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Ainda sobre o “trabalho escravo”: cuidado com a definição dos conceitos!
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comentei aqui sobre a decisão do governo Temer de rever a portaria sobre “trabalho escravo”, tratada pela imprensa em geral como um absurdo, uma politicagem para agradar a “bancada ruralista”, que fere a “dignidade da pessoa humana”. Questionei se é por aí mesmo, mostrando que é preciso mais cuidado com a definição dos conceitos. Volto ao tema hoje, por sua relevância e por ver a reação da esquerda.

Essa reportagem do GLOBO, por exemplo, traz as opiniões de Blairo Maggi, ministro da Agricultura, e de Flavia Piovesan, secretária nacional de Cidadania e conhecida militante de esquerda. O viés da reportagem foi claramente a favor da última. Piovesan, que está de saída para a OEA, disse:

A portaria praticamente inviabiliza ou cria óbices quase que intransponíveis para a diligente, devida e eficiente fiscalização do trabalho escravo. Quem está submetido a trabalho escravo não é só quem está restrito de liberdade, mas quem tem aviltada sua dignidade humana. A portaria afronta e viola a legislação brasileira.

E eis aqui o cerne da questão! Escravidão costumava ser um conceito mais objetivo: restringir a liberdade, o direito de ir e vir, impor trabalho forçado, algo como vemos em Cuba, por exemplo. Mas tudo aquilo que “avilta a dignidade humana” já pode ser considerado “análogo ao trabalho escravo” hoje, e isso gera um arbítrio perigoso, pois o conceito é vago demais, subjetivo.

“Ninguém quer ou deve ser favorável ao trabalho escravo, mas ser penalizado por questões ideológicas ou porque o fiscal está de mau humor não é justo”, disse Maggi. E quem atua no setor rural sabe que acontece isso mesmo: o fiscal, todo-poderoso, pode utilizar as infindáveis regras da CLT para determinar a configuração de “trabalho escravo” e manter o proprietário rural como refém.

O editorial do mesmo jornal considerou a portaria um “retrocesso”, e afirmou que a medida visa apenas a “agradar a bancada rural”, como se agradar a bancada rural fosse, em si, algo ruim, ignorando que são os produtores rurais que têm carregado nossa economia nas costas. Leonardo Sakamoto é citado como referência séria, não como um fanfarrão esquerdista.

E se fala ainda em “resgate” dos trabalhadores escravos, ignorando-se que muitos estão ali voluntariamente. Aliás, para onde vão os “escravos resgatados”? Para o desemprego? Tornam-se dependentes de esmolas estatais, para votar eternamente na esquerda demagoga? Se eles quiserem regressar ao emprego antigo não podem? Seriam então “libertos” contra sua própria vontade?

Leandro Narloch, um dos poucos jornalistas com coragem para remar contra o politicamente correto e que entende bem o risco de conceitos vagos, escreveu um texto abordando essa questão. Ele compara dois casos muito diferentes, mas ambos considerados “trabalho escravo” pelas leis, para deixar claro que é preciso mais cautela na hora de usar a mesma expressão para definir coisas tão distintas. E conclui:

Ou seja: “trabalho análogo à escravidão” simplesmente não é aquilo que a OIT, a maioria dos países e os cidadãos em geral entendem por trabalho escravo.

Essa confusão acontece porque, até semana passada, o Brasil considerava como análogo à escravidão o trabalho com “jornada excessiva” e “condições degradantes”. Como cabia aos fiscais do Trabalho decidir o que são condições degradantes, a regra dava margem a interpretações fantasiosas.

[…]

Da portaria que Ministério do Trabalho publicou na segunda-feira (16), o ponto mais relevante é a necessidade de haver restrição de liberdade para se falar em escravidão. Essa mudança vai evitar muitos imbróglios jurídicos que resultam em nada. Depois de todo escarcéu das operações do Ministério Público do Trabalho e do linchamento público, mais de 90% das empresas denunciadas são inocentadas na Justiça criminal.

A mudança também vai, enfim, conter os ativistas, blogueiros, fiscais e procuradores que usam o termo “trabalho escravo” de forma sensacionalista, para chamar a atenção do público e ganhar prêmios, audiência e financiamentos.

O pior é que esse sensacionalismo não ajuda os trabalhadores. Acaba eliminando alternativas de quem já tem poucas opções de trabalho. Como os próprios ativistas admitem, muitos “libertados” nas operações acabam ingressando em empregos bem parecidos semanas depois.

Isso quando há empregos. As grifes, correndo o risco de terem a reputação manchada por algum fiscal que se considera herói da luta de classes, pensam muitas vezes antes de abrir fábricas no Brasil. Muitas já se mudaram para o Paraguai, o novo polo de empresas brasileiras. 

Narloch toca no ponto-chave desse debate, mas Piovesan, Sakamoto, o Globo e companhia já decidiram: “trabalho escravo” é tudo aquilo que a esquerda quiser, ou condições de trabalho que não preencham algum dos inúmeros itens arbitrários definidos pelos burocratas “ungidos”. Uma empregada doméstica sem carteira assinada, numa decisão mútua entre patrão e empregada para fugir do custo excessivo da legalidade, já poderia ser caracterizada como “escrava”.

Priscila Chammas Dáu, do PSL-Livres, também se pronunciou contra a maré vermelha em sua página de Facebook:

Chamar de trabalho escravo qualquer trabalho com jornada excessiva e “condições degradantes” (expressão extremamente subjetiva, e sujeita a várias interpretações, de acordo com o humor e a ideologia de quem julga) é tão absurdo quanto chamar de estupro um beijo roubado no carnaval.

As duas coisas podem até ser crimes, mas de diferentes potenciais ofensivos. Isso que fazemos no Brasil, de colocar tudo no mesmo balaio é um desrespeito e um desserviço a quem é escravizado ou estuprado de verdade, e só serve aos militantes desonestos e aos sensacionalistas de plantão, em busca de manchetes bombásticas que rendam cliques. Afinal, “Mulher é estuprada no carnaval” rende muito mais do que “Mulher é assediada”, ou “Mulher é beijada à força”, não é mesmo?

E o que dizer de “Loja tal é denunciada por trabalho escravo”? Para quê ser proporcional, se podemos lacrar muito mais deixando a internet histérica e, de quebra, ainda criticar um presidente golpista?

Não, minha gente. O Brasil não legalizou trabalhos forçados e castigos físicos. Ele apenas atualizou a definição, para parar de igualar desrespeito a leis trabalhistas com escravos acorrentados em engenhos de cana-de-açúcar. Parem de compartilhar matéria do Brasil 247, e segue o jogo.

Conceitos são importantes, são fundamentais, como sabia Confúcio. A liberdade começa a ser perdida quando as palavras perdem o sentido. É George Orwell na veia: guerra é paz, escravidão é liberdade. Afinal, os regimes totalitários comunistas nunca se venderam como ditaduras opressoras, mas sim como democracias populares, não é mesmo? Até hoje a Coreia do Norte é “oficialmente” uma democracia, como a Venezuela socialista.

Portanto, caros leitores, todo cuidado é pouco com a reação da esquerda. Não nego que existam pessoas decentes efetivamente preocupadas com as condições de trabalho de milhões de brasileiros. Mas não é manipulando os conceitos e delegando um poder arbitrário e absoluto aos fiscais do governo que vamos resolver esse problema. Ele foi resolvido nos países ricos com capitalismo liberal.

Rodrigo Constantino

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