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Odebrecht
Provas colhidas nos sistemas da Odebrecht foram consideradas “contaminadas”; decisão atinge todos os processos que utilizaram as evidências.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Apuração em andamento
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O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou nesta quarta (6) a nulidade de todos os atos tomados na esteira do acordo de leniência da construtora Odebrecht firmados durante a Operação Lava Jato. A decisão é monocrática – individual – e atinge todos os processos que utilizaram provas obtidas nos sistemas da empresa, que foram consideradas contaminadas e já vinham afetando outras investigações que correm na Corte.

A decisão de Toffoli abre caminho para que todos os envolvidos nos processos que utilizaram as provas do acordo tenham as responsabilidades apuradas pelas "gravíssimas consequências dos atos para o Estado brasileiro e para centenas de investigados e réus em ações penais" tanto no âmbito do poder público como eleitorais, civis e no exterior.

“Concedo a extensão da ordem, em definitivo e com efeitos erga omnes (vale para todos), para declarar a imprestabilidade dos elementos de prova obtidos a partir do Acordo de Leniência celebrado pela Odebrecht, e dos sistemas Drousys e My Web Day B, bem assim de todos os demais elementos que dele decorrem, em qualquer âmbito ou grau de jurisdição”, disse o ministro da decisão (veja na íntegra).

A decisão decorre de provas encontradas durante a Operação Spoofing, que descobriu uma organização que invadiu contas de Telegram de autoridades brasileiras e de pessoas relacionadas à Operação Lava Jato. O episódio ficou conhecido como “vaza jato”, em que os celulares foram invadidos pelo hacker Walter Delgatti Neto, preso em 2019 e condenado a 20 anos de prisão.

Delgatti vazou supostos diálogos entre o então juiz federal Sergio Moro, hoje senador pelo Paraná (União Brasil), e procuradores da Lava Jato. “Impressiona deveras o desabrido conluio registrado entre a acusação e o órgão judicial contra o reclamante [Lula], e mesmo em desfavor de outros réus”, escreveu Toffoli na decisão.

“Esse vasto apanhado indica que a parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba extrapolou todos os limites e, com certeza, contamina diversos outros procedimentos; porquanto os constantes ajustes e combinações realizados entre o magistrado e o parquet apontados acima [fundamento da decisão] representam verdadeiro conluio a inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa”, completou.

O então ex-presidente era defendido por Cristiano Zanin, que agora atua como ministro do STF. A reclamação que gerou a decisão desta quarta (6) é assinada, entre outros, por Valeska Teixeira Zanin Martins, esposa do agora magistrado.

O ex-juiz da Lava Jato e atual senador, Sergio Moro (União Brasil-PR), rebateu a decisão de Toffoli e disse que "a corrupção nos governos do PT foi real" e que "criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras".

Toffoli tem uma ligação histórica com o PT e o sindicalismo brasileiro. Ele foi consultor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1993 e atuou como advogado de Lula nas campanhas presidenciais de 1998, 2002 e 2006.

A decisão atinge o maior acordo de leniência já firmado no mundo entre uma empresa privada e o poder público. As investigações apontaram corrupção da Odebrecht em 12 países da América Latina, Caribe e África.

Toffoli questiona condenação de Lula

Ainda na decisão desta quarta (6), Toffoli afirma que “pela gravidade das situações estarrecedoras postas nestes autos, somadas a outras tantas decisões exaradas pelo STF e também tornadas públicas e notórias, já seria possível, simplesmente, concluir que a prisão do reclamante, Luiz Inácio Lula da Silva, até poder-se-ia chamar de um dos maiores erros judiciários da história do país”.

“Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem. Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, completou.

Procuradores não poderiam fechar acordo, diz Toffoli

Toffoli afirma ainda, na decisão, que os "procuradores lotados no Paraná jamais poderiam avançar para a assinatura de acordo de leniência". A afirmação foi dada a partir do resultado da análise dos dados obtidos nos sistemas da Odebrecht considerados contaminados -- Drousys e My Web Day B --, utilizados no Setor de Operações Estruturadas da empreiteira -- e que ficou conhecido como "departamento da propina".

