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A descoberta da liberdade: um relato de Rose Wilder Lane
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“Enfraquecer o Governo, limitando seu uso de força nas relações humanas, é a única forma de permitir que os indivíduos usem sua liberdade natural.” (Rose Wilder Lane)

Rose Wilder Lane foi, ao lado de Ayn Rand, uma das criadoras do movimento libertário americano. Seu livro The Discovery of Freedom, escrito em 1943, representa um trabalho revolucionário para todos aqueles que lutam pela liberdade individual. Nele, Rose defende que a vida é energia em movimento, e que o desejo imperativo de toda criatura viva é continuar a viver, sendo que isso não é uma tarefa fácil.

Os homens estão vivos apenas porque atacam os inimigos da vida humana, lutando com suas energias criativas em uma natureza muitas vezes hostil. Os recursos naturais sempre estiveram presentes e disponíveis, mas seus usos variaram muito com o tempo. A energia humana é a responsável pelo avanço desses usos, criando um mundo novo mais rico em conforto.

Surge então a fundamental questão: quem controla essa energia? Para Rose, não resta a menor dúvida de que somente cada indivíduo pode controlar sua própria energia. Nenhuma forma exógena pode compelir alguém a usar esta energia de forma criativa. Cada um é responsável por todos os atos praticados. No entanto, a história da humanidade é uma história de “crenças pagãs”, como diz Rose, de que essa energia é controlada por algo de fora, por alguma autoridade qualquer a qual os indivíduos estariam submetidos. Seja o Sol, a Igreja, o Governo, o Povo, o Estado, a História, não importa, pois era sempre algo fora do indivíduo que controlava sua energia, segundo as crenças do mundo antigo. Algumas tentativas de mostrar aos homens que é cada um quem detém o controle da própria vida e energia ocorreram, e foram justamente épocas de grande prosperidade. A mais recente – e também mais sensacional – foi a Revolução Americana.

No mundo humano não existe nenhuma outra entidade concreta além do próprio indivíduo. Uma “sociedade” nada mais é do que o somatório de indivíduos, e são esses que possuem o controle das próprias vidas. Cada ser humano é, pela sua própria natureza, livre. Mas a crença de que alguma autoridade o controla anula as chances de sua energia funcionar corretamente, pois se trata de uma crença falsa. Mas muitos nem mesmo questionam tal crença, preferindo culpar alguma autoridade qualquer pela falta de comida, pelos males da natureza. Revoluções antigas eram apenas mudanças em torno do mesmo centro, sem jamais quebrar o círculo, já que o foco central era invariavelmente a crença na autoridade. A economia era sempre “planejada”, ou seja, controlada por tal autoridade. Este controle externo irá sempre prejudicar o progresso, pois somente o uso da energia produtiva dos homens pode levar ao progresso.

Somente indivíduos que agem contra a opinião da maioria do seu tempo tentarão algo novo, uma mudança que gera progresso. Com uma autoridade controlando e “planejando” da economia, estes indivíduos não terão a chance de usar corretamente suas energias criativas. Alexander Graham Bell insistia que o fio poderia transportar a voz humana, e isso era considerado impossível até então. Muitos acreditavam que navios não poderiam ser feitos com ferro, pois ferro não flutua. A história do progresso é a história do uso individual de energia criativa contra o consenso. A economia planejada, portanto, é o uso da força, através do governo, para prevenir o uso natural da energia humana. É o declínio da civilização.

Qualquer um que assume a segurança econômica como certa e um “direito humano” age feito criança mimada. Ele ignora que outros homens estão arriscando suas vidas para protegê-lo, lutando contra o mar, a terra, as doenças, as catástrofes naturais, enfim, contra a natureza em si para possibilitar esse conforto material, inexistente no passado. Mas sem a compreensão adequada desta realidade, muitos citam seus deuses – a Sociedade, o Governo, o Estado, a Nação – e exigem os bens como direitos naturais.

Seria preciso somente poucos minutos sozinho no mundo para que ele acordasse para a realidade e entendesse como o conforto material existe de fato. Mas a mentalidade econômica predominante no mundo antigo assume que a riqueza não pode ser criada e aumentada, devendo apenas ser dividida. Esta visão absurda parte da premissa de que, para ter prosperidade, faz-se necessário tirá-la de alguém. É a mentalidade das guerras, invasões, pilhagens, impostos progressivos. Enquanto a crença predominante for a superstição de que alguma autoridade é responsável pelo bem-estar dos indivíduos, o resultado será pobreza e guerra.

