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A cultura da indignação e o resgate da vovó
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O que seria a cultura da indignação? Para ela, o importante é estar sempre irritado com “injustiças”, pois assim se age por emoção e não razão. Ignora-se o fato de que vivemos na era mais próspera e livre da história, e essa cultura destila apenas vitimização.

Mas a esquerda explora justamente isso: se você estiver devidamente informado, então precisa estar WOKE, "desperto" para toda a exploração das "minorias" pelo "sistema".

Mas indignação é sinal de fraqueza também. Não é uma virtude simplesmente estar indignado. Normalmente tal sentimento não produz uma reação virtuosa e produtiva ou útil.

O livro Fortitude, de Dan Crenshaw, é sobre essa cultura da indignação que fomenta o tribalismo, a acusação contra o “outro” e promove o esgarçamento do tecido social: é inviável conviver em sociedade quando uns querem esganar os outros o tempo todo.

As pessoas assumem as piores intenções nas falas dos outros, em vez de conceder com maior generosidade o benefício da dúvida. Com o anonimato das redes sociais, isso tem levado a um ingrediente bastante tóxico para uma política de linchamento de manadas.

Deixamos para trás a visão clássica do herói arquétipo, alguém calmo, seguro de si, senhor da situação. “Se você consegue manter a cabeça no lugar enquanto outros estão perdendo as suas”, como diria Kipling. Hoje temos o oposto: o “herói” é aquele sempre indignado, revoltado, berrando, apontando dedos, com reações emocionais tidas como “genuínas” ou “autênticas”. Tipo uma Greta!

As virtudes estão em declínio, e isso traz a questão da sustentabilidade de nossa civilização. A mensagem básica do autor é que se você está perdendo sua leveza, então você já perdeu. Se você se deixa levar pelos “gatilhos”, você está sem o controle e permitindo que outros te controlem. E isso, acima de tudo, é uma derrota pessoal. Cabe a você resgatar o controle.

Indivíduos mais fortes e resistentes formam sociedades mais estáveis e duradouras. Indivíduos mais responsáveis criam ambientes melhores, com mais liberdade e disciplina. Uma cultura caracterizada pela vitimização, indulgência, ressentimento e indignação é uma que logo se desfaz. É uma escolha existencial, portanto.

O autor dedica um capítulo às suas experiências pessoais, de quem perdeu um olho e quase o outro numa bomba caseira no Afeganistão. Como ex-Navy SEAL, Dan Crenshaw pode dividir com o leitor todo seu ensinamento rigoroso, estoico, que efetivamente lhe foi útil para resistir sob condições terríveis.

Mas Crenshaw foi forjado no sofrimento. Sua mãe teve um câncer terminal diagnosticado quando ele tinha apenas 5 anos, e deram cinco anos de vida a ela. De fato, ela morreu quando ele tinha 10 anos. Não obstante a dor, sua mãe enfrentou a situação com coragem, cabeça erguida e até algum humor. Ela tinha tudo para se tornar amargurada e ressentida, mas não fez isso.

Foi a lembrança de sua mãe, assim como o pensamento sobre quantos outros tiveram de enfrentar coisas similares ou piores, que fez com que Dan aguentasse o combate para não perder a outra visão. Ele teve de ficar 6 semanas virado de cabeça para baixo, praticamente sem se mexer, após a cirurgia. Os médicos achavam improvável ele recuperar a vista, mas ele manteve o otimismo, a esperança e a fé. Ele julga essa obstinação como crucial para ter suportado o martírio.

A gratidão é fundamental para evitar a cultura da indignação. Ter uma perspectiva maior do que se tem, do que os outros enfrentam, pode nos ajudar a vencer o desespero, a autocomiseração, a fraqueza. Desistir ou ficar se lamuriando não são opções aceitáveis, ponto. Ter em mente o que o mundo já passou pode ajudar, e é preciso escolher não se tornar alguém amargo.

A ideia de hábito aristotélico, os ensinamentos estoicos, a formação sólida do caráter, essas são receitas para a vida, antídotos contra a indignação infundada. E esses hábitos valem para os pequenos detalhes. Não se atrasar, não mentir para o parceiro, agir com senso de dever moral e como cidadão responsável. Crenshaw bebeu da fonte do cavalheirismo: integridade, força e honra, além de compromisso com o que é certo.

E um dos segredos é jamais ter um Plano B. No momento em que você se permite uma rota alternativa mais fácil ou medíocre, você irá toma-la. Se ele não tivesse obstinado para se tornar um SEAL, jamais teria aguentado o teste, que é feito para que a maioria desista no processo. Os que desistem são aqueles que possuem um Plano B. A América não tinha Plano B após 4 de julho de 1776, e mesmo quando a Coroa Britânica ofereceu coisas que seriam consideradas fantásticas e além dos sonhos dos colonos revolucionários, a partir daquele momento não havia mais negociação: era liberdade e independência ou nada.

A modernidade, a própria prosperidade, porém, tem tornado os americanos mais molengas. Os “pais helicópteros” criam seus filhos num ambiente super protetor. A cultura moderna tem recompensado quem grita mais alto ou com mais raiva, confundindo paixão com substância. A arrogância substitui a humildade em se admitir que não conhece a fundo determinado tema. Poucos conseguem manter certa calma num ambiente desses, em que a própria mídia produz estímulos constantes para ações imediatas e irrefletidas.