Os dados eram armazenados em servidores fora do país e foram enviados ao Brasil sem conformidade com o que ditam as regras para acordos de cooperação jurídica internacional.

Dias Toffoli diz ter feito uma consulta sobre isso ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, e foi informado que, por conta disso, não haveria como “atestar a preservação da cadeia de custódia”.

“Para além do reconhecimento da imprestabilidade dos elementos de prova decorrentes dos sistemas ‘Drousys’ e ‘My Web Day B’, diante da gravidade da situação aqui posta, deve-se, urgentemente, apurar a conduta dos agentes públicos envolvidos nesta operação, que ocorreu sem a necessária concorrência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (na condição de Autoridade Central brasileira) e da Advocacia Geral da União (na condição de representante da União)", escreveu.

Ainda segundo o ministro, os procuradores do Paraná não poderiam ter assinado os termos do acordo que previa um pagamento de R$ 8,5 bilhões (na época) aos governos brasileiro, dos Estados Unidos e da Suíça, sem a autorização dos órgãos competentes.

"Os Procuradores de Curitiba e os magistrados lotados na 13ª Vara de Curitiba avançaram para efetivamente remeter recursos do Estado brasileiro ao exterior sem a necessária concorrência de órgãos oficiais como a Advocacia-Geral da União, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública", escreveu Dias Toffoli.

A Segunda Turma do STF já havia decidido, em 2022, que as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht não poderiam ser sido usadas na ação penal contra Lula sobre o terreno utilizado para a construção da sede do Instituto Lula, e que deu origem à contestação das evidências.

Em outro processo recente, de agosto, Toffoli anulou as provas da Odebrecht que citavam o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, na ação em que era suspeito de envolvimento em irregularidades em contratos para o fornecimento de navios-sonda à Petrobras. E também do ex-ministro Paulo Bernardo por lavagem de dinheiro.

Apuração de responsabilidade dos envolvidos

Toffoli determinou que a Polícia Federal seja oficiada para que apresente, em até 10 dias, o conteúdo integral das mensagens apreendidas durante os trabalhos da “Operação Spoofing”, de todos os anexos e apensos. O magistrado também decidiu que todos os investigados e réus processados com base nas provas contaminadas tenham acesso à íntegra do material obtido pela ação.

O magistrado ainda oficiou a 13ª Vara Federal de Curitiba e o Ministério Púbico Federal de Curitiba para que apresente, também em 10 dias, o conteúdo integral de todos os documentos do acordo de leniência da Odebrecht “inclusive no que se refere a documentos recebidos do exterior, por vias oficiais ou não, bem como documentos, vídeos e áudios relacionados às tratativas – inclusive prévias com cronogramas - desde as primeiras reuniões e entabulações, bem como as colaborações premiadas vinculadas ao referido acordo de leniência”.

Toffoli oficiou também outros órgãos como Procuradoria-Geral da República (PGR), à Advocacia-Geral da União (AGU), ao Ministério das Relações Exteriores, ao Ministério da Justiça, à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Receita Federal do Brasil, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

No final da manhã, o ministro Jorge Messias, da AGU, confirmou que abriu uma apuração interna para apurar a conduta de agentes públicos ligados às investigações da Lava Jato. Pouco depois, Flávio Dino, da Justiça, disse que vai encaminhar a apuração à Polícia Federal assim que for notificado.

Ainda na decisão, Toffoli determina que estes órgãos identifiquem e informem “eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram atos relacionados ao referido Acordo de Leniência”, e adotem medidas necessárias para apurar responsabilidades nas esferas administrativa, civil e criminal.

“Considerando as gravíssimas consequências dos atos para o Estado brasileiro e para centenas de investigados e réus em ações penais, ações de improbidade administrativa, ações eleitorais e ações civis espalhadas por todo o país e também no exterior”, completou encaminhando a decisão também às presidências da República, do Senado e da Câmara dos Deputados.

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