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Ambição desmedida: quando a arrogância leva ao voo de Ícaro
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O Facebook me sugere como recordação um texto meu de um ano atrás, “Ambição desmedida”, uma resenha que fiz para o GLOBO da biografia de Eike Batista escrita por Malu Gaspar. A releitura cai como uma luva no momento em que outro bilionário, André Esteves, do BTG Pactual, vai preso na Operação Lava Jato. Diferenças à parte, há também muitas semelhanças, que apontam para essa “arrogância fatal” de quem deseja abraçar o mundo, custe o que custar.

Sobre Eike, escrevi:

De forma irresponsável, Eike foi ignorando alertas ao longo do caminho, e abraçando cada vez mais empreitadas em diversos setores diferentes. Malu chama a história do grupo X de “a epítome de um período do capitalismo brasileiro”. De fato, foi isso mesmo. Já fiz um paralelo, aqui nesse espaço, entre Eike e Lula em suas respectivas áreas. Se um virou o Midas da economia, o outro foi alçado ao patamar de gênio da política, ignorando-se que perdeu três eleições seguidas, duas delas no primeiro turno para Fernando Henrique.

[…]

Outra coisa que a autora faz com maestria é desvendar em riqueza de detalhes aquilo que já sabíamos em termos gerais: a enorme simbiose entre Eike e o governo. O empresário ficou obstinado em se transformar num “empresário do PT”, ao perceber que tal parceria lhe seria extremamente vantajosa. Com o BNDES presidido por Luciano Coutinho, que desde a década de 1980 defendia o fomento de fortes grupos nacionais dirigidos pelo Estado, o casamento seria inevitável.

“Mais do que um empresário símbolo do novo capitalismo que emergia no Brasil, Eike Batista era agora alguém de confiança do BNDES — o mais poderoso banco de fomento da América Latina. Se havia tal coisa como um ‘empresário do PT’, ele sem dúvida era um deles”, escreve. Foram bilhões injetados no grupo X pelo banco estatal. Eike diria pouco depois que o BNDES era “o melhor banco do mundo”.

André Esteves não é Eike Batista. Seu império não foi construído sobre vento, projetos, e sim sobre uma equipe de primeira na área financeira. Capital humano de boa qualidade e muita meritocracia, eis o segredo. Mas as semelhanças começam quando o BTG Pactual de Esteves se aproximou demais do governo, chamando a atenção de todos no mercado. Virara o “banqueiro do PT”, depois que o BMG mineiro mergulhou em problemas com o mensalão.

Várias operações suspeitas ocorreram, atípicas para o perfil do banco de investimentos. Especulações no mercado futuro também levantaram suspeitas de “informação privilegiada”, nunca provada. Mas corria à boca pequena que Esteves estava próximo demais de Guido Mantega e do governo, trocando muitas figurinhas, tendo sonhos esquisitos. É difícil se aproximar tanto do monstro sem ser tragado por ele.

A história de Esteves é uma de ambição, muita ambição. Foi capa da Exame como o garoto que saiu da Tijuca e chegou a Wall Street. Queria abraçar o mundo! Pensou em comprar o UBS, que comprara o Pactual. Isso mesmo: sua ideia era se alavancar para ser o dono do bancão suíço, que tinha lhe dado liquidez antes ao levar o Pactual. Se tivesse feito isso naquele momento de mercado, antes da crise de 2008, provavelmente teria quebrado.

Mas quem sofre de ambição desmedida nunca aprende, nunca para. Não há saldo na conta suficiente. Não há bilhão que faça o foco na vida mudar um pouco, se voltar para coisas mais… elevadas e valiosas. O bottom line é tudo que importa: se tem $ 2 bilhões de patrimônio, então é preciso correr atrás de mais $ 2 bilhões. E mais $ 2 bilhões depois. E poder, muito poder. O governo surge como um atalho irresistível.

O arrogante é aquele que quer voar muito alto sem os pés no chão, sem levar em conta os alertas da natureza e de seus próprios limites. Como Ícaro, ele quer alcançar o sol. Mas, como Ícaro, suas asas começam a derreter e sua queda pode ser fatal.

Escrevo tais linhas triste, pois tenho muitos amigos no BTG Pactual, gente séria, trabalhadora e honesta. Mas a imagem será inevitavelmente arranhada, e seu futuro é incerto. O principal acionista é ambicioso demais, e se aproximou demais do governo petista. Coisa boa não pode sair disso. Agora resta aguardar o desenrolar das investigações e saber do que exatamente estão acusando Esteves. Mas esse percalço não sai mais de sua biografia: da Tijuca para a cadeia.

Rodrigo Constantino

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