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Relatório da PF sobre as imagens das supostas agressões de casal no aeroporto de Roma não traz uma conclusão precisa. O texto diz que os acusados “possivelmente”, “podem ter ofendido, injuriado ou até mesmo caluniado”. Mesmo assim, os dois tiveram seus celulares e computadores apreendidos.
Análise da PF sobre as imagens de Roma não passaram por procedimentos de perícia| Foto: Reprodução / Relatório PF

Os peritos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da defesa do empresário Roberto Mantovani consideram que, sem uma perícia profissional do vídeo do aeroporto de Roma que mostra a confusão envolvendo a família do ministro Alexandre de Moraes, em julho, há risco de manipulação ou edição do material, ainda que não intencional, que comprometeria o esclarecimento do caso.

Desde que as gravações foram enviadas da Itália para o Brasil, em setembro, o material é guardado a sete chaves pelo ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o caso é investigado. Por duas vezes, ele negou à defesa de Mantovani obtenção de cópia do vídeo. Autorizou apenas que peritos, advogados e procuradores tenham “acesso” ao material dentro do STF, para assistir ao vídeo sob vigilância da Polícia Federal e com assinatura de um termo de sigilo.

A PGR, a quem cabe conhecer a fundo o que ocorreu para apontar se há crime ou não no episódio, bem como a defesa de Mantovani, apontado por Moraes como suposto agressor, apresentaram a Toffoli relatórios técnicos de seus peritos argumentando que, se não forem liberadas cópias autênticas para eles, é inviável a realização da perícia.

Até o momento, não houve perícia do material nem sequer pela PF. Foi feita uma “análise” por um policial comum da corporação, num texto cheio de expressões imprecisas – como “aparentemente” e “parece” – para narrar o entrevero que teria ocorrido entre a família de Moraes e de Mantovani na porta da sala VIP do aeroporto internacional de Roma.

Com base em três gravações que teriam chegado da Itália, o agente Clésio Leão de Carvalho contou a história de que Mantovani teria agredido o filho do ministro, corroborando a versão de Moraes. Mesmo sem ter ouvido o que ocorreu no local, o policial atribuiu a contenda à mulher do empresário, que teria ficado revoltada com o fato de não entrar a sala VIP, o que teria sido concedido a Moraes e sua família.

“Aparentemente, chegou a bater no rosto da vítima, que teve óculos deslocados (ou caídos no rosto) [...] Roberto Mantovani levantou a mão direita e atingiu o rosto (ou os óculos) de Alexandre Barci De Moraes, deslocando fazendo sair de sua face o acessório do filho do ministro [...] Pela postura subsequente de Alexandre Barci após ter sido atingido no rosto pela mão de Roberto Mantovani, os óculos não teriam caído ao chão, pois BARCI não chegou a se abaixar para recuperar os óculos tendo apenas reposicionado o acessório no rosto”, escreveu.

Quando essa “análise” foi divulgada no inquérito, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) criticou o procedimento, sem a participação de um profissional da categoria. “É preocupante que procedimentos não periciais possam ser recepcionados como se fossem “prova pericial”, uma vez que não atendem às premissas legais, como a imparcialidade, suspeição e não ter, obrigatoriamente, qualquer viés de confirmação, que são exigidas dos peritos oficiais de natureza criminal”, disse a entidade em nota, no início de outubro.

A defesa de Mantovani contestou a versão dos fatos feita pelo agente da PF, apontando que ela omitiu uma informação registrada pela polícia italiana ao analisar as imagens: que o filho de Moraes teria, antes, “tocado de leve a nuca do antagonista”. “Aproximadamente às 18:39:12 é detectável o único contato físico digno de menção, ocorrido entre Mantovani Roberto e o filho da personalidade [Alexandre Barci]. Na circunstância esse último, provavelmente exasperado pelas insistentes agressões verbais recebidas, agitou o membro superior esquerdo, tocando de leve a nuca do antagonista, que, ao mesmo tempo, realizava a mesma ação com o braço direito, impactando levemente os óculos de Alexandre Barci de Moraes”.

Para esclarecer de fato o que houve, a PGR pediu a Toffoli a cópia. Para isso, apresentou ao ministro parecer técnico que diz que a decisão do ministro, de negar essa extração, “vai de encontro às melhoras práticas adotados no mercado e na academia”.

