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A marcha da insensatez: rumo ao abismo!
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Fenômeno observável ao longo da História, que não se atém a lugares ou períodos, tem sido o da busca, pelos governos, de políticas contrárias aos seus próprios interesses. Nossa espécie, ao que tudo indica, quando se trata de governar, apresenta resultados bem menos brilhantes do que os obtidos em outras atividades humanas. Nessa esfera, a sabedoria – que pode ser definida como exercício de julgamento atuando à base de experiência, senso comum e informações disponíveis – é menos operativa e mais decepcionante do que seria de se esperar. Por que os homens com poder de decisão política tão frequentemente agem de forma contrária àquela apontada pela razão e que os próprios interesses em jogo sugerem? Por que o processo mental da inteligência, também frequentemente, parece não funcionar?

Uma visão bitolada, levando a auto-enganar-se, é fator que desempenha papel de grande significado nos governos. A visão bitolada consiste, também, na recusa ao benefício da experiência.

Ninguém deve discutir crenças religiosas, especialmente quando se trata de uma cultura estranha, remota, não bem compreendida. Mas quando tais crenças se tornam uma ilusão mantida até mesmo contra as evidências naturais e a ponto de jogar por terra a independência de um povo, elas podem ser consideradas pura insensatez, com justiça.

Sublinha-se, aqui, duas características da insensatez política: frequentemente ela não advém de grandes desígnios, e suas consequências, muitas vezes, acabam por surpreender. A insensatez, depois de vir à luz, tem o hábito de continuar persistindo em seus efeitos, posteriormente.

Ralph Waldo Emerson produziu o seguinte comentário: “Ao analisarmos a História não devemos ser muito profundos, pois nas mais das vezes as causas estão bem à superfície”. Eis o fator superestimado usualmente pelos cientistas políticos ao discutirem a natureza do poder: sempre tratam do assunto, mesmo em seus aspectos negativos, com imenso respeito. Não conseguem perceber o fenômeno, aqui e ali, como obra de homens às tontas, agindo de forma insensata, ignorante ou cruel, tal qual fazem pessoas comuns em circunstâncias banais. Os ardis e o impacto do poder nos levam a equívocos, revestindo seus titulares com qualidades acima das dimensões naturais. Despojado de sua tremenda peruca de cabelos cacheados, de seus sapatos de salto alto, de seus arminhos, esse Rei Sol era homem sujeito a preconceitos, erros e impulsos – tal como você e eu.

Sendo óbvio que a perseguição de desvantagem após desvantagem é algo irracional, concluímos, em consequência, que o repúdio da razão é a primeira característica da insensatez. Embora a estrutura do pensamento humano esteja assente no procedimento lógico das premissas às conclusões, isso nada significa quando se esbate contra fragilidades e paixões.

O governo permanece sendo o paradigma, como área da insensatez, porque nele é que os homens ganham poder a ser exercido sobre os demais – apenas para perdê-lo sobre si mesmos. Nenhuma alma humana consegue resistir à tentação do poder arbitrário e, daí, “ninguém deixará, nessas circunstâncias, de se tornar vítima da insensatez, a pior das moléstias”. Seu reino será minado e “todo seu poder fugirá”.

Em seu primeiro estágio, a paralisia mental fixa princípios e fronteiras que governam um determinado problema político. No segundo estágio, quando dissonâncias e funções em colapso começam a surgir, os princípios iniciais tornam-se rígidos. Esse seria o período em que, caso a sabedoria estivesse em ação, reexaminar, repensar e mudar o curso seriam coisas possíveis, mas isso é tão raro como rubis num fundo de quintal. A rigidificação conduz ao aumento dos investimentos e à necessidade de proteger os egos: a política fundada em erros multiplica-se, jamais regride. Quanto maior o investimento e quanto mais o ego se envolve, mais inaceitável se torna o desengajamento. No terceiro estágio, a perseguição do fracasso aumenta os prejuízos até causar a queda de Tróia, a defecção do papado, a perda do império transatlântico, a clássica humilhação no Vietnã.

A persistência no erro, eis o problema. Os praticantes do governo persistem no caminho errado como se estivessem escravizados a algum Merlim de mágicos poderes para dirigir seus passos. Para um chefe de Estado, admitir erros é algo quase impossível. O problema está em se reconhecer quando a persistência no erro se torna autodestruidora. Um príncipe, disse Maquiavel, deve sempre ser grande perguntador e escutar pacientemente a verdade sobre aquilo que inquiriu, demonstrando sua ira caso verifique que alguém revele escrúpulos em lhe dizer essa verdade. O que os governos necessitam é de grandes perguntadores.

O burocrata sonha com promoção, os altos funcionários desejam aumentar sua alçada, legisladores e presidente buscam a reeleição: a norma-guia nessa corrida é agradar ao máximo e ofender o mínimo. O governo inteligente exige que a pessoa revestida do cargo possa formular e executar a política de acordo com seu melhor julgamento, conhecimento disponível e judiciosas estimativas quanto aos males menores. Mas a reeleição está em suas cabeças e esse passa a ser o critério dominante.

Trechos selecionados por mim da obra clássica da historiadora Barbara Tuchman, A Marcha da Insensatez, que julgo representar um retrato perfeito de nossa própria marcha rumo ao abismo.

Rodrigo Constantino

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