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Auditoria

TCU aponta que governo não combate assédio na maioria das universidades federais

Auditoria em universidades federais revela que 60% não possuem ações para enfrentar violações. (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

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Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o governo federal não está adotando medidas de prevenção e combate ao assédio sexual e moral dentro das universidades federais. O relatório do TCU mostra uma possível contradição entre o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de não tolerar assédio em seu governo e a condução das políticas públicas em relação ao problema.

A auditoria foi realizada em 69 universidades e constatou que 60% delas não possuem qualquer política institucionalizada para prevenir e enfrentar violações, deixando estudantes, professores e funcionários vulneráveis a situações de abuso e impunidade.

O Ministério da Educação (MEC), órgão responsável pelas universidades federais, foi procurado pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos.

“Surpreende o fato de ser algo amplamente defendido pelo governo, como bandeiras da esquerda inclusive, com pautas específicas sendo trabalhadas em vários ministérios criados pelo próprio governo e que dentro das universidades não está sendo representado”, alerta a educadora Regina Martins, especialista em política pública da educação.

Casos de assédio atingiram até o alto escalão do governo Lula. Em setembro de 2004, o ex-ministro Silvio Almeida, que respondia pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, foi acusado de assédio por diversas mulheres, incluindo a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Almeida nega as acusações e diz ser alvo de “intriga” política.

Silvio Almeida acabou demitido por Lula. O presidente disse na ocasião que "alguém que pratica assédio não vai ficar no governo, mas tem o direito de se defender". Ele também defendeu a necessidade de apuração rigorosa e disse que o governo não pode tolerar essas condutas, especialmente por “defender os direitos das mulheres”.

Dias depois, em um evento em Goiânia, Lula reforçou sua posição contra a violência declarando que “as mulheres são referência de dignidade neste país”. “Por isso, sou contra a violência contra a mulher".

Entre os exemplos raros de assédios praticados em universidades que foram parar na Justiça e com responsabilizações está uma condenação em segunda instância em setembro de 2024 na Justiça Federal contra um professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) por importunação e assédio sexual contra uma aluna.

“Quais medidas a universidade adotou para prevenir que outros casos assim não se repitam ou para atender a aluna? O que de fato aconteceu com o professor e como isso é tratado nas demais universidades? Efetivamente não sabemos”, afirma Martins.

A Gazeta do Povo procurou a universidade questionando se houve adoção de medidas e se há políticas de enfrentamento a esses e outros tipos de assédio, mas a universidade não respondeu aos questionamentos.

A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) afirma que o professor atraiu a estudante à universidade sob o pretexto de oferecer uma bolsa de estudos, mas a trancou em uma sala e praticou o crime de importunação sexual. O processo não detalha quais atos seriam. O assédio teria permanecido com mensagens enviadas ao celular da estudante com conotação sexual.

“A condenação na Justiça em casos assim ainda é uma exceção porque  a maioria dos casos de assédio sequer avançam nas estruturas das universidades. Essa é uma triste realidade”, completa a educadora.

Além da perda do cargo público, o professor foi proibido de ter acesso à universidade e a outras instituições de ensino e de exercer função pública. A Gazeta do Povo não conseguiu contato com a defesa do acusado.

Entre os principais problemas elencados pelo TCU na auditoria sobre o combate ao assédio em universidades federais estão:

  • Falta de políticas institucionais – 60% das universidades federais não possuem diretrizes formalizadas para prevenir e combater o assédio.
  • Aumento alarmante de casos – Entre 2021 e 2023, houve um crescimento de 44,8% nos casos de assédio sexual registrados na Justiça do Trabalho, totalizando mais de 360 mil novas ações.
  • Ausência de canais eficazes de denúncia – Muitas universidades não possuem estruturas seguras e acessíveis para que vítimas possam relatar casos de assédio.
  • Falta de capacitação de equipes – Os responsáveis por lidar com casos de assédio não recebem treinamento adequado, comprometendo a eficácia das investigações e o acolhimento das vítimas.
  • Baixa participação da comunidade acadêmica – Estudantes, professores e funcionários não são incluídos no processo de formulação de políticas preventivas.
  • Impunidade dos agressores – Mesmo com o aumento do número de denúncias, há uma baixa taxa de responsabilização e punição dos envolvidos.
  • Falta de protocolos de acolhimento às vítimas – A maioria das universidades não possui diretrizes claras para evitar a revitimização e garantir apoio psicológico e jurídico adequado.
  • Deficiências na fiscalização do governo – O Ministério da Educação e a Controladoria-Geral da União não exercem uma fiscalização eficaz sobre o cumprimento das normas contra o assédio nas universidades.

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A auditoria do TCU que apontou falhas no sistema de prevenção e enfrentamento ao assédio foi relatada pelo ministro Aroldo Cedraz. O relatório menciona uma estatística não relacionada especificamente às universidades que mostra que, de 2021 a 2023, houve um crescimento de 44,8% nos casos de assédio sexual registrados na Justiça do Trabalho, com mais de 360 mil novas ações.

Estudo promovido pela consultoria KPMG (Klynveld Peat Marwick Goerdeler), em 2023, denominado “Mapa do Assédio no Brasil”, que também consta no relatório do TCU, demonstrou que as instituições de ensino figuram entre os principais ambientes de ocorrência de assédio com aproximadamente 8% do total de casos denunciados.

Dados da Controladoria-Geral da União usados pela auditoria, indicam que, de 2022 até março de 2024, houve a abertura de 641 processos envolvendo assédio moral e sexual de docentes e servidores das universidades federais. “Nesse período, em 57 das 69 universidades federais existentes no Brasil, houve denúncias de assédio moral e/ou sexual [...] Entretanto, apesar dos casos apontados pela CGU envolvendo assédio, ainda há baixo quantitativo de denúncias deste tipo de violência”, alerta trecho da auditoria.

O TCU destacou lacunas graves, como a ausência de participação da comunidade universitária na elaboração de políticas de prevenção, falta de capacitação técnica para equipes de apoio às vítimas e a inexistência de canais eficientes de denúncia.

“A contradição do governo federal fica evidente quando se observa que a administração atual tem, em seu discurso, a defesa intransigente das minorias e o combate às violências de gênero e discriminação. No entanto, a própria gestão falha em implementar ações concretas e eficazes para garantir um ambiente seguro nas instituições de ensino superior, onde as estatísticas mostram que o assédio é uma realidade frequente”, reforça o cientista político Gustavo Alves.

O TCU determinou que o governo, a partir das universidades, adotem medidas urgentes para reverter esse cenário, incluindo a institucionalização de políticas de prevenção e combate ao assédio, formação adequada das equipes de apuração e criação de canais seguros para denúncias.

O Ministério da Educação e a Controladoria-Geral da União também foram notificados para fiscalizar e acompanhar a implementação dessas medidas. O MPF foi procurado, mas até a publicação da reportagem não se manifestou.

A CGU disse à reportagem que monitora procedimentos investigatórios e processos acusatórios sobre assédio nas universidades, além de capacitar responsáveis por correição nos órgãos públicos. Afirmou ainda que o governo criou um Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação, e mantém um canal de denúncias e desenvolve ações educativas sobre o tema.

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