Por João Luiz Mauad, publicado no Instituto Liberal
Confesso que, a cada dia, minhas esperanças de ver o Brasil evoluir e progredir na direção de uma sociedade aberta, livre e civilizada se esvaem.
Hoje, 100 milhões de usuários acordaram impedidos de utilizar o aplicativo de comunicação WhatsApp. O motivo foi uma decisão autoritária, arbitrária e sem amparo legal da Primeira Vara Criminal do município de São Bernardo, em São Paulo. Segundo consta, a empresa proprietária do aplicativo teria sido notificada por duas vezes para quebrar o sigilo das comunicações entre investigados por aquele tribunal, sem que tenha disponibilizado até agora as informações requeridas.
Convenhamos: prejudicar a vida de milhões de pessoas, que nada têm com o assunto em tela, a fim de punir uma empresa que teria desobedecido uma ordem judicial, não faz nenhum sentido lógico, ferindo de morte o princípio da razoabilidade, que deveria nortear qualquer decisão judicial. “O princípio da razoabilidade é uma diretriz de senso comum, ou mais exatamente, de bom-senso, aplicada ao Direito. Esse bom-senso jurídico se faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu espírito. Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.“
Além desse, há outro princípio basilar de direito segundo o qual ninguém pode ser punido por crime de terceiro, seja qual for o vínculo, sendo vedado o castigo pelo fato de outrem. Ao determinar a suspensão de um serviço utilizado por milhões de pessoas, o juízo da comarca de São Bernardo não puniu somente a empresa que deixou de cumprir a ordem judicial, mas também, senão principalmente, milhões de outros indivíduos que não fizeram nada de errado.
Suponhamos que a empresa fosse uma companhia telefônica. Seria justo paralisar os serviços dessa companhia, deixando mudos milhões de usuários durante dois dias? A analogia serve também para empresas de transporte, bancos ou qualquer outra empresa prestadora de serviços. Que se multem ou até se prendam os responsáveis, mas prejudicar quem nada fez é um despautério.
Mas o fato mais absurdo mesmo é que a decisão de suspender o serviço não está sequer prevista na lei, tratando-se de uma interpretação equivocada do artigo 12º da Lei do Marco Civil da Internet, que trata das sanções e das penas previstas para o descumprimento das normas que tratam “Da Proteção aos Registros, aos Dados Pessoais e às Comunicações Privadas”. Em resumo, a sanção determinada pelo juízo de São Bernardo se aplica, apenas e tão somente, aos casos de violações, pela empresa fornecedora dos serviços, dos dados sigilosos de seus usuários, sem a devida ordem judicial. O bloqueio do serviço, portanto, se aplicaria, única e exclusivamente, na defesa dos interesses do consumidor, nunca contra esse.
Por outro lado, a legislação brasileira prevê punições para a desobediência de ordens judiciais, tanto na esfera cível, através da aplicação de multas (Art. 461 do Código de Processo Civil e Art. 84 do Código do Consumidor), quanto criminal, com previsão inclusive de prisão para os eventuais infratores (Art. 330 do Código Penal). São vários, por conseguinte, os instrumentos à mão dos magistrados para fazer valer as suas decisões.
Felizmente, parece que o Tribunal de Justiça de São Paulo, invocando justamente o princípio da razoabilidade, determinou, no início da tarde, o restabelecimento do serviço. Mas a ação estapafúrdia e ilegal do juízo de São Bernardo não deveria ficar impune, até para servir de exemplo. Com a palavra o Conselho Nacional de Justiça.
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