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Político Político “abnegado” dando migalhas para o povo

Muitos apontam as “falhas de mercado” e ganham até Prêmios Nobel com isso. Paul Krugman e Joseph Stieglitz vêm à mente. A realidade é imperfeita, e trocas voluntárias entre seres humanos imperfeitos jamais levarão a algum tipo de perfeição. A reação automática diante de um problema real do mercado é demandar a intervenção estatal: o governo vai resolver as tais falhas.

Mas será que isso ocorre mesmo? Será que, na prática, os governos conseguem resolver essas falhas de mercado? E as falhas do governo? A Public Choice School (também conhecida como Escola de Virgínia), fundada por James Buchanan e Gordon Tullock, colocou o foco nessa questão, ao transportar o estudo da economia para a política.

Sua principal premissa é bem simples e autoevidente, apesar de ser ignorada por vários cientistas políticos: o homo politicus não é diferente do homo economicus, que é o mesmo homo sapiens: alguém que busca maximizar seus próprios interesses de forma racional. Parte, portanto, do individualismo metodológico, combate a visão holística de estado, que fala em “interesse geral”, em “vontade popular”.

Adam Smith e Hayek já tinham notado que a principal vantagem do mercado é não depender de boas intenções para produzir resultados sociais eficientes e desejáveis. O foco está no processo, no mecanismo de incentivos: no livre mercado, mesmo um homem ruim pode ser levado a fazer o bem; na política, mesmo um homem bom pode ser levado a fazer o mal.

Economistas não estudam uma parte da realidade, mas sim a realidade a partir de uma estrutura econômica de análise. Transportar isso para o mundo político foi a grande contribuição da escola da Escolha Pública e das Falhas de Governo. Foi o fim do dualismo sem sentido: o homem é o mesmo, o que muda é a forma de lutar contra a escassez e competir por recursos.

Trata-se de uma visão bem mais realista da natureza humana. Afinal, não somos governados por anjos! A dicotomia boba – mercado como palco de interesses egoístas e política como palco de abnegação pelo “bem comum” – é refutada pela Escola de Virgínia. É preciso lidar com este paradoxo: muitos odeiam políticos de carne e osso, mas idoltram o estado como abstração, esquecendo que o estado é formado por aqueles políticos.

A ingenuidade faz com que essas pessoas entreguem ao estado o monopólio da função de integração social, como se somente ele fosse capaz de atender a tal bem público. Mas o ser humano é corruptível. Logo, o poder corrompe. O socialismo acaba defendendo uma “solidariedade compulsória” e, na prática, cria um governo de burocratas para burocratas, corrompidos pelo poder e criando privilégios para sua casta à custa dos demais.

Uma percentagem crescente dos gastos públicos consiste em transferir o rendimento dos politicamente desfavorecidos para os politicamente favorecidos. A “justiça social”, ao concentrar recursos e poder no estado, mina a solidariedade voluntária, cria dependência e enfraquece a sociedade civil. Mais governo = menos sociedade: paternalismo mina responsabilidade familiar, empresarial, cultural, e fomenta irresponsabilidade e dependência.

Assumir de forma implícita que para todo problema social a solução é a intervenção estatal é não só um equívoco, cujo ônus da prova deveria recair sobre o intervencionista, mas um discurso que interessa aos “amigos do rei”, aos burocratas em busca de poder. O processo político nem sempre (ou quse nunca) acaba beneficiando o coletivo, e sim uma parcela da população à custa do restante. Eis a realidade como ela é, não como gostaríamos que fosse.

A visão romântica de um estado benevolente, ao contrário da mais realista e cética que o enxerga como um “mal necessário”, costuma partir de uma postura insustentável: quando os intervencionistas pregam mais estado, assumem que a intervenção será realizada por seres clarividentes e abnegados. Esquecem que será colocada em prática por seres humanos imperfeitos, limitados, sujeitos às paixões humanas.

