo

Relator da ação, Nunes Marques, considerou a lei paulista constitucional, mas apresentou ajustes ao texto. (Foto: Gustavo Moreno/STF)

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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (9) validar, parcialmente, a lei do Estado de São Paulo que pune empresas envolvidas em trabalho análogo à escravidão. A norma prevê a cassação da inscrição do ICMS e estabelece sanções administrativas para estabelecimentos que comercializem produtos cuja fabricação, em qualquer etapa, envolva essa forma de exploração.

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Os ministros Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia, André Mendonça e Gilmar Mendes acompanharam o voto do relator, Nunes Marques. Apenas o ministro Dias Toffoli divergiu por considerar a lei inconstitucional e entender que o Estado de São Paulo invadiu competência da União.

A ação julgada foi apresentada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por sustentar que a norma viola garantias constitucionais ao punir empresas e sócios, sem a exigência da comprovação de dolo ou culpa.

No voto, o ministro Marques defendeu a aplicação das penalidades às empresas e seus sócios se houver comprovação de dolo e culpa relacionados ao trabalho escravo. Também destacou que a lei paulista, apesar de ser relevante no combate a prática, contém omissões subjetivas, que podem gerar interpretações constitucionais.

Para a aplicação da cassação da inscrição estadual do ICMS, Marques defendeu a instalação de um processo administrativo com contraditório e ampla defesa, para que o comerciante ou sócio tenha ciência ou condições de suspeitar da origem ilícita dos produtos.

Por fim, ele rejeitou o argumento apresentado pela CNC de que a norma invade competência federal ou cria um "tribunal de exceção". "A lei é constitucional, desde que aplicada com os ajustes propostos", ressaltou Marques.

Em defesa do voto do relator, o presidente do STF, ministro Barroso afirmou que o trabalho escravo é uma "realidade alarmante" e que, somente em 2024, foram regatados mais de 2 mil trabalhadores, sendo 467 em São Paulo. Para ele, a lei paulista deveria servir de modelo para outros estados e por isso propôs a seguinte tese do julgamento:

  • "1. A previsão em lei estadual de penalidade de cassação de cadastro de inscrição de ICMS de empresas que comercializem mercadorias de fabricantes que utilizem trabalho escravo ou análogo não viola a competência da União para a inspeção do trabalho.
  • 2. A penalidade de proibição de atuação no mesmo ramo de atividades não viola a competência privativa da União para legislar sobre o direito comercial.
  • 3. A aplicação das sanções deve ser precedida de processo administrativo com contraditório e ampla defesa, garantindo a comprovação de dolo ou culpa."

Ajustes na lei paulista

Ao analisar a lei paulista, o relator considerou constitucionais os artigos 1º, 2º e 4º, desde que interpretados à luz das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. "A aplicação de sanções administrativas em âmbito estadual somente pode ocorrer após a identificação da exploração de trabalho em condições análogas à escravidão por órgãos federais competentes", determinou a Corte.

Também ficou decidido que a "responsabilização do comerciante exige comprovação de que ele sabia, ou tinha como suspeitar, da origem ilícita dos produtos adquiridos". Tal comprovação deverá ocorrer em "processo administrativo adequado, com a observância plena dos direitos de defesa".

"É preciso que se demonstre, sob o devido processo legal, que o sócio ou preposto do estabelecimento comercial sabia ou tinha como suspeitar da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas", afirmou o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, ao anunciar o resultado do julgamento.

A mesma interpretação foi aplicada ao artigo 4º da lei, que trata da responsabilização de sócios. De acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), a penalidade só poderá ser imposta se houver comprovação de que o sócio teve participação ativa ou omissiva na aquisição de produtos originados de práticas ilícitas, além de conhecimento prévio sobre a situação irregular.

Outro aspecto definido pela Corte diz respeito à duração das sanções. O parágrafo 1º do artigo 4º foi interpretado no sentido de que o prazo máximo para a cassação da inscrição estadual é de 10 anos. O novo entendimento acompanha a redação que estabelece:

"As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de até 10 anos contados da cassação."

Por fim, o STF reafirmou que apenas os órgãos federais têm competência para reconhecer a ocorrência de trabalho análogo à escravidão, consolidando a atribuição exclusiva da União para fiscalizar e regulamentar as relações de trabalho no país.

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