Crenshaw dá muita importância ao senso de humor também, inclusive do tipo mais negro. É uma válvula de escape necessária para a realidade dura. Ele recomenda ainda atenção aos detalhes, foco, dedicação. Uma pessoa focada e atenta é alguém que faz mais perguntas, que tem maior curiosidade, e isso tende a levar a uma maior profundeza também.

Em um dos capítulos, Crenshaw lembra da importância de se sentir vergonha pública, uma espécie de freio para nossos deslizes. Não é sinalização de falsa virtude, mas aquela sensação sincera de quem sabe estar agindo de forma equivocada. Entre os extremos de sentir vergonha paralisante de tudo e viver pelos outros, ou não demonstrar qualquer vergonha perante terceiros, há que se buscar um equilíbrio saudável. Não é, portanto, temer o julgamento alheio, mas se arrepender de fato dos erros, odiar o pecado. A cultura do cancelamento vai na direção contrária disso.

Somente com alguma vergonha podemos alimentar um senso de dever, e com isso nos transformar em cidadãos responsáveis. Uma nação próspera não pode depender apenas da punição legal; os seus cidadãos precisam escolher seguir as leis por outros motivos. E as leis devem ser respeitáveis para serem respeitadas, claro. Estas devem se basear em virtudes atemporais.

Doses de sacrifício e mesmo sofrimento são importantes para formar pessoas com propósitos mais elevados, que dão sentido às suas vidas. Sabemos que o que é obtido com maior esforço tende a ter mais valor do que aquilo que vem fácil. Não devemos, então, fugir de toda dor e sofrimento, ou do estresse. Com a dosagem certa e em uma frequência tolerável, eles são ingredientes necessários para nossas vidas. “No pain, no gain”, diz o ditado popular. Em outras palavras, saia da zona de conforto. O objetivo deste exercício é dessensibilizar-se aos infortúnios com os quais a vida inevitavelmente o confronta.

Em certo sentido, esta é a diferença entre os cidadãos normais e os indignados anormais: um conta histórias sobre o que eles fizeram e o outro conta histórias sobre o que foi feito a eles. Um é sobre realização, o outro é reclamação. Devemos buscar uma responsabilidade por nosso destino, por mais que não controlemos tudo. Nós controlamos muito, nossas reações, nossas ações. As perguntas voltadas para dentro aceitam a responsabilidade e abrem a porta para melhorias. As perguntas voltadas para fora atribuem a culpa a terceiros e procuram passar o fracasso para os outros.

Nessa visão distorcida, as pessoas são classificadas em três grupos: os oprimidos, o opressor e o campeão dos oprimidos. Os guerreiros da justiça social são, obviamente, os campeões autoproclamados, e geralmente são os conservadores que são rotulados como opressores (embora nem sempre). Os oprimidos - geralmente um grupo minoritário - são designados pelos chamados campeões e informados de que sua prosperidade futura depende da benevolência do campeão.

O sucesso desta narrativa contra os Estados Unidos é resultado da compreensão superior da esquerda das guerras culturais e da necessidade de se engajar na cultura em todas as frentes de batalha. A esquerda conquistou a academia, a cultura pop, a comédia e o jornalismo em um grau excepcional.

Devemos começar reconhecendo que a América é um milagre. Um produto dos melhores e mais promissores ideais que a humanidade já teve. A fundação foi o ápice do experimento político e cultural, onde as grandes mentes de Jefferson, Madison, Hamilton, Washington e outros puderam criar o projeto de um novo país usando todas as lições de milhares de anos de evolução política e filosófica.

A receita sugerida pelo autor, à guisa de conclusão, é a seguinte:

Não desistirei diante do perigo, da dor ou da dúvida; não vou justificar o caminho mais fácil diante de mim. Eu decido que todas as minhas ações, não apenas algumas, são importantes. Cada pequena tarefa é uma contribuição para um propósito superior. Cada dia é realizado com o senso de dever de ser melhor do que ontem, mesmo nas menores coisas. Eu procuro dificuldades. Não corro da dor, mas a abraço, porque tiro força do meu sofrimento. Eu enfrento as provações inevitáveis ​​da vida com um sorriso. Eu pretendo manter minha cabeça, ficar quieto, quando o caos me dominar. Contarei a história de minhas falhas e dificuldades como vitorioso, não como vítima. Eu serei grato. Milhões que vieram antes de mim sofreram muito, lutaram muito e foram abençoados com muito pouco para que eu desperdiçasse esta vida. Então eu não vou. Meu propósito será defender e proteger o espírito de nossa grande república, sabendo que os valores que prezamos só podem ser preservados por um povo forte. Eu farei minha parte. Vou viver com Fortaleza.

Em suma, resgatar os bons e velhos conselhos da vovó. O mundo precisa retornar ao bom senso, pois o pêndulo extrapolou demais em direção ao relativismo moral subjetivista. É preciso buscar um equilíbrio. Não é necessário ser um filósofo ou um SEAL para compreender a importância de certas virtudes na vida pessoal de cada um e na construção de um tecido social sustentável. Escute a vovó - ou a tia do Zap. Ela tem razão!

Resenha que preparei do livro "Fortitude", de Dan Crenshaw, para uma palestra exclusiva aos meus patronos nesta terça.

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