“Qualquer recomendação de natureza normativa deve ser avaliada sob uma análise do comportamento dos indivíduos com base em seus reais defeitos ou virtudes, assim como motivações”, escrevem André Azevedo Alves e José Manuel Moreira em O que é a Escolha Pública?, livro português que serve como excelente introdução ao pensamento da Escola de Virgínia. É preciso lembrar que o estado não age, apenas indivíduos agem!

Erro muito comum dos intervencionistas é o que chamamos de “falácia do Nirvana”, que consiste em usar uma utopia, uma fantasia imaginária qualquer, para combater uma realidade imperfeita. Como exemplos temos o pacifismo, o socialismo, o ambientalismo etc. O ataque ocorre da Torre de Marfim: é uma postura confortável (e também covarde) de quem não deseja realmente debater quais as melhores alternativas concretas para os fins desejáveis, e sim posar de “puro” contra tudo e todos que existem.

Isso leva ao monopólio das virtudes: somente quem defende mais estado quer acabar com a fome, a miséria, as injustiças etc. Somente o pacifista é contra a guerra e a violência. Somente o ambientalista é contra a poluição ou o “aquecimento global”. Condena-se o adversário ideológico com base em sua suposta falta de sensibilidade, por seus “interesses mesquinhos”. Mas assume duas personalidades radicalmente opostas para as pessoas: no processo de mercado, são guiadas pelo egoísmo; na política, misteriosamente seriam dominadas pelo interesse público. Faz sentido?

No fundo, a via política é apenas uma forma diferente de decisão coletiva a partir dos mesmos indivíduos. “Quem estuda o fenômeno político deve partir da mesma concepção realista da natureza humana que julga apropriado aplicar aos restantes domínios da ação em sociedade”, dizem os autores. A questão fundamental para quem deseja um debate honesto e sério, portanto, é: qual a melhor forma de alocar recursos escassos? Qual o melhor processo que garante tanto a liberdade individual como os resultados mais eficientes do ponto de vista social?

Surge o primeiro grande obstáculo dos coletivistas: como avaliar o “interesse geral” na prática, já que preferências são subjetivas? Outro dilema: a maioria tem o direito de impor sua visão contra as minorias? Qual método – o econômico (trocas voluntárias no mercado) ou o político (coerção democrática) – preserva mais as minorias?

Na democracia, o método é “winner takes all”: a decisão majoritária deve valer para todos, mesmo os que não votaram nela. No mercado, cada um é soberano: a escolha da maioria não precisa ser a sua. Na sua esfera particular de ação, você é livre para decidir o que quer. Se todos quiserem ser veganos, por exemplo, você ainda é livre para comprar ou produzir carne no mercado; se o processo for político, basta uma maioria simples de veganos para impor sua escolha a todos, proibindo a venda de carne.

Outro problema prático que surge: seu voto, na democracia, vale muito pouco, é apenas um sobre milhares ou milhões. Quanto maior for a ágora, quanto mais gente participar do processo político, menor será seu incentivo para participar. É o que chamamos de “ignorância racional”: não compensa o esforço de se informar ou tentar influenciar o resultado. Ou seja, mesmo que decisões coletivas na política possam afetar intensamente sua vida, você não tem muito interesse ou poder de influência, pois seu voto é insignificante no total.

A contradição dos intervencionistas parece evidente: assumir que não devemos confiar nos indivíduos para governarem a si próprios, mas achar que estão na capacidade de governar os outros. Defender o sufrágio universal e o paternalismo estatal é contraditório, e resulta da arrogante visão elitista platônica de “reis-filósofos”, a crença no “déspota esclarecido” (que paradoxalmente será escolhido, na democracia, pela multidão pouco esclarecida).

