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A esquerda em crise: os meios e os fins
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O que é ser de esquerda, especialmente hoje, no Brasil? Para muitos, “ser de esquerda” virou sinônimo de se preocupar com os mais pobres, ou seja, há uma clara tentativa de se monopolizar as virtudes e os fins nobres. Quem não liga para os mais pobres, à exceção de gente insensível e cruel? Logo, somos todos de esquerda?

Claro que não. E claro que definir desta forma uma postura política não faz o menor sentido. O que devemos é caracterizar a filosofia política e ideológica com base nos meios defendidos. Partindo da premissa de que todos os seres humanos razoáveis querem melhorar a qualidade de vida dos mais pobres, resta a pergunta: como? Eis a questão.

E é aqui que começam as diferenças essenciais entre esquerda e direita. A esquerda, grosso modo, deposita no estado a expectativa de lutar por tal “justiça social”, ele é visto como o instrumento capaz de produzir riqueza ou distribuí-la em nome da igualdade (o esquerdista costuma focar mais na distribuição do que na produção de riqueza, pois assume que esta é dada, está na natureza, como um bolo fixo à espera de uma divisão mais equitativa).

Um típico esquerdista desconfia do livre mercado como mecanismo para produzir mais riqueza e tornar a vida dos mais pobres melhor. O estado é seu deus laico, um ente abstrato maravilhoso que vai agir sempre (que a própria esquerda estiver no poder) em prol dos fracos e oprimidos. E permanece no imaginário popular a ideia de que a esquerda é essa coisa pura, altruísta, o mesmo que se importar com os pobres.

Para muitos essa visão é tão forte que, se há escândalos de corrupção vindo à tona, então já estamos sob um governo da direita, pois a esquerda não rouba. Há quem repita por aí que o PT não é de esquerda, só o PSOL. Claro, o PSOL, que saiu do PT, não está no poder, então pode preservar a aura de pureza (que já não se sustenta mesmo com seu curto histórico e poucos cargos políticos).

Meu vizinho virtual, Leandro Narloch, escreveu um texto cobrando da esquerda coerência histórica em relação aos impostos, pois vieram da esquerda revolucionários que chegaram a pegar em armas pela redução da carga tributária, já que viam os impostos elevados como exploração e confisco das elites no poder.

Deixando de lado se tais métodos revolucionários e anárquicos são positivos ou aceitáveis, a provocação é válida, pois lembra que nossa esquerda atual inverteu toda a lógica do discurso e clama por mais impostos, por mais estado. O que fica evidente é que o problema nunca foi o tamanho do poder, e sim sua fonte. Se é a própria esquerda que está no poder, então tudo bem esfolar o trabalhador com mais tributos.

“É uma pena que a esquerda traia sua própria tradição e defenda mais impostos no Brasil. A luta contra a apropriação do dinheiro dos cidadãos foi por muito tempo (e ainda deveria ser) uma bandeira de quem se importa com os mais pobres e oprimidos”, conclui Narloch. É verdade, mas nesse caso a preocupação deveria ser com os fins, para que pudéssemos debater os melhores meios. E é justamente isso que a esquerda não quer fazer, pois já monopolizou para si as finalidades nobres.

Os professores da EPGE-FGV Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli usaram o caso da Petrobras em sua coluna de hoje no Valor para questionar os verdadeiros fins da nossa esquerda também. O texto é muito bom, e os autores afirmam que os problemas na estatal se devem justamente ao excesso de estado: “A corrupção na Petrobras não foi um acidente. Ela decorreu de seu gigantismo”.

O único problema é o título, pois dá a entender que essa podridão toda causada pelo estado e criticada pelos autores tem algo a ver com o capitalismo, ainda que “selvagem”. É uma concessão indevida dos autores ao ambiente de monopólio das virtudes por parte da esquerda. Por que não chamar de semi-socialismo ou patrimonialismo? Para atacar o estatismo pregado pela esquerda, acaba-se usando o termo mais associado à direita, o que não parece justo. Os autores concluem:

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Novamente, a provocação é legítima: o que quer a esquerda, insistir sempre nos mesmos meios ou ver se concretizando aquela que diz ser sua verdadeira finalidade? O problema é que, se a esquerda focasse nos fins sem tentar monopolizá-los, e passasse a realmente debater quais os melhores meios para alcançá-los, dificilmente continuaria a ser esquerda.

Afinal, historicamente os meios estatizantes jamais entregaram os resultados prometidos ou sonhados. Aumentar impostos e intervenção estatal na economia nunca foi uma boa receita para reduzir a miséria, objetivo tão proclamado pela esquerda.

Por isso lhe resta adotar esse monopólio dos fins nobres, transformando o esquerdismo em sinônimo de desejar o melhor para os pobres. E não importa que seus meios estatizantes levem cada vez mais gente para a pobreza…

Rodrigo Constantino

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