A autoridade que concede uma “liberdade” pode sempre retirar a concessão. A liberdade não pode ser concedida por ninguém, ela é um fato da natureza. A liberdade é o controle individual da vida e energia humanas. O autocontrole de cada um, assumindo a responsabilidade pelos seus atos, isso é liberdade para Rose. Esta liberdade é inalienável, não pode ser transferida. Este fato não é reconhecido quando os indivíduos se submetem a uma autoridade que lhes garante “liberdades”. A analogia que Rose faz é com uma mãe que cede a “liberdade” para que seu filho vá brincar com os amigos. Isso não pode ser liberdade verdadeira, pois a mãe tem o poder de retirá-la a qualquer momento com sua autoridade. Seres humanos que acreditam que suas liberdades são concedidas por alguma autoridade agem como crianças imaturas, sem assumir a responsabilidade dos atos.

Com isso em mente, fica mais fácil entender porque Rose encarava a Revolução Americana como uma importante quebra de paradigma. Inúmeros indivíduos lutaram voluntariamente para preservar suas liberdades naturais. A Revolução foi uma revolta contínua contra a autoridade que pretendia controlar e planejar suas vidas e economia. Os “pais fundadores” e demais americanos não acreditavam nesta autoridade, ou mesmo em qualquer outra entre as “crenças pagãs”. Até a democracia era vista com muita desconfiança por eles. O “governo do Povo” é uma fantasia, pois o Povo não existe concretamente, apenas indivíduos. Logo, na prática a democracia pura é uma tentativa de a maioria agir como controladora do grupo. E não era o governo da maioria que interessava aos americanos, mas sim a preservação de suas liberdades individuais contra qualquer autoridade. Inclusive a maioria.

A Declaração de Independência foi um atestado de que os homens são naturalmente livres, e que, portanto, essa liberdade não precisa ser concedida por ninguém, por governo algum. Logo no começo, ela diz: “Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.Para isso foi criado o Bill of Rights, que na verdade era uma lista de coisas que os cidadãos livres americanos não permitiam que o governo fizesse. Esse princípio foi revolucionário, e ainda hoje o é.

O aumento de proibições do que o governo pode fazer é diretamente proporcional à liberdade dos indivíduos, e é o uso criativo dessa liberdade que leva a um mundo mais próspero. O governo americano criado ali era único em dois sentidos: não era superior aos indivíduos, podendo existir somente pelo consentimento deles; e era um governo de leis, e não de alguma autoridade super-humana qualquer. O fantástico progresso gerado pelos americanos, fazendo mais em dois séculos do que a humanidade em milênios, não se deu por acaso. Foi conseqüência justamente dessa redução e restrição da autoridade central, do controle e planejamento do governo. *

Rose Wilder Lane acreditava totalmente na capacidade criativa da energia humana livre. O feito americano é uma prova de que ela estava certa. Para que o progresso da humanidade tenha continuidade, aumentando sempre o conforto material dos seres humanos na natureza, é fundamental que o valor da liberdade individual seja corretamente entendido e apreciado. O progresso não é uma necessidade cronológica. Se seus pilares forem derrubados, ele também será. O retrocesso poderia ser quase imediato. Afinal, o que garante a geração crescente de riqueza é a energia individual. Se esta for suprimida por alguma autoridade qualquer, a miséria retorna ao mundo. Eis a principal mensagem que Rose tentou passar em sua descoberta da liberdade.

* O término da escravidão deve muito aos “pais fundadores” americanos. O famoso caso Amistad de 1839 foi o primeiro no qual se apelou para a Declaração, e o ex-presidente americano John Quincy Adams fez uma defesa eloqüente dos africanos presos. Seu longo discurso diante da Suprema Corte contou com o seguinte argumento: “No momento em que se chega à Declaração de Independência e ao fato de que todo homem tem direito à vida e à liberdade, um direito inalienável, este caso está decidido”. Abraham Lincoln foi outro que apelou constantemente à Declaração para defender a causa abolicionista. O texto foi uma vez mais invocado por outro grande defensor da igualdade perante a lei, Martin Luther King Jr. Seu mais famoso discurso, sobre seu sonho de viver numa nação livre, faz alusão direta ao trecho da Declaração onde todos os homens são criados iguais. Outro abolicionista conhecido, David Walker, escreveu em 1823 um texto usando os trechos da Declaração, e questionando se os americanos compreendiam o que estava sendo dito ali. A luta pela liberdade feminina iria também se apoiar na própria Declaração de Independência, defendendo o direito de igualdade entre os sexos. Enfim, o legado da Declaração é enorme na conquista da liberdade individual.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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