Para piorar, o processo de escolha democrática não costuma levar os melhores ao poder, e sim os medianos, na melhor das hipóteses, quando não os piores, mais sedentos por poder, mais dispostos ao jogo sujo demagogo e populista, de oferecer privilégios aos grupos de interesse (leilão de benesses estatais, já que as vantanges ficam concentradas e os cursos dispersos). Vários pensadores mais realistas alertaram, antes de Buchanan e Tullock, para os riscos da visão romântica da política, como Maquiavel, Hobbes, David Hume, Adam Smith, Schumpeter, entre outros.

Antes de ser um grande senador ou presidente, o sujeito precisa ser eleito senador ou presidente. Isso coloca seu foco no curto prazo (as próximas eleições), no agrado aos grupos de interesse (mais atentos do que o povo disperso e com mais capacidade de bancar sua campanha). A grande falácia dos intervencionistas é crer que os políticos vão focar no “interesse nacional” a longo prazo enquanto os empresários só pensam em lucrar hoje. Ora, o valor presente do ativo leva ao foco distante dos proprietários de empresas, que desejam maximizar seu patrimônio.

Do ponto de vista do consumidor é parecido: ele tem mais incentivos de se informar no mercado, onde custo de má escolha recai sobre ele mesmo, do que na política, onde compartilha com todos o erro. Muitas vezes ele tem um incentivo ainda mais perverso na política: escolher medidas que lhe favorecem, enquanto jogam o custo para ombros alheios.

O problema dos intervencionistas é nunca se colocar do outro lado da mesa, do lado que sofre as consequências e custos da intervenção. Todo intervencionista se imagina como o próprio déspota esclarecido, e costuma enxergar a sociedade como um tabuleiro de xadrez, em que indivíduos dão lugar a peças sacrificáveis pelo objetivo “maior” que é, no caso, o “interesse do estado” (i.e., o seu próprio).

Entre as consequências práticas desse modelo estatizante, temos o “rent seeking” (grupos organizados usam o estado para criar barreiras à concorrência e se apropriar de lucros excedentes). A longo prazo, o principal efeito disso é desviar energia criativa da produção para o “investimento” em lobby político, em busca de privilégios, subsídios, barreiras protecionistas, reservas de mercado. Basta pensar no BNDES. Ocorre um desperdício de talentos: aquilo que não se vê, o custo de oportunidade. A geração de riqueza seria bem maior numa sociedade com menos “rent seeking” e mais concorrência livre.

O que fazer então, diante de todas essas falhas de governo? Não há mágica, uma panaceia, mas há algumas medidas prudentes:

  • Limitar o escopo da política: problema é a excessiva politização de nossas vidas;
  • Impor limites constitucionais ao governo, mesmo democrático (evitar a “ditadura da maioria”, que na verdade é de minorias organizadas);
  • Reduzir os gastos públicos, para mitigar o risco de captura por grupos de interesse;
  • Estabelecer um limite máximo de carga tributária no país;
  • Federalismo: descentralização de poder, aproximação do local de impacto das decisões, possibilidade de se votar com os pés, concorrência entre estados;
  • Sempre cobrar o ônus da prova de quem defende substituir a liberdade de mercado pela coerção estatal, e não o contrário;
  • Desconfiar sempre dos políticos, de suas reais intenções, pois o ceticismo é o único antídoto contra a ingenuidade da crença no estado benevolente, no déspota esclarecido, no governo de anjos;
  • Lembrar sempre que você pode estar do outro lado da mesa, de quem paga o preço do intervencionismo.

Para finalizar esse já longo ensaio, que serviu como base para a minha aula de ontem do curso online Bases da Economia, cito Michael Oakeshott: “Para algumas pessoas, o governo é concebido como um vasto reservatório de poder que as inspira a sonhar com o uso que poderia ser feito dele. Têm projetos favoritos, de dimensão variada, e entendem que a aventura de governar os homens consiste em capturar esta fonte de poder, aumentá-lo se necessário, e usá-lo para impor os seus projetos favoritos aos restantes cidadãos”.

Rodrigo Constantino

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