Ouça este conteúdo
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (9) validar, parcialmente, a lei do Estado de São Paulo que pune empresas envolvidas em trabalho análogo à escravidão. A norma prevê a cassação da inscrição do ICMS e estabelece sanções administrativas para estabelecimentos que comercializem produtos cuja fabricação, em qualquer etapa, envolva essa forma de exploração.
Os ministros Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia, André Mendonça e Gilmar Mendes acompanharam o voto do relator, Nunes Marques. Apenas o ministro Dias Toffoli divergiu por considerar a lei inconstitucional e entender que o Estado de São Paulo invadiu competência da União.
A ação julgada foi apresentada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por sustentar que a norma viola garantias constitucionais ao punir empresas e sócios, sem a exigência da comprovação de dolo ou culpa.
No voto, o ministro Marques defendeu a aplicação das penalidades às empresas e seus sócios se houver comprovação de dolo e culpa relacionados ao trabalho escravo. Também destacou que a lei paulista, apesar de ser relevante no combate a prática, contém omissões subjetivas, que podem gerar interpretações constitucionais.
Para a aplicação da cassação da inscrição estadual do ICMS, Marques defendeu a instalação de um processo administrativo com contraditório e ampla defesa, para que o comerciante ou sócio tenha ciência ou condições de suspeitar da origem ilícita dos produtos.
Por fim, ele rejeitou o argumento apresentado pela CNC de que a norma invade competência federal ou cria um "tribunal de exceção". "A lei é constitucional, desde que aplicada com os ajustes propostos", ressaltou Marques.
Em defesa do voto do relator, o presidente do STF, ministro Barroso afirmou que o trabalho escravo é uma "realidade alarmante" e que, somente em 2024, foram regatados mais de 2 mil trabalhadores, sendo 467 em São Paulo. Para ele, a lei paulista deveria servir de modelo para outros estados e por isso propôs a seguinte tese do julgamento:
- "1. A previsão em lei estadual de penalidade de cassação de cadastro de inscrição de ICMS de empresas que comercializem mercadorias de fabricantes que utilizem trabalho escravo ou análogo não viola a competência da União para a inspeção do trabalho.
- 2. A penalidade de proibição de atuação no mesmo ramo de atividades não viola a competência privativa da União para legislar sobre o direito comercial.
- 3. A aplicação das sanções deve ser precedida de processo administrativo com contraditório e ampla defesa, garantindo a comprovação de dolo ou culpa."
Ajustes na lei paulista
Ao analisar a lei paulista, o relator considerou constitucionais os artigos 1º, 2º e 4º, desde que interpretados à luz das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. "A aplicação de sanções administrativas em âmbito estadual somente pode ocorrer após a identificação da exploração de trabalho em condições análogas à escravidão por órgãos federais competentes", determinou a Corte.
Também ficou decidido que a "responsabilização do comerciante exige comprovação de que ele sabia, ou tinha como suspeitar, da origem ilícita dos produtos adquiridos". Tal comprovação deverá ocorrer em "processo administrativo adequado, com a observância plena dos direitos de defesa".
"É preciso que se demonstre, sob o devido processo legal, que o sócio ou preposto do estabelecimento comercial sabia ou tinha como suspeitar da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas", afirmou o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, ao anunciar o resultado do julgamento.
A mesma interpretação foi aplicada ao artigo 4º da lei, que trata da responsabilização de sócios. De acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), a penalidade só poderá ser imposta se houver comprovação de que o sócio teve participação ativa ou omissiva na aquisição de produtos originados de práticas ilícitas, além de conhecimento prévio sobre a situação irregular.
Outro aspecto definido pela Corte diz respeito à duração das sanções. O parágrafo 1º do artigo 4º foi interpretado no sentido de que o prazo máximo para a cassação da inscrição estadual é de 10 anos. O novo entendimento acompanha a redação que estabelece:
"As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de até 10 anos contados da cassação."
Por fim, o STF reafirmou que apenas os órgãos federais têm competência para reconhecer a ocorrência de trabalho análogo à escravidão, consolidando a atribuição exclusiva da União para fiscalizar e regulamentar as relações de trabalho no país.