“Trata-se de uma determinação tecnicamente bastante temerária e desnecessária, haja vista que o dispositivo questionado e os dados lá mantidos, por diversos fatores, poderiam ser indevidamente excluídos ou editados, intencionalmente ou não. Em suma, a boa prática preconiza que toda a análise pericial e investigativa, sempre que tecnicamente possível, seja realizada em uma cópia de trabalho absolutamente fiel à original, justamente, para evitar contaminação da evidência ou prova digital”, diz o parecer, assinado pelo perito da PGR Thiago Caparelli Navarrete Ordinas, chefe da Assessoria Nacional de Perícia em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC); e Winicius Ferraz Neres, coordenador da Coordenadoria de Investigação em Evidências Digitais e Eletrônicas (Code).

Eles sugeriram ao ministro que autorize dois servidores da PGR a comparecerem ao STF para fazer uma cópia, de modo não apenas a preservar a gravação guardada no tribunal, mas também assegurar, com tecnologia própria, que a cópia seja totalmente fiel ao material. “Esse procedimento é considerado de suma importância, pois garantirá a integridade da evidência digital durante todo o processo judicial”, escreveram.

Depois disso, “em ambiente controlado” e com equipamentos apropriados, produziriam um laudo identificando dados sobre a gravação das imagens, as câmeras que registraram o bate-boca, data e hora do evento, entre outras informações de interesse da investigação, com análise qualitativa e descritiva dos eventos registrados em vídeo”, sem com isso “expor desnecessariamente a intimidade de terceiros”.

A defesa de Mantovani, por sua vez, contestou a decisão de Toffoli não só apresentando a versão mais completa da polícia italiana, mas também com um relatório técnico do perito particular Ricardo Molina, contratado pelos defensores do empresário. Molina também julga necessário obter uma cópia não só para preservar o material guardado no STF, mas também para verificar como a gravação foi feita, se está completa e editada. “É totalmente inviável realizar qualquer análise percuciente e exaustiva sem o acesso direto ao vídeo, por meio de programas específicos instalados em nossas máquinas”, escreveu o perito.

Ele argumentou que um clone do vídeo não afetaria em nada a gravação em poder do STF e que há tecnologias simples para assegurar que a cópia seja idêntica. Criticou ainda a “análise” pelo agente policial, que não demonstrou a integridade do arquivo recebido da Itália, nem como foi manipulado e executado para compor a narrativa, com base em 146 frames. Notou, por exemplo, que apesar do agente descrever as cenas registrando a hora, minuto e segundo de cada ato destacado, tais dados não se encontram nas imagens. Ou seja, não há qualquer garantia que a sequência de acontecimentos seja fidedigna aos fatos como se desenrolaram.

“Nem mesmo se sabe se esses foram os únicos arquivos enviados, pois não houve qualquer rigor quanto à documentação relacionada com a manutenção da cadeia de custódia”, observou ainda Ricardo Molina. Ele acrescentou que o próprio arquivo digital em posse do STF é uma cópia da gravação original feita na Itália. “Nem mesmo se sabe se outras cópias foram produzidas: teria o APF Clésio Leão de Carvalho, responsável pela ‘Informação 004/23’ trabalhado com o arquivo recebido diretamente da Itália? Não se produziu, como de praxe, um backup de trabalho? Isto seria inusitado (além de arriscado).”

A “cadeia de custódia” é, basicamente, a descrição de como o material foi obtido, armazenado e manuseado de modo a preservar sua integridade, para que seja considerado válido como prova. Como mostrou a Gazeta do Povo, a falta de perícia também levou a defesa de Mantovani a questionar Toffoli se a gravação está íntegra, sem adulterações.

Trata-se da mesma alegação que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para questionar e anular, no STF, as provas da Odebrecht que registravam pagamentos ao petista. Como não havia essa garantia, o ministro Ricardo Lewandowski anulou as ações por corrupção e lavagem contra ele. Depois, Dias Toffoli anulou a validade dessas provas – cópias de sistemas – para todos os réus da Lava Jato.

Após negar a cópia à PGR e à defesa de Mantovani, Toffoli mandou o delegado que toca a investigação na PF, Hiroshi de Araujo Sakaki, designar um perito para “acompanhar” o acesso dos envolvidos ao vídeo, dentro do STF. Os advogados de Alexandre de Moraes e sua família, admitidos pelo ministro como “assistentes de acusação”, já pediram uma data a Toffoli para poder ver as gravações dentro do tribunal, sem pedir perícia sobre